A política
energética do actual Governo foi anunciada em 2005, com a designação de
"Estratégia nacional para a energia"[1],
suscitando então justificadas preocupações. Estava demonstrado o agravar dos
problemas, em todos os parâmetros de análise, mas na "Estratégia" não se
descortinavam ideias ou respostas que contribuíssem significativamente para os
resolver. Limitava-se o Governo a evocar o pensamento e prática da anterior
maioria, em linha com as políticas da União Europeia, apresentando como
prioridade das prioridades a liberalização do sector energético. Os pretextos
para justificar tal abordagem foram os habituais: o aumento do preço dos combustíveis
e a retórica em volta do aquecimento global.
Não ficou claro em
que medida a criação dos mercados do gás e da electricidade resolveria as
questões fundamentais, nomeadamente a segurança no abastecimento energético, a
degradação ambiental associada ao consumo de combustíveis fósseis, o controlo dos
preços da energia e a baixa eficiência na respectiva utilização. Liberalizar mercados
tradicionalmente muito ocupados por grandes empresas públicas é, na óptica
capitalista dominante, uma medida lógica em termos de economia. Mas constitui propósito
com limitada influência naquilo que se pode identificar como prioritário numa
estratégia energética.
Passados quase 2
anos, o Governo ainda segue embalado no seu enviusamento original. No foco das
preocupações continua a criação de mercados competitivos e a redução do CO2,
esquecendo que o objectivo principal da política energética deve ser a melhoria
global dos indicadores energéticos, o que implica introduzir uma cultura de
racionalização associada à eficiência, promover activamente a alteração de
comportamentos e enfrentar crónicos problemas estruturais. Contudo não será
justo dizer que o actual Governo reproduziu a inércia e laxismo dos anteriores.
Apesar da frouxa arrancada, têm-se registado sinais de dinâmica, e a questão
energética foi correctamente centrada como elemento fundamental da acção
política. Encontramos neste governo, mais concretamente no Ministro da Economia
e Inovação, um pensamento que enquadra a complexidade da problemática energética,
com definição de estratégias, quantificação de objectivos e implementação de
algumas acções.
Quanto desse
empenho será motivado por algo mais do que satisfazer as apetências dos
empresários investidores? Em que medida as acções preconizadas e os propósitos
anunciados poderão ser cumpridos, e o que resultará de positivo para o panorama
energético nacional? Não é possível de momento responder com certezas a estas
questões. Todavia, tendo sido recentemente anunciadas todo o tipo de ambiciosas
metas, facilmente acompanharemos a respectiva concretização. O que podemos
apontar desde já são as insuficiências que identificamos nas políticas e
algumas incorrecções na estratégia, nomeadamente as considerações tomadas por
base.
Os mercados da electricidade e do gás natural
A criação do
mercado único da electricidade e do gás natural não é fácil de implementar. Técnica
e historicamente não é natural, ninguém a reclama ou lhe sente a falta, excepto
os que esperam lucrar financeiramente com isso. Alguns dos maiores entraves
partem dos próprios governos, através de quadros regulatórios que impedem o
acesso de operadores, ou através de apoios às empresas consideradas
estratégicas. Há países europeus que não se mostram disponíveis para desmembrar
as suas grandes empresas de electricidade e gás, abrindo campo à pulverização
de operadores. Argumentam que, para jogar no xadrez energético mundial, cada
vez menos liberalizado, são precisos contendores com suficiente arcaboiço.
Em Portugal, no
que respeita ao processo de liberalização, o governo só tem de que se gabar:
- Somos dos mais
voluntariosos e expeditos em alienar e desmantelar as grandes empresas de
electricidade e gás, separando as funções de produção, distribuição e
comercialização, apenas batidos nesse desígnio pelo Reino Unido e Dinamarca.
Estamos entre os 6 países com menor peso de capitais públicos nos agentes de
mercado energéticos. Após os combustíveis e a electricidade, prepara-se a
liberalização faseada, até 2010, do mercado do gás natural, antecipando o
período de derrogação concedido pela UE.
