Partido Comunista Português
Constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para apreciação dos actos do Governo referentes à reestruturação do sector energético português e, nomeadamente, da sua intervenção nas alterações do capital social da Galp e da EDP
Intervenção de Honório Novo
Quinta, 26 Janeiro 2006

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

A intervenção do Governo numa nova reestruturação do sector energético português e nas alterações dos titulares do capital social da Galp e da EDP e, ainda, o apoio à instalação, por capitais privados, de uma nova refinaria em Sines causaram as maiores preocupações, dúvidas e perplexidades.

Os factos tornados públicos evidenciam: primeiro, sérias ameaças aos interesses nacionais, postos em causa num sector estratégico para o País; segundo, uma inaceitável promiscuidade entre interesses públicos e privados; terceiro, uma total falta de transparência de processos; quarto, evidentes atropelos à legalidade e legitimidade de um Estado de direito; quinto, a inaceitável ausência de informação clara e suficiente à Assembleia da República e ao País.

Entretanto, as audições do Sr. Ministro da Economia, Manuel Pinho, não responderam nem esclareceram, antes avolumaram, as nossas preocupações e dúvidas.

O Sr. Ministro não esclareceu questões como: as mais-valias de conhecimento e experiência no sector petrolífero que o Grupo Amorim transporta para o núcleo accionista da Galp; as garantias dadas por este grupo de permanência e segurança na defesa dos centros de decisão da Galp; os compromissos assumidos com a Iberdrola, nomeadamente na cedência da posição na Galp pelo reforço das posições na EDP; os compromissos assumidos com a Eni, em troca da abdicação por esta de direitos entretanto detidos; as razões que explicam as alterações na estrutura de direcção da EDP; as razões que explicam o pedido do Governo português ao BCP para este grupo financeiro mediar as alterações referidas; o ser, ou não, possível à Iberdrola assumir um lugar no futuro conselho superior da EDP e se tal está apenas, ou não, dependente da vontade e estratégia da própria empresa espanhola; as garantias que existem de que o centro de decisão da EDP permanecerá em mãos nacionais; que condições ofereceu o Governo português a Monteiro de Barros para uma nova refinaria em Sines, designadamente se está acautelado o futuro das actuais refinarias de Matosinhos e de Sines e que estudos financeiros, técnicos, ambientais e outros foram feitos para justificar os fortes apoios do Estado português.

O Sr. Ministro também não disse uma palavra, nas audições referidas, sobre a possível violação de normas éticas de objectiva separação de interesses públicos e privados; como acautelou o Governo que o núcleo central e determinante de propriedade, gestão e decisão do sector energético português seja nacional, agora e no futuro; e como assegura o Governo a coerência entre os objectivos de uma estratégia para o sector energético que responda aos défices e estrangulamentos existentes e o processo em curso que colocará todas as orientações de direcção estratégica do sector sob o comando da lógica de maximização dos lucros dos grupos privados nacionais e estrangeiros envolvidos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

O Sr. Ministro da Economia, questionado sobre a documentação que terá assinado ou firmado em nome destes processos, disse apenas esta coisa espantosa: «Papéis, não há

nem tem de haver!» Manuel Pinho dixit, esquecendo que, no acordo parassocial da própria Galp, o Governo é parte interessada.

Notícias recentes não deixaram de acrescentar perplexidades e dúvidas, como, por exemplo, as declarações do Presidente da Iberdrola em Portugal, simultaneamente Deputado da maioria socialista que suporta o Governo, identificando comportamento ético com o cumprimento da lei, ou, então, espante-se, mais recentemente, no dia 23 de Janeiro, as notícias de que os representantes dos accionistas da Galp — os italianos da Eni, o Grupo Amorim e o Estado português — se reuniram em Itália, na sexta-feira, dia 20 de Janeiro, para discutir o plano estratégico da empresa Galp!

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

O número de interrogações sem resposta é imenso. As preocupações, as dúvidas, levantadas pelo Grupo Parlamentar do PCP são partilhadas por muitos. Não apenas para frustrar a previsão de um conhecido articulista que, recentemente, dizia que a Assembleia da República já devia ter discutido e esclarecido este processo mas que ele não acreditava que algum dia o fizesse, não apenas para isso, mas porque o povo português tem o direito a conhecer com rigor e clareza toda a trama do processo de negociações e verificar se houve, ou não, prejuízos para o interesse público e para o Estado; porque a Assembleia da República tem não só o direito mas o dever e a obrigação, como legítima representante do povo, de apreciar os actos do Governo; ou porque, muito simplesmente, Srs. Deputados do Partido Socialista, quem não deve não teme certamente, o Grupo Parlamentar do PCP julga que o seu projecto de resolução para a criação de uma comissão de inquérito para apreciação dos actos do Governo referentes à reestruturação do sector energético português e, nomeadamente, da intervenção do Governo nas alterações do capital social da Galp e da EDP, deve ser aprovado e, para isso, contamos com o apoio, unânime, se possível, desta Câmara. Vamos ver!