Partido Comunista Português
"Cimeira da Primavera"
Ilda Figueiredo no "Comércio do Porto"
Quarta, 23 Março 2005

Esta semana decorre mais um Conselho Europeu, também chamado Cimeira da Primavera, que tem na sua agenda temas tão importantes como a revisão intercalar da Estratégia de Lisboa e o Pacto de Estabilidade.

Como se afirmou no debate que organizámos, em Lisboa, com a participação do Presidente e outros deputados do Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, a vida tem vindo a dar razão às nossas objecções e críticas à Estratégia de Lisboa.

Em recente parecer do CES - Conselho Económico e Social, afirma-se que “Os resultados da aplicação da Estratégia de Lisboa ao fim dos primeiros anos são em boa parte desanimadores. Há um fraco desempenho económico; alguns dos objectivos intermédios não serão alcançados no domínio social; mantém-se um elevado nível de desemprego; o alargamento está a ter impactos sociais que foram subestimados; têm-se tomado medidas que põem em causa o modelo social europeu.”

Ora, a verdade é que só não são piores os resultados porque as orientações e as políticas neoliberais da Estratégia de Lisboa foram contidas e travadas pela resistência e luta dos trabalhadores portugueses e das forças progressistas do País.

Tivemos cinco anos de ofensiva neoliberal que se traduziram, na Europa, e de forma ainda mais agravada em Portugal, com as políticas seguidas (primeiro, pelo PS e, nos últimos três anos, pelo PSD/CDS-PP), na manutenção de um fraco crescimento económico, no aumento do desemprego e numa escandalosa concentração da riqueza, enquanto prosseguia a ofensiva liberalizadora e privatizadora dos serviços públicos, o aprofundamento da flexibilização do mercado de trabalho, com a liquidação de direitos dos trabalhadores, de que o Código do Trabalho é exemplo, a contenção dos salários e o aumento da pobreza e da exclusão social.

Estas políticas neoliberais foram caucionadas e enquadradas pelas políticas económicas e financeiras restritivas do Pacto de Estabilidade, do Banco Central Europeu e dos seus dogmas, que a proposta de “Tratado Constitucional”, em fase de ratificação pelos Estados-membros, quer consagrar em definitivo.

Mas, enquanto se mantém o fraco crescimento da economia, o desemprego cresce e o poder de compra dos trabalhadores estagna, vemos as multinacionais, as grandes empresas nacionais e europeias e o capital financeiro a arrecadar fabulosos lucros, batendo históricos recordes em 2004.

Os dados divulgados no recente estudo do banco suíço – UBS - em relação aos lucros das grandes empresas dos países mais ricos, são uma ofensa face às crescentes dificuldades do mundo do trabalho e ao crescimento da pobreza. Não admira, pois, como revela outro estudo (Standard and Poor’s), que acompanha a evolução de 350 importantes empresas europeias, estas tenham obtido, no ano de 2004 face a 2003, lucros operacionais médios na ordem dos 78%.

Em Portugal, algo de semelhante se passa com os resultados do sector bancário de 2004. Só os cinco maiores bancos, atingiram, neste ano, apesar da crise, um lucro de 1,7 mil milhões de euros, isto é, mais 16,5% do que em 2003, o que, aliás, é extensivo também às grandes empresas nacionais cotadas na bolsa, com a PT a obter mais de 500 milhões de lucros.

A proposta da Comissão Europeia de revisão da Estratégia de Lisboa, retomando o estafado pretexto da “competitividade” e das “reformas económicas e estruturais”, e desvalorizando a agenda social, visa acelerar e promover novos avanços dos processos de liberalização e desmantelamento dos serviços públicos, o que se complementa com a proposta de reorientação do Pacto de Estabilidade, que se mantêm, no fundamental, fiéis à ortodoxia monetarista, continuando a amarrar e travar o desenvolvimento económico às “duas âncoras nominais” dos 3% do défice e dos 60% da dívida pública, a que se junta o reforço da governação económica a nível europeu, impondo mais limites e restrições às opções de política nacionais.

Pretendem uma reorientação do Pacto que, ficando muito aquém das necessidades de relançamento da economia europeia e do emprego, estimule o processo privatizador, subjacente às anunciadas reformas estruturais na área da saúde e da segurança social, com a despenalização na avaliação do défice das despesas de reestruturação nestas áreas. Mas esta deveria ser a grande oportunidade para encetar uma nova política de promoção do crescimento e do emprego e dar uma particular atenção à dimensão social, com uma revisão do Pacto de Estabilidade, que assumisse como prioridade o crescimento económico e a concretização da coesão económica e social, o emprego e as condições e particularidades das economias mais débeis.

A revisão do Pacto deveria, no mínimo, transformar a obrigatoriedade do cumprimento dos critérios nominais do défice e da dívida, em indicadores tendenciais, alargando os respectivos prazos de acomodação e flexibilidade, o que ainda deveria ser ampliado para os países que apresentam um PIB abaixo da média, como é o caso de Portugal., além de dever libertar da contagem para o défice as despesas de investimento, nomeadamente em infra-estruturas, bem como as despesas sociais dirigidas ao combate à pobreza, considerando como despesas de investimento, libertas dos constrangimentos do rígido critério dos 3% do défice as despesas com educação, formação, ciência e tecnologia e os gastos com a infância

O governo português não pode aceitar uma qualquer reorientação de cosmética, quer do Pacto de Estabilidade, quer da revisão intercalar da estratégia de Lisboa. Deve, sim, exigir profundas alterações que assegurem a urgente necessidade de promover o crescimento económico e o emprego, a defesa e modernização do aparelho produtivo e o investimento em serviços públicos de qualidade e amplos direitos laborais e sociais. Por isso, também deve exigir a imediata retirada das inaceitáveis propostas de directivas sobre organização e tempo de trabalho e da criação do mercado interno dos serviços.