- "Portugal está
entre os 5 modelos regulatórios de energia com maior grau de isenção e
independência". O percalço recente, de que resultou a exoneração do Presidente
do organismo regulador, é caracterizado pelo Ministro da Economia e da Inovação
como "medidas transitórias e de emergência...".
- Este governo negociou
a extinção dos CAE[2], obrigando
a produção regulada a entrar progressivamente no mercado, prometendo que, até
2010, 57% da electricidade seja produzida sem qualquer compromisso de longo
prazo entre o produtor e o cliente. Pela alteração das condições contratuais
entre os produtores e a REN foi necessário definir indemnizações (Custos de
Manutenção do Equilíbrio Contratual), que o Estado suportará e para cujo
financiamento procura estratégias e soluções[3].
- Implementou-se
o 2º mercado regional de electricidade na Europa (MIBEL - Mercado Ibérico da
Electricidade). Para tal foram reforçadas as interligações ibéricas, estabelecida
uma plataforma comum de regulação, avançou a harmonização tarifária. O MIBEL já
funciona em parte (OMIP) desde Julho de 2006, apoiado pela imposição dos
distribuidores vinculados nele adquirirem 10 % das necessidades. A verdadeira
dinâmica só é esperada quando os CAE deixarem de existir e a venda de energia
das termoeléctricas e hídricas seja obrigatoriamente feita no mercado.
Mesmo com o
controlo estatal das redes de distribuição, no caso da electricidade e do gás, não
é garantido que as empresas de capitais privados, nos segmentos considerados
"pró-competitivos", concorram efectivamente entre si, de modo a
concretizarem-se as anunciadas "vantagens" da liberalização. Não há qualquer
quadro legal, nacional ou comunitário, que impeça a concentração empresarial,
através de processos de fusão ou aquisição. Essa preocupação é completamente
ignorada em toda a vasta documentação governamental. Os sinais de
fortalecimento de alguns operadores, no sentido de virem a controlar os menos
robustos, expostos por via da obediência à legislação europeia, são já
perfeitamente claros.
A criação de
dinâmica de mercado implica que os proveitos se tornem atractivos para os
operadores. O consumidor doméstico de electricidade pouco se regozijará de
poder escolher o seu fornecedor, desde Setembro de 2006, se o custo da
electricidade aumentar 16% segundo o regulador (ERSE), ou 6% conforme o Governo
prometeu, intervindo ao arrepio das regras por si estabelecidas. Este é um dos
pontos menos claros de todo o enquadramento estratégico. Fez-se a liberalização
para, entre outros pretensos benefícios, diminuir o preço da electricidade, mas
a primeira consequência das medidas aplicadas é precisamente o contrário. O
pagamento do défice tarifário acumulado, a dívida que o Governo assumiu à EDP pelo
preço da electricidade não aumentar além da inflação, será pago no prazo de 10
anos a contar de 2008, provavelmente também com algum reflexo nas tarifas. Consciente
destes problemas, o Governo propõe a criação de um "Fundo de Estabilização
Tarifária", à semelhança do antigo "Fundo de Hidraulicidade", a utilizar
politicamente para distorcer o preço do mercado, eventualmente protegendo os
consumidores dos bruscos aumentos da matéria-prima, sem beliscar os interesses
dos produtores, agora que são privados.
Recorde-se, a
propósito, que o primeiro mercado liberalizado, o dos combustíveis, não trouxe
qualquer benefício palpável para os consumidores[4].
O ambiente e as emissões de CO2
O compromisso de
Portugal no âmbito do Protocolo de Quioto não prevê a diminuição das emissões
de CO2 mas sim um aumento que, até 2012, não deve exceder 27%
relativamente ao valor verificado em 1990. Não se prevê possível respeitarmos
esse limite, sobretudo devido ao crescimento dos consumos nos transportes, sector
doméstico e serviços. Estima-se que no sector dos transportes, por exemplo, as
emissões cresçam 104% até 2010, se nada for feito.
