Partido Comunista Português
Regime jurídico do divórcio - Intervenção de António Filipe -na AR
Quinta, 27 Março 2008
 

Regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges  

 

 

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Vamos retomar este debate sensivelmente no ponto em que o deixámos há 10 meses atrás, quando o Bloco de Esquerda trouxe aqui, a esta Assembleia, uma iniciativa legislativa visando consagrar o divórcio a pedido de um dos cônjuges.

E começo pela posição que o PCP tomou nessa altura, para dizer que consideramos que essa ideia deve ser, de facto, considerada, tem toda a pertinência - aliás, o direito comparado demonstra-o -, mas dissemos na altura que o projecto de lei que o Bloco de Esquerda aqui apresentou continha, do nosso ponto de vista, diversas fragilidades e demarcámo-nos dele anotando precisamente algumas dessas fragilidades. Portanto, manifestámos uma posição de princípio favorável, mas entendemos que a iniciativa legislativa careceria de melhor aperfeiçoamento. É essa a posição que mantemos.

De facto, este projecto de lei do Bloco de Esquerda resolveu as principais objecções que na altura colocámos, desde logo a primeira, que era o facto de haver uma atribuição de competências, do nosso ponto de vista exorbitante, aos conservadores do registo, quando entendíamos que havia matérias cuja importância exigia uma intervenção judicial. Havia decisões relativas a eventuais pensões de alimentos, à casa de morada de família e a outros aspectos relacionados, designadamente, com a regulação do poder paternal que não poderiam dispensar uma decisão judicial.

Registamos que, de facto, o Bloco de Esquerda corrigiu esse aspecto e a iniciativa legislativa que agora nos apresenta é, de facto, judicializada. Nós registamos isso e retiraremos daí, obviamente, as devidas consequências.

Referindo-me, agora, a cada uma das duas iniciativas legislativas que temos em presença, diria que, relativamente ao projecto de lei n.º 486/X, não existe qualquer objecção da nossa parte. A iniciativa diz respeito à alteração do prazo de separação de facto para efeitos de obtenção do divórcio e nós concordamos com a proposta que o Bloco de Esquerda aqui traz de redução dos prazos.

Já no que diz respeito ao projecto de lei n.º 485/X, esse, sim, tem outra complexidade e, por isso, carece de uma abordagem mais detalhada.

Do nosso ponto de vista, registamos positivamente que se trate de um processo judicializado. Não faria sentido que os conservadores do registo fizessem tentativas de conciliação, como os juízes fazem, nos termos no Código Civil. Como disse há pouco, há decisões que devem ser judicializadas.

Agora, há aqui aspectos que devem ser objecto de debate aqui e, obviamente, se o projecto de lei for aprovado, na especialidade, alguns dos quais gostaria de colocar aqui para reflexão.

O primeiro é de ordem conceptual. Quer parecer-nos que, em relação a este projecto de lei do Bloco de Esquerda, não estamos tanto perante uma terceira modalidade de divórcio, além do divórcio por mútuo consentimento e do divórcio litigioso, mas mais perante uma subespécie do divórcio litigioso, o que não é um mal.

A questão é esta: na nossa ordem jurídica, temos um divórcio por mútuo consentimento, quando os cônjuges estão de acordo, no essencial, quanto ao divórcio e quanto à regulação de aspectos essenciais que têm de ser regulados, e, então, aí a intervenção judicial é mínima, e temos uma outra modalidade, que é quando um dos cônjuges não se quer divorciar e o nosso Código Civil assenta, até agora, essa possibilidade de divórcio numa violação culposa de deveres conjugais.

Aquilo que o Bloco de Esquerda agora nos vem dizer é que não tem de ser assim, e nós concordamos que não tem de ser assim. Pelo facto de ser um divórcio em que há a vontade de um dos cônjuges contra a vontade do outro - não, necessariamente, contra o outro - não quer dizer que eles tenham de se confrontar com um litígio insuperável, porém, há, de facto, a vontade de um contra a vontade do outro. Podemos retirar a carga pejorativa, se quisermos, que tem a ideia de divórcio de litigioso, mas que há um litígio, há e, portanto, estamos mais perante uma subespécie do divórcio litigioso.

Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma questão resolúvel, porque se trata de um problema mais conceptual, como eu disse há pouco.

Porém, há alguns aspectos do projecto de lei do Bloco de Esquerda sobre os quais valia a pena reflectir.

