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Projecto de Lei nº 329/VII
Altera a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo)


(Preâmbulo)

A presente iniciativa legislativa do PCP de alteração da lei nº 46/86 de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo) carece de uma explicitação do contexto e das condições que determinam o seu surgimento.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) é o documento legislativo fundamental, concretizador dos princípios, valores e orientações de política educativa democrática consagrados na Constituição.

A sua discussão decorreu há cerca de uma década e envolveu todos os protagonistas da área educativa e da opinião pública em geral, culminando a sua aprovação com o estabelecimento de um consenso político muito alargado alcançado na Assembleia da República.

É por isso particularmente negativo que o Governo, sem qualquer debate prévio e sem qualquer avaliação séria e de conjunto da Lei de Bases do Sistema Educativo, tenha enviado à Assembleia da República uma proposta de lei com o objectivo de precipitar alterações muito pontuais do diploma, embora com profundas implicações. Como negativo é o facto de ter permanecido insensível à reclamação para que retirasse a sua proposta de modo a repor condições favoráveis para um alargado debate nacional em torno desse diploma fundamental, propiciador da ponderação de alterações numa perspectiva consensual.

Em relação ao teor das alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo propostas pelo Governo o PCP discorda quer das relativas ao acesso ao ensino superior, propiciadoras de uma agravada elitização desse grau de ensino, quer das respeitantes ao sistema de graus académicos e da formação inicial de professores, desligadas dos requisitos de financiamento, de estrutura curricular e de duração dos cursos, de qualificação científica e pedagógica do corpo docente. E é particularmente crítico em relação ao facto do governo ter fomentado divisões artificiais entre universidades e politécnicos e persistir numa linha de separação rígida do ensino superior em duas "classes", dotadas de recursos humanos e materiais de níveis muito diferenciados, funcionando o ensino universitário como de primeira e o ensino politécnico como de segunda. Separação que, sem prejuízo da indispensável diversificação do ensino superior, os principais países têm abandonado ou estão a abandonar e que é crescentemente indefensável quer do ponto de vista educativo quer social.

O PCP considera que na actual Lei de Bases do Sistema Educativo e muito para alem dos pontos que figuram na iniciativa governamental, há várias grandes questões que justificariam um exame e um debate aprofundados, como é o caso da educação pré-escolar, do ensino secundário e da administração do sistema educativo.

O PCP reconhece que o próximo debate parlamentar, porque vai decorrer numa situação em que esteve ausente a discussão pública do conjunto da Lei de Bases do Sistema Educativo, não torna possível alargar o âmbito das suas propostas muito para alem das que conformam a iniciativa governamental.

Por isso e simultaneamente para poder dar visibilidade aos seus pontos de vista políticos, entende limitar a presente iniciativa legislativa à parte da educação pré-escolar com base no recente debate público e parlamentar que teve lugar nessa matéria; ao ensino superior, nomeadamente para sustentar a indispensável evolução para um sistema único nesse nível de ensino e o estabelecimento de um grau único de formação inicial superior - a licenciatura; e ao artigo referente à formação inicial de educadores e professores.

Artigo Único

1 - É eliminado o artigo 14º da lei nº 46/86, de 14 de Outubro.

2 - Os artigos 5º, 11º, 12º, 13º, e 31º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 5º

(Educação Pré-escolar)

1 - São objectivos da educação Pré-escolar

a) Promover o desenvolvimento pessoal e social da criança.

b) Fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito pela pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel como membro da sociedade.

c) Contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem.

d) Estimular o desenvolvimento global de cada criança, no respeito pelas suas características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diversificadas.

e) Desenvolver a expressão e a comunicação através da utilização de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo.

f) Despertar a curiosidade.

g) Proporcionar a cada criança condições de bem estar e de segurança, designadamente no âmbito da saúde individual e colectiva.

h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades, promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança.

i) Incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade.

2 - A educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário.

3 - A educação pré-escolar destina-se às crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico e é ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar.

4 - Incumbe ao Estado:

a) Criar uma rede pública de educação pré-escolar que cubra as necessidades de toda a população, tendo como objectivo garantir a universalidade da frequência da educação pré-escolar pelas crianças entre os 5 e os 6 anos de idade e a possibilidade de frequência por todas as crianças entre os 3 e os 5 anos.

b) Definir as normas gerais da educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspectos organizativo, pedagógico e técnico, e assegurar o seu efectivo cumprimento e aplicação, designadamente através do acompanhamento, da avaliação e da fiscalização;

c) Prestar apoio especial às zonas carenciadas.

d) Planear e promover a formação inicial dos educadores de infância e do pessoal técnico de apoio, bem como garantir a respectiva formação contínua.