Na intensidade
carbónica, a relação entre as emissões de CO2 e o consumo total de
energia, Portugal continua a divergir dos parceiros. Na média dos 25 países da
UE (dados até 2004) o parâmetro tem melhorado, em Portugal piora
continuadamente.
O primeiro Plano
Nacional de Alterações Climáticas (PNAC 2004) não teve os resultados desejados
em grande parte dos sectores. A respectiva revisão deu origem ao PNAC 2006, em
que são consideradas várias medidas adicionais, sobretudo na área da energia (a
par de propostas de impacto insignificante como reduzir os dias de serviço dos
táxis. Apesar das medidas, não se prevê o cumprimento cabal dos compromissos, pelo
que será necessário recorrer aos mecanismos de flexibilidade, o que pode
incluir comprar direitos de emissão, para o que estão a ser amealhados 348
milhões de euros, constituindo o Fundo Português de Carbono.
A meta da
quantidade de CO2 produzida por habitante é apresentada como o
"objectivo mais ambicioso da UE em termos de emissões de estufa (7,6 tonCO2/hab.
vs 10,0 de média da UE)". É preciso relativizar estes números. Em 2004 a
capitação do CO2 em Portugal era de 6,1 ton/hab. e a média UE25
de 8,4 ton./hab. Este indicador nunca foi um problema, pois infelizmente sempre
estivemos bem cotados, em resultado do nosso atraso industrial e fracos padrões
de conforto, não devido a uma eficiência ou racionalização exemplares.
A degradação
ambiental causada pela utilização da energia vai muito além da problemática
associada aos gases causadores de efeito de estufa[5].
Em Portugal, o ar respirado nos principais aglomerados urbanos e zonas
industriais é classificado como mau em grande parte dos dias do ano. Quase nada
está a ser feito para não continuarmos a respirar gases venenosos, provenientes
sobretudo dos escapes dos veículos automóveis. Essa é uma preocupação
ambiental, de saúde pública, mas também energética. O esperado aumento do
transporte rodoviário, aliado à péssima organização e planeamento urbano,
agravará a nossa dependência, fará disparar as doenças respiratórias e ainda prejudicará
a prestação nacional no cumprimento da meta de Quioto.
Seria dado tanto
relevo à limitação das emissões de CO2 se a acção preconizada para
lidar com a questão não tivesse sido arquitectada como um mega negócio, gerador
de grandes fluxos financeiros? Poder-se-á comprar e vender, a valor de mercado,
o direito a emitir CO2, ganhando dinheiro com a especulação. E nem
mesmo assim tem sido fácil impor a ideia aos poluidores principais,
nomeadamente ao maior de todos, os Estados Unidos da América. O Protocolo de
Quioto só reuniu as necessárias ratificações para vigorar porque a indústria na
antiga União Soviética se afundou, sobrando à Rússia muitos "direitos de
poluir" para vender.
Transformar o
direito a depauperar os recursos ambientais num bem com cotação em bolsa
aumentará as oportunidades de negócios, num mundo em que poucos novos filões
lucrativos restam para explorar, mas não é de crer que resolva qualquer tipo de
problema. Contudo a ideia tem sido bem vendida, pelo discurso oficial e bem
subsidiados grupos de "estudos" e produção de opinião. Toda a legislação
produzida desde os anos 90 está embebida destes conceitos, lançados no apogeu
da ideologia professada por Ronald Reagan e Margareth Thacher.
Segurança energética
Em 2004, a dependência
energética de Portugal (importações líquidas/consumo total de energia) era de
83,6%. A média dos 25 países parceiros foi de 50,5%. Esta simples comparação
dá-nos a dimensão da gravidade do problema.
