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Projecto de Lei nº 595/VII
Previne a prática de discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica




(Preâmbulo)

A Constituição da República, nomeadamente nos seus artigos 13º e 15º, consagra os limites para além dos quais, o condicionamento de acesso a um direito por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, se traduz numa discriminação inconstitucional.

No entanto, a prática de discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na ração, cor, nacionalidade ou origem étnica, vulgarmente mencionada como "discriminação racial", é apenas explicitamente prevista e punida na legislação portuguesa, através do Código Penal, para um conjunto limitado dos fenómenos em que se manifesta.

Verifica-se assim que um vasto leque de práticas discriminatórias infelizmente comuns nos dias de hoje, por não merecerem qualquer previsão explicita na legislação ordinária, permanecem impunes, tornando muitas vezes ineficazes as garantias constitucionais dos cidadãos.

Daí que o primeiro objectivo do presente projecto de lei seja precisamente tipificar e prevenir um conjunto de práticas discriminatórias, no emprego e no acesso ao emprego, no acesso à saúde, à habitação, à educação, na prestação de bens ou serviços, no exercício de actividades económicas, no funcionamento da Administração Pública.

Não restam, no entanto, quaisquer dúvidas, de que o combate eficaz à discriminação racial não depende unicamente da sua mais explicita condenação jurídica. Daí a proposta de criação de um Observatório, que visa exactamente dotar o Estado Português de um instrumento que recolha informação sobre a situação no plano nacional, desde a aplicação da legislação existente às queixas apresentadas pela sua violação, que centralize, trabalhe e encaminhe propostas e sugestões para uma mais eficaz acção de combate à discriminação racial, a todos os níveis, e que seja participado pelos agentes mais empenhados nessa luta.

Por último, importa referir que o presente projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, teve em conta propostas apresentadas por diversas associações anti-racistas e de defesa dos direitos dos imigrantes, e que a sua apresentação pretende acima de tudo, e desde já, suscitar um amplo debate que não pode deixar de contar com a sua participação.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam os seguinte projecto de lei:

Artigo 1º
(Objecto)

A presente lei tem por objecto prevenir a discriminação racial sob todas as suas formas e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, ou culturais, por quaisquer cidadãos, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.

Artigo 2º
(Âmbito)

Todas as pessoas singulares e todas as pessoas colectivas, públicas ou privadas, estão vinculadas à aplicação da presente lei e sujeitas à aplicação das sanções nela previstas.

Artigo 3º
(Discriminação)

1 - Para os efeitos da presente lei, entende-se por discriminação, qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em função da raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.

2 - O disposto no número anterior não abrange as disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nele referidos.

3 - O disposto no número 1 não prejudica o exclusivo do exercício de certos direitos por cidadãos nacionais, nos casos previstos na Constituição.

Artigo 4º
(Práticas discriminatórias)

1 - Entende-se como prática discriminatória para os efeitos da presente lei:

a) A atitude de toda a entidade patronal que, directamente ou através de instruções dadas aos seus empregados ou a agências de emprego, subordinar a oferta de emprego, a cessação de contrato ou a recusa de contratação, a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
b) A atitude de toda a entidade patronal que, no âmbito da relação laboral, discrimine algum dos trabalhadores ao seu serviço, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
c).A recusa de fornecimento de bens ou serviços por parte de quem forneça ao público, ainda que a título ocasional, um serviço ou bem ou a fruição deste, a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
d) O impedimento ou condicionamento, por acção ou por omissão, do exercício normal de uma actividade económica, a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
e) A recusa ou condicionamento, de venda, arrendamento ou subarrendamento, de imóveis a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
f) A recusa de acesso a locais públicos ou abertos ao público a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
g) A recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde, por parte de estabelecimentos de saúde públicos ou privados, a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
h) A negação, condicionamento ou limitação da admissão de alguém, por parte de estabelecimento de ensino público ou privado, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna, por parte de estabelecimento de ensino público ou privado, segundo critérios de pertença dos alunos a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 3º.
j) A atitude de qualquer órgão, funcionário ou agente da Administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que recuse, condicione ou limite o exercício de qualquer direito a alguém, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
k) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada na pertença a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
l) Qualquer acto em que, publicamente ou com intenção de divulgação ampla, qualquer pessoa singular ou colectiva faça uma declaração ou transmita uma informação por meio da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivo da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.

Artigo 5º
(Regime sancionatório)

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no artigo anterior por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 1 e 5 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.

2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no artigo anterior por pessoa colectiva de direito privado constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 2 e 10 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.

3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

4 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no artigo anterior por órgão, funcionário ou agente da Administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, confere ao lesado o direito a recorrer aos meios de tutela jurisdicional efectiva previstos na Constituição e na lei, tendo em vista designadamente o reconhecimento dos seus direitos, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

Artigo 6º
(Observatório)

1 - A aplicação da presente lei será acompanhada por um Observatório da discriminação racial, a criar junto do Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas.

2 - Compete especialmente ao Observatório referido no número anterior:

a) Aprovar o seu regulamento interno.
b) Recolher junto das entidades competentes toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções.
c) Recomendar a adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir a prática de discriminações por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
d) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a problemática da discriminação racial.
e) Elaborar e publicitar um relatório anual de actividades.

Artigo 7º
(Composição)

O Observatório previsto na presente lei é constituído pelas seguintes entidades:

a) O Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, que preside;
b) Dois representantes do Governo, a designar pelo Ministério do Emprego, Solidariedade e Segurança Social e pelo Ministério da Educação.
c) Três representantes das associações de imigrantes.
d) Três representantes das associações anti-racistas.
e) Um representante de cada uma das centrais sindicais.
f) Três personalidades a designar pelos restantes membros, tendo em conta a sua especial qualificação para integrar o Observatório.

Artigo 8º
(Funcionamento)

1 - Compete ao Governo, através do Gabinete do Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, dotar o Observatório com os meios necessários ao seu funcionamento.

2 - O Observatório dispõe de uma comissão permanente, composta pelo presidente e por dois membros eleitos pelos restantes.

3 - O Observatório reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocado pelo presidente, ouvida a comissão permanente.

Artigo 9º
(Regulamentação)

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição do Observatório referido no artigo anterior e definir as entidades administrativas competentes para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no artigo 4º, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Assembleia da República, em 16 de Dezembro de 1998