A forma como regulam processualmente este divórcio pressupõe que haja uma série de pontos que estejam resolvidos entre os cônjuges. O requerimento inicial proposto prevê, inclusivamente, que a regulação do exercício do poder paternal esteja feita ou que haja acordo sobre ela, prevê que haja um requerimento relativo a alimentos. Ou seja, há uma série de aspectos que se já estiverem resolvidos a ideia que nos dá é que o divórcio far-se-á por mútuo consentimento. E, portanto, não nos parece muito praticável que um casal que já tenha regulado o poder paternal dos seus filhos ainda tenha de fazer um divórcio contra a vontade do outro, não nos parece curial.

Mas a questão que, para nós, é talvez a mais importante e que careceria de uma reflexão mais profunda tem que ver com o ónus de quem requer o divórcio.

O Bloco de Esquerda tenta fazer aqui uma aproximação, diz que ninguém pode ser beneficiado com isso, ou seja, que não pode ter um regime mais favorável do que aquele que decorra do casamento por comunhão de adquiridos. É uma aproximação mas, do nosso ponto de vista, não é uma aproximação total, porque o que nos interessa salvaguardar é que haja uma decisão final justa. Isto é, achamos que ninguém deve estar casado contra sua vontade e que deve ter uma forma de, ainda que o outro cônjuge o não queira, impor a dissolução do casamento sem que haja uma violação culposa de deveres conjugais. Porém, tem de haver uma solução final justa - é isto que nos norteia - e não entendemos que alguém possa requerer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge e ser beneficiado com isso ou deixar o outro cônjuge numa situação muito difícil.

Isto acontece no caso de dependência económica. E aí acho que há uma disposição que não resolve tudo, quando o Bloco de Esquerda reconhece que pode haver uma situação de dependência económica que seja em benefício do casal. Mas eu diria, «não necessariamente». Imaginemos um caso em que um dos cônjuges está numa situação de desemprego involuntário, por exemplo, em que um cônjuge tem emprego e o outro não tem. Caso o que tem emprego requeira o divórcio contra o outro, se não se encontrar uma solução, que creio não estar prevista nos melhores termos no projecto de lei, colocamos um dos cônjuges numa situação absolutamente insustentável.

Como é óbvio, não era isso o que o Bloco de Esquerda pretenderia, mas creio que essa situação tem de ser salvaguardada. E, do nosso ponto de vista, não está inteiramente salvaguardada neste projecto de lei, na medida em que se tutela, de facto, a situação de dependência económica mas se essa dependência tiver resultado da sua colaboração para a vida e economia comum do casal. Ora, do nosso ponto de vista isto não chega, porque essa situação de dependência económica pode não ser voluntária, pode não ser assumida por ambos.

Portanto, dever-se-ia encontrar aqui uma forma de salvaguardar que quem requer o divórcio contra a vontade do outro cônjuge tenha de assumir esse ónus. Assim, não pode ser beneficiado por isso, obviamente, mas também não se pode criar uma solução em que o outro cônjuge fique numa situação insustentável sem poder reagir contra ela. Portanto, é na procura dessa solução justa que nos norteamos.

Já agora, quero referir que também discordamos de uma norma prevista no projecto de lei, quando se diz que o cônjuge que requer o divórcio pode pedir alimentos. Isto poderá ser muito discutível, mas entendemos que deve ser discutido.

Há dois cônjuges que têm uma situação económica diversa, que resultará do divórcio, designadamente porque um deles teria bens de família anteriores, ou seja, estão numa situação de desigualdade, e o cônjuge que está na situação, em princípio, mais desfavorável requer o divórcio contra o outro mas pede alimentos.

Não nos parece que isso seja muito curial, porque pode dar azo a situações em que alguém oportunistamente pede o divórcio, o que também dever-se-ia evitar.

Creio que estas objecções não são insuperáveis e que com a iniciativa legislativa que temos aqui, aprovando-a, teremos condições para resolver estes problemas, mas há efectivamente questões que não estão resolvidas. Para que se encontre uma solução justa é preciso que os problemas sejam devidamente equacionados, encontrando-se uma solução em que se evite que alguém tenha de estar casado contra a sua vontade mas não se criando aqui um mecanismo que possa ser utilizado, de uma forma oportunista, por uns cônjuges contra os outros à custa da dissolução do casamento.

Portanto, é esta a nossa posição de princípio. Somos favoráveis à introdução, na ordem jurídica portuguesa, do princípio do divórcio a pedido de um dos cônjuges, mas entendemos que isso deve ser feito encontrando uma solução que seja justa e que não crie situações de desigualdade e de injustiça relativamente ao cônjuge requerido em benefício do cônjuge requerente.