Naturalmente que
a redução da dependência, pelo lado da oferta, não passa pelos sectores
tradicionais do sistema energético, uma vez que toda a matéria-prima actualmente
utilizada (petróleo, carvão e gás natural) é importada. Todavia são esses que, mesmo
a longo prazo, assegurarão a maior parte das nossas necessidades.
Na produção de
electricidade, e também no consumo doméstico, registaram-se algumas alterações
que aliviaram, embora insuficientemente, a dependência petrolífera: a entrada
em funcionamento de centrais a carvão (anos 80) e a introdução do gás natural a
partir de 1997, com a sequente construção do terminal metaneiro e armazenamento
subterrâneo. Actualmente, dos 6.013 MW de potência termoeléctrica instalada, o
combustível utilizado reparte-se em partes quase iguais entre fuel/gasóleo, gás
natural e carvão, com o gás a ganhar preponderância nos últimos anos, embora o
carvão apresente os custos de produção mais baixos. Está em curso o
licenciamento de 4 novas centrais eléctricas de ciclo combinado, cada uma com o
seu dono, num total de 3.200 MW, a arrancarem até 2010, cuja totalidade da
produção se destina ao mercado. O objectivo é substituir as actuais centrais a
fuel[6],
criando condições para o estabelecimento dos tão desejados novos promotores e
para o crescimento do negócio do gás. O carvão, único recurso energético fóssil
abundante nos países industrializados, o que mais poderia reduzir a dependência
energética, continua desprezado. Apenas se prevê promover a sua utilização em
2014, aumentando a capacidade de produção da central de Sines em 800 MW, com
recurso a técnicas de sequestro de carbono (carvão limpo). Na estratégia do
governo a questão do nuclear não é sequer referida.
Também não
aparece qualquer referência à possibilidade de instalação de novas refinarias,
matéria há bem pouco tempo objecto de protocolo com promotores interessados.
Pelo contrário, é apontado nos propósitos governamentais o apoio ao aumento de
capacidade produtiva da GALP. A imperiosa necessidade de estudarmos os nossos
recursos petrolíferos pelo menos já surge no discurso, mas ainda sem propostas práticas.
HOs vários governos
nacionais têm reafirmado o empenho em respeitar a Directiva 2001/77/EC, em que
foi estabelecido o compromisso de produzir 39% da energia eléctrica em 2010 com
origem em fontes renováveis endógenas. Os actuais responsáveis avançaram a meta
de 45% de renováveis até 2010, gabando-se de ser a 3ª mais ambiciosa da UE. Convém
ter em conta que Portugal é historicamente um dos países europeus com maior
produção eléctrica a partir de renováveis, valendo essa produção (dados de 2004)
27,9% do total, dos quais 21,9% obtidos nas centrais hídricas e apenas 1,8 % em
geradores eólicos. A gabarolice é despropositada, pois na origem da Directiva
já tínhamos a 3ª meta mais elevada, passando a ser a 4ª quando a Lituânia
aderiu, em 2004. A estratégia consiste em subsidiar os promotores, repercutindo
o sobrecusto na factura apresentada ao consumidor, tornando assim o
investimento muito atractivo, com um retorno financeiro quase imediato.
Muito devido à
pujança do respectivo lóbi, a ênfase tem sido dada à energia eólica, que
arrancou em 2005. Nesse ano e em 2006 instalou-se uma potência de 1.000 MW,
ficando o total em 1.637 MW. Não há discurso em que o Governo não se congratule
da maior taxa de crescimento percentual europeu em 2005 (95%), a qual consistiu
tão-somente em passar do quase nada para alguma coisa. A taxa de crescimento
nacional em 2006 foi de 56%, valor menos impressionante quando comparado com o crescimento
médio no resto da Europa, que também foi acentuado. O sucesso nacional tem sido
tanto que se anunciou já a meta de ter 5.100 MW instalados até 2012.