5 - A frequência da rede pública da educação pré-escolar é gratuita.

6 - Os princípios constantes do presente artigo são desenvolvidos através de uma Lei Quadro da Educação Pré-escolar.

Ensino Superior

Artigo 11º

(âmbito, objectivos, autonomia)

1 - O ensino superior, constituído por universidades, institutos politécnicos e outras escolas superiores, estrutura-se num sistema único que compreende diferenciadas soluções organizativas, conteúdos científicos, modelos pedagógicos e modalidades de formação, no respeito por regras gerais que assegurem a qualificação profissional e a comparabilidade académica a nível nacional e internacional.

2 - A metodologia e as condições de transição do sistema binário para o sistema único de ensino superior são definidas através de lei especial.

3 - O sistema de ensino superior público é territorializado, com funcionamento em rede de base regional destinada a promover processos de cooperação e de complementaridade entre instituições, sem prejuízo de articulações de âmbito geral ou entre escolas de natureza idêntica.

4 - São objectivos do ensino superior:

a) Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

  1. Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em sectores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade portuguesa, e colaborar na sua formação contínua;
  2. Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver entendimento do homem e do meio em que vive;
  3. Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem património da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
  4. Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
  5. Estimular o conhecimento dos problemas do mundo de hoje, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
  6. Continuar a formação cultural e profissional dos cidadãos pela promoção de formas adequadas de extensão cultural.

5 - Os estabelecimentos de ensino superior gozam, por imperativo constitucional e nos termos da lei, de ampla autonomia.

Artigo 12º

(Acesso)

1 - Têm acesso ao ensino superior:

  1. Os indivíduos habilitados com um curso secundário, ou equivalente que, cumulativamente, façam prova de capacidade para a sua frequência;
  2. Os indivíduos maiores de 25 anos que, não possuindo aquela habilitação, façam prova especialmente adequada de capacidade para a sua frequência.

2 - A prova ou provas de capacidade referidas no número anterior são de âmbito nacional e específicas para cada curso ou grupo de cursos afins.

3 - O Estado deve assegurar a eliminação de restrições quantitativas de carácter global no acesso ao ensino superior (numerus clausus) e criar as condições para que os cursos existentes e a criar correspondam globalmente às necessidades em quadros qualificados, às inspirações individuais, e à elevação do nível educativo, cultural e científico do país, e para que seja garantida a qualidade do ensino ministrado.

4 - O Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de vantagens sociais prévias.

Artigo 13º

(Graus e diplomas)

1 - O ensino superior confere um único grau de formação inicial de nível superior, a licenciatura, com duração normal compreendida entre 4 e 6 anos, consoante os objectivos da formação e o domínio do saber.

2 - A frequência dos cursos de formação inicial de nível superior, na rede pública, está isenta do pagamento de taxas ou propinas de matrícula ou de inscrição.

3 - Aos licenciados podem ser conferidos, através de formação específica, os graus de mestre e de doutor.

4 - O Governo regula através de Decretos-lei, ouvidos os estabelecimentos de ensino superior, as condições de atribuição dos graus académicos, nomeadamente quanto à qualificação do corpo docente, equipamentos e instalações, por forma a garantir, em cada domínio do saber, o nível científico e a relevância profissional da formação adquirida.

5 - Por forma a satisfazer propósitos de formação permanente os estabelecimentos de ensino superior podem organizar cursos não conducentes à obtenção de um grau académico e cuja conclusão com aproveitamento conduz à atribuição de um diploma.

6 - A mobilidade entre estabelecimentos de ensino superior é assegurada com base no princípio do reconhecimento mútuo da formação adquirida e da coerência e avaliação do sistema.

Artigo 31º

(Formação inicial de educadores de infância

e de professores dos ensinos básico e secundário)

1 - Os educadores de infância e os professores dos ensinos básico e secundário adquirem a qualificação profissional através da aprovação em cursos superiores que conferem o grau de licenciatura, organizados de acordo com as necessidades do desempenho profissional no respectivo nível de educação e ensino.

2 - O Governo define por Decreto-Lei os perfis de competência e de formação de educadores e professores para ingresso na carreira docente.

3 - A qualificação profissional de professores dos ensinos básico e secundário pode ainda adquirir-se através de cursos de formação inicial que assegurem a formação técnica, artística ou científica na área de docência respectiva, complementados por formação pedagógica adequada.

Assembleia da República, 29 de Abril de 1997