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Projecto de Lei nº 119/VIII
Estabelece o regime de mera ordenação social aplicável ao consumo de drogas
Situação do Projecto de Lei

Preâmbulo

O presente Projecto de Lei do Grupo Parlamentar do PCP completa logicamente a iniciativa legislativa apresentada na mesma data que altera a "lei da droga" por forma a despenalizar o simples consumo, remetendo-o para um regime especifico de mera ordenação social. Trata-se agora de definir esse regime.

Com esta iniciativa, o PCP dá cumprimento a um dos pontos constantes do seu Programa Eleitoral que, a respeito da luta contra a droga, incluía:

- A consideração no quadro legal que o toxicodependente é um doente, que não deve ser criminalizado, e que por isso se justifica a despenalização do consumo de droga. Continua no entanto a considerar-se que, fora do âmbito penal, a legislação deve estabelecer normas que apontem para a defesa do bem que é a saúde dos indivíduos e que alertem para o desvalor que constitui a dependência das drogas. Considera-se que o Estado não deve desresponsabilizar-se, e que a entidade que vier a estabelecer o contacto com os consumidores deve ter um papel de ajuda, encaminhamento e acompanhamento de acordo com cada situação pessoal.

Este ponto do Programa Eleitoral do PCP sintetiza exemplarmente o propósito do presente Projecto de Lei. A par da despenalização da droga (considerada pelo PCP como uma das medidas urgentes a tomar na presente Legislatura) trata-se de encontrar um regime legal que, respeitando as Resoluções das Nações Unidas sobre a matéria, opte por uma via não repressiva, com o objectivo de dissuadir do consumo de drogas e sobretudo de encaminhar os toxicodependentes para soluções de tratamento e reinserção social.

Por isso se exclui de igual modo a aplicação de coimas como sanção pelo consumo de drogas. Apesar da aplicação de coimas constituir o paradigma do regime do ilícito de mera ordenação social, entende o PCP que, no caso concreto do consumo de droga, tal sanção se afigura destituída de qualquer sentido, pelo que se propõem outras normas, porventura atípicas, mas mais adequadas ao bem que se procura salvaguardar.

Torna-se evidente que a presente iniciativa legislativa pressupõe a existência de meios condignos e acessíveis de tratamento e reinserção social de toxicodependentes. Pouco sentido fará que o legislador deposite justas expectativas nas possibilidades de tratamento e reinserção e depois o Estado não cuide de assegurar os meios que tornem esse tratamento possível e acessível. Assim, o PCP, que apresenta igualmente na Assembleia da República um Projecto de Lei de alargamento da rede pública de serviços de atendimento e tratamento de toxicodependentes, com o objectivo de criar melhores condições para dar concretização aos propósitos inscritos na presente iniciativa.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
(Consumo)

1 - O consumo ou a aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, constitui contra-ordenação, a que corresponde como sanção, quando se trate de primeira infracção, ou nos casos de menor gravidade, simples advertência.

Artigo 2º
(Advertência)

1 - A advertência consiste numa censura oral dirigida a quem praticar actos previstos no artigo 1º, pela quebra de responsabilidade perante si próprio e perante os outros em que se traduz a sua conduta.

2 - A advertência é acompanhada de uma chamada de atenção para as consequências perniciosas do consumo de drogas e de aconselhamento no sentido da aceitação do tratamento que se revele necessário.

Artigo 3º
(Outras sanções)

1 - Quando não se trate de primeira infracção ou de caso de menor gravidade, a conduta descrita no artigo 1º é punível, simultaneamente com a advertência, com as seguintes sanções, a determinar como se estabelece no artigo seguinte:

a) Perda de objectos;
b) Privação da gestão de subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos, que será confiada à entidade que conduz o processo ou àquela que acompanha o processo de tratamento quando aceite;
c) Limitação da frequência de determinados locais de risco;
d) Inibição de conduzir.

2 - As sanções previstas nas alíneas b) e seguintes do número anterior terão a duração máxima de um ano contado a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.

3 - A sanção da alínea d) do n.º 1 terá a duração mínima de um mês.

Artigo 4º
(Determinação das sanções)

A determinação da sanção ou sanções e da sua duração, é feita em função da gravidade da contra-ordenação, tendo em conta, nomeadamente, a quantidade de plantas, substâncias ou preparações detida ou adquirida, e da culpa.

Artigo 5º
(Perda de objectos)

A perda de objectos só é permitida quando:

a) Ao tempo da decisão eles pertençam ao próprio;
b) Representem um perigo para a comunidade ou favoreçam a prática de um crime ou de outra contra-ordenação.

Artigo 6º
(Dispensa de sanção; não procedimento)

Nos casos menos graves do n.º 1 do artigo 3º, se se tratar de consumidor ocasional, pode ser dispensado das sanções aí previstas, podendo mesmo optar-se pelo não procedimento.

Artigo 7º
(Suspensão da execução)

1 - Se o consumidor toxicodependente aceitar submeter-se a tratamento de desintoxicação, é decretada a suspensão, com regime de prova, da execução das sanções previstas no n.º 1 do artigo 3º que tenham sido aplicadas.

2 - O regime de prova assenta num plano individual de readaptação social, preparado e acompanhado pelos serviços de saúde.

3 - O período de suspensão é fixado em harmonia com o tempo de tratamento previsível, não excedente a dois anos.

4 - No caso de suspensão da sanção de perda de objectos, mantém-se pelo tempo da suspensão a apreensão dos objectos cuja perda foi decretada.

5 - Pode ser imposto ao toxicodependente em tratamento ambulatório, pelo tempo de duração da suspensão, o cumprimento de regras de conduta destinadas a potenciar a eficácia do tratamento e a facilitar a sua readaptação social.

Artigo 8º
(Tratamento)

Ao consumidor toxicodependente será propiciada a desintoxicação, com internamento em comunidade terapêutica, quando necessário.

Artigo 9º
(Apresentação)

Quem praticar algum dos actos previstos no artigo 1º é apresentado no serviço do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência competente para a instauração e condução do processo pela contra-ordenação e no serviço de saúde que irá prestar o tratamento, quando couber e for aceite.

Artigo 10º
(Efeitos da perda de objectos)

O trânsito em julgado da decisão que decretou a perda de objectos nos termos do artigo 5º determina a transferência da respectiva propriedade para o Estado.

Artigo 11º
(Prescrição)

1 - O procedimento pela contra-ordenação extingue-se por prescrição logo que tenha decorrido um ano sobre a prática do facto.

2 - A prescrição interrompe-se com a comunicação ao autor dos actos previstos no artigo 1º de decisões ou medidas que lhe digam respeito, com a realização de qualquer diligência de prova, ou com qualquer declaração do autor no exercício do direito de audição.

Artigo 12º
(Regulamentação)

Compete ao Governo regulamentar a presente lei no prazo de 120 dias a contar da sua entrada em vigor.

Artigo 13º
(Disposição transitória)

Enquanto não estiverem implementadas as estruturas previstas na presente lei o Governo providenciará no sentido da adopção de soluções transitórias que permitam a sua aplicação imediata.

Assembleia da República, em 1de Março de 2000
Os Deputados