Aquilo em que
Portugal se destaca historicamente como um dos melhores da UE, esquecido na
"Estratégia" em 2005, é correctamente retomado. A electricidade obtida da
hidraulicidade é a principal energia renovável em Portugal e o potencial a
explorar ainda é muito grande (só utilizamos 46%). Apesar disso fomos dos
países com menos crescimento de capacidade hídrica nos últimos 30 anos, na
sequência de fortes travagens, incluindo as políticas que levaram ao
constrangimento financeiro da EDP. Este Governo anuncia a energia hídrica
também como prioridade, definindo propósitos e metas: até 2010 pretende
duplicar a Central de Alqueva e antecipar os reforços de potência de Picote e
Bemposta, atingindo os 5.575 MW de potência total instalada. Estão também já
apontadas metas para 2015 e 2020, no âmbito do Plano Estratégico Nacional para
a energia hídrica.
No solar
fotovoltáico surgiram e continuam a ser apresentadas propostas de operadores
interessados, pois o país apresenta no contexto Europeu as melhores condições
climatéricas. O governo PSD/CDS abriu a possibilidade de concretizar alguns
desses projectos, ao aumentar para 150 MW o limite autorizado. Com a forte
participação e empenho do Município de Moura, foi lançado o projecto de
Amareleja, o qual, devido a entraves vários, ainda não está em funcionamento[7].
Mais uma vez o que está em causa é a injecção de electricidade na rede a preços
vantajosos para os investidores, sobrecusto suportado pelo consumidor. Nestas condições,
o problema não é encontrar interessados, mas sim travar a proliferação de
projectos, o que de facto tem acontecido.
A central de
Moura é apresentada em boa retórica populista e provinciana como a maior do mundo[8].
Está projectada para injectar 50 MW na rede, a oitava parte de apenas um grupo
gerador termoeléctrico. Mais do que isso vale, no conjunto, a potência
instalada nas incineradoras de resíduos sólidos da Valorsul e da Lipor, que
produzem electricidade a partir do lixo doméstico. É preciso explicar aos
Portugueses, que estamos a falar de pequenos complementos, baseados em fontes
com disponibilidade intermitente, e não de reais alternativas energéticas,
capazes só por si de assegurar qualquer diagrama de carga base. E que a perspectiva
nesta área não é de grande crescimento. Juntando a central de Moura aos 11 MW
da central de Serpa e às centrais já existentes, pouco falta para o tecto de
150 MW até 2010, fixado em 2003.
A vertente da
biomassa ainda está incipiente, Foi lançado concurso para licenciar 15 centrais
dedicadas (100 MW no total). Pouco conta em termos energéticos, mas o projecto
é apresentado como um contributo na óptica de reduzir o risco estrutural de
incêndio, o que pode nunca se concretizar. Caso as centrais fiquem associadas
aos produtores de papel, e a tarifa compense, poderemos ter floresta dedicada a
alimentar as centrais e não aproveitamentos resultantes de limpezas. Anunciou-se
também o projecto de substituir 5 a 10% do carvão utilizado nas centrais de
Sines e do Pego por biomassa e resíduos, até 2010, sem todavia avançar qualquer
caminho concreto.
As ondas serão
chamadas a dar 200 MW de contributo, numa Zona Piloto a criar para exploração
de propostas tecnológicas emergentes. Bem como a micro-geração, incentivando-se
a instalação de 50.000 sistemas até 2010, de diversos tipos de tecnologias
renováveis. Não se pode acusar a estratégia governamental para a produção de
electricidade de pouco diversificada ou imaginativa.
Segundo a
Directiva respectiva, 5,75% de todo o combustível utilizado nos transportes em 2010
deverá ser biocombustível. Após um atraso significativo na transposição da
Directiva o governo decidiu anunciar metas mais ambiciosas, passando para 10% o
peso dos biocombustíveis rodoviários em 2010. A promoção dos biocombustíveis é
apresentada como um bom contributo para a redução da dependência externa do
petróleo, o que deve relativizado: num contexto de aumento de consumo, a
minúscula percentagem de aditivação do combustível não implica que a importação
de petróleo diminua.
Como os
biocombustíveis não são economicamente rentáveis, a totalidade da produção permitida
é apoiada em isenções fiscais. Para 2007, ano de arranque, os interessados
puderam candidatar-se à isenção do ISP até 205.000 toneladas, apenas de biodiesel,
pois não há de momento interessados em produzir substitutos de gasolina. Outro
pretexto para o incentivo é a oportunidade de desenvolvimento industrial e
agrícola. Neste primeiro ano verifica-se que as indústrias compareceram à
chamada, mas apenas a trabalhar com matéria-prima importada.
A promoção dos
biocombustíveis líquidos, produzidos a partir da monocultura intensiva dedicada,
em países com climas e custos de produção propícios, está a suscitar crescentes
reservas por parte de ambientalistas e economistas, pelo que não são de esperar
as maravilhas anunciadas, nomeadamente a solução para a dependência petrolífera
dos transportes rodoviários. Quanto ao biogás apenas existe o propósito de o
promover, não estando ainda definido qualquer plano de acção. A meta foi fixada
nos 100 MW.
Eficiência energética do lado da procura
Estima-se que o
consumo final de energia na União Europeia seja 20% superior ao justificável
com base em considerações puramente económicas. Portugal ocupa a ponta da cauda
no que se refere ao desperdício. A intensidade energética, parâmetro que indica
a eficiência com que a energia é usada para produzir valor acrescentado, tem
melhorado continuadamente no conjunto dos 25 países de UE (dados até 2004), mas
piorado sempre no nosso país. Não acontece estarmos progredir a um ritmo mais
lento que a média dos parceiros, mas sim a divergir aceleradamente.
É na promoção de
eficiência energética e racionalização dos consumos, que este e anteriores
governos têm muito pouco trabalho para apresentar. Factores como a má
organização espacial e funcional do território, mobilidade catastrófica,
construção civil de reduzida qualidade, deveriam constituir o fulcro de uma
acção corajosa e dinâmica, muito mais ambiciosa do que a simples transposição
de Directivas anunciada na "Estratégia" de 2005[9].
Nesse documento, embebido em puro espírito liberal, remete-se para toda a gente
- empresas, consumidores, centros de investigação -, excepto para o próprio Governo,
a responsabilidade de alterar o estado das coisas. As parcas propostas
avançadas daí para cá resultam da dinâmica e compromissos comunitários. Só recentemente
foi admitida a necessidade de desenvolver "um programa de eficiência energética
com ambição", havendo o compromisso de ser apresentado um Plano de Acção para a
Eficiência Energética, para o qual já estão todavia traçadas metas: implementar
medidas de eficiência energética equivalentes a reduzir, até 2015, o
equivalente a 10% do consumo verificado entre 2000 e 2005.
Não se
verificarão as melhorias desejadas endossando a resolução para os mecanismos de
mercado, esperando que os consumidores, sem mais, reduzam voluntariamente os
respectivos gastos energéticos. Nem sequer é esse o espírito que está
subjacente às políticas dos parceiros Europeus. A principal proposta elege como
solução o desenvolvimento de um mercado de serviços energéticos[10]
(como poderia ser de outra forma?), mas simultaneamente admite que as forças
puras de mercado são insuficientes, considerando indispensável a implementação
de programas governamentais. Obriga inclusive os estados a impor objectivos
concretos de poupança, no mínimo de 1% ao ano, com o sector público a dar o
exemplo, poupando anualmente 1,5%. Toma como exemplos de partida programas
lançados por parceiros com iniciativa, entre os quais, naturalmente, Portugal
não se encontra.
Nos últimos anos
registou-se alguma desaceleração no consumo final de energia (o aumento dos
consumos foi mais lento) devido ao disparar dos preços e à retracção económica.
O efeito fez-se sentir sobretudo na indústria. Nos edifícios, o crescimento do
consumo, neste caso de electricidade, continuou significativo. A nova
legislação sobre certificação energética nos edifícios[11]
impõe regulamentos de construção 40% mais exigentes que os anteriores (novo
RSECE e RCCTE). A instalação de painéis solares nas novas construções passou a
ser obrigatória. O Governo anuncia também o aumento do gasóleo de aquecimento,
pelo lado dos desincentivos fiscais, como medida para promover a eficiência
energética.
Na indústria já
vigoravam importantes medidas para impor o aumento da eficiência, nomeadamente
as auditorias energéticas. Curiosamente, mesmo nos documentos mais recentes, o
instrumento em que se aposta, para as empresas intensivas em consumo de energia,
não é o regime das auditorias com planos de melhoria obrigatórios, mas o CELE
(Comércio Europeu de Licenças de Emissão). Quanto às empresas não abrangidas
pelo PNALE (Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissão), são anunciados
incentivos fiscais para os esforços de eficiência energética. A filosofia
subjacente é sempre a mesma: tudo se pode fazer desde que se pague, pois o
ambiente e o futuro energético passaram a estar incluídos na lista de bens de
consumo.
Na UE25,
em média, os transportes representam 26% das emissões de CO2. Dessas
emissões, 84,1% devem-se ao modo rodoviário (dados 2004). Importa analisar com
algum detalhe a evolução deste indicador: enquanto nos restantes sectores o
total de emissões tem crescido pouco ou diminuído, no transporte rodoviário
aumenta continuadamente. Em Portugal, no ano de 2004, os transportes
representaram 36% do consumo final de energia, parâmetro que, apesar do
abrandamento económico e do aumento do preço dos combustíveis, continuou a crescer.
A ausência de medidas de fundo é particularmente sentida nesse sector[12],
o qual devia ser alvo de um plano de acção prioritário, incidindo
primordialmente sobre o modo rodoviário.
As várias
"Estratégias", antigas e recentes, quase nem de raspão tocam no problema do
transporte rodoviário individual, associado ao congestionamento das grandes
urbes as às insuficiências do transporte público. Subentende-se que remeterão a
questão para a esfera do urbanismo, quando ela é sobremaneira determinante em
termos energéticos.
A situação no
transporte público rodoviário, após a pulverização do sector em pequenas
empresas privadas, não favorece a aplicação duma estratégia de melhoria, a qual
todavia é indispensável. Nos principais aglomerados urbanos circulam autocarros
com mais de vinte anos. De tão velhos não obedecem a qualquer Norma Europeia de
emissão de gases de escape.
Os grandes e
positivos investimentos promovidos pelo Estado e outras entidades públicas em
metropolitano e comboios, nem são referidos quando se aborda a problemática de
energia, de tão enviusado anda o raciocínio de quem se debruça sobre estas
matérias. Já as tentativas em curso para promover a reorganização logística do
país merecem, e bem, alguma referência, pois a melhoria da eficiência do
transporte de mercadorias, com maior utilização dos modos ferroviário e
marítimo, tem algum impacto energético.
Conclusão
A questão que se
coloca aos países industrializados presentemente, não é prepararem-se para
responder ao aumento da procura de energia. Tal não faz sentido recorrendo à principal
fonte tradicional, o petróleo, porque são cada vez mais evidentes os sinais do
início do seu esgotamento. Tão-pouco o gás natural se torna opção para o
crescimento, porque a lógica aconselha uma utilização com parcimónia: sendo
também um recurso esgotável, tenderá a tornar-se precioso ao substituir o
petróleo, nomeadamente na propulsão rodoviária. O carvão e o nuclear são as
alternativas que se perfilam para a electricidade, mas relativamente às quais
se levantam reservas, nomeadamente de índole ambiental. O perspectivado em
renováveis servirá, quando muito, para mitigar as necessidades, dificilmente
para crescer.
Assenta no
esgotamento dos recursos a causa primeira para o acentuado aumento dos preços,
o qual subiu de 40 USD por barril em 2004 para mais de 70 USD a dada altura em
2006. As causas complementares são a crescente procura pelas economias
emergentes, nomeadamente a China e a Índia, bem como o clima de incerteza e
especulação criado pelas invasões militares, concretizadas e em plano, nos países
do Médio Oriente, onde se situam dois terços das reservas de petróleo.
Num contexto cada
vez menos "controlado" pelas potências industrializadas e respectivas empresas[13],
os mecanismos de mercado terão menos influência na obtenção da matéria-prima, o
que contraria a anunciada irreversibilidade da globalização económica subjugada
ao modelo liberal.
Toda a elaborada teorização
europeia e nacional sobre a problemática energética, necessita de um novo ponto
de vista, não assente na promoção de oportunidades para a acumulação
capitalista, ou em evitar eventuais alterações climáticas, mas sim na
preparação da sociedade para o fim da energia disponível e barata. Nessa
perspectiva, a prioridade absoluta deve ser dada à redução de consumos, a qual
passa, entre outras medidas a carecer ainda de reflexão aprofundada, pelo
aumento da eficiência.
A implementação
de tais medidas, com determinação correspondente à mudança que se impõe, pode
exigir o "manuseamento" de ferramentas poderosas, ou seja, do efectivo controlo
das principais empresas integrantes dos sistemas energéticos. Existem recursos,
produtos e serviços que, por serem vitais e estratégicos, condicionam a
viabilidade da própria sociedade, pelo que esta não pode abdicar de os
controlar. A produção, fornecimento e utilização da energia, sob todas as suas
formas, estão claramente nesse âmbito.
[1] O actual Governo enquadrou a
temática no documento "Estratégia nacional para a energia", Publicada em Diário
da República a 24-10-2005, como Anexo à Resolução de Conselho de Ministros n.º
169/2005
[2] Contratos de Aquisição de Energia,
celebrados entre os produtores e a Rede Eléctrica Nacional, para fornecimento
de energia a longo prazo. Foram criados para apoiar as explorações privadas da
Tapada do Outeiro e Pego e depois estendidos à produção da EDP
[3] Prevê-se que parte do
financiamento resulte da EDP pagar uma concessão pela utilização das bacias
hidrográficas
[4] Num contexto de mercado liberalizado,
o regime de "preço livre", para os principais produtos petrolíferos vendidos a
retalho, funciona desde Dezembro 2003
[5] A estratégia ambiental para
redução de gases poluentes (SO2, NOx, NH3, e COV's) foi
aprovada em Dezembro 2002, sob a designação "Programa Nacional sobre Tectos de
Emissões" (estratégia de implementação da Directiva 2001/81/CE)
[6] Menos eficientes que as centrais a
gás natural de ciclo combinado
[7] Houve inclusive a necessidade, para o tornar viável,
de vender a quase totalidade do capital a investidores espanhóis
[8] Talvez nunca o venha a ser, pois
quando funcionar em pleno existirão outros projectos; nem é essa uma questão
com especial interesse, pois o indicador energético a considerar só poderá ser
a capacidade total de produção fotovoltáica instalada.
[9] Transposição das Directivas sobre
a eficiência energética dos edifícios e da co-geração, revisão do Regulamento
de Gestão do Consumo de Energia, aplicação de regras de etiquetagem de
equipamentos
[10] Directiva relativa à eficiência na
utilização final de energia e aos serviços energéticos
[11] Dec. Lei n.º 78/2006 - Transposição das Directivas
sobre a eficiência energética dos edifícios
[12]
A única medida referida pelo Governo é a alteração no Imposto Automóvel, para
reflectir tão-somente as emissões de CO2
[13] Os gigantes do sector petrolífero
têm hoje acesso apenas a 16% das reservas na sequência das nacionalizações que
se verificam ultimamente um pouco por todo o mundo
|