Partido Comunista Português
Lei de Finanças das Regiões Autónomas - Intervenção de António Filipe na AR
Sexta, 10 Outubro 2008

acores.jpgA Lei de Finanças das Regiões Autónomas foi aqui discutida em 2006, num quadro marcado por um enorme ruído em torno das suas consequências.
Esta discussão foi apresentada, na altura, em função daquilo que seriam os seus resultados imediatos.
Do nosso ponto de vista, a discussão devia ser feita tendo em conta não apenas esses efeitos, que são reais, mas também o que esta Lei significa para a autonomia regional e para ambas as regiões autónomas.

 

Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A Lei de Finanças das Regiões Autónomas foi aqui discutida em 2006, num quadro marcado por um enorme ruído em torno das suas consequências.

Esta discussão foi apresentada, na altura, em função daquilo que seriam os seus resultados imediatos.

Do nosso ponto de vista, a discussão devia ser feita tendo em conta não apenas esses efeitos, que são reais, mas também o que esta Lei significa para a autonomia regional e para ambas as regiões autónomas.

No imediato, como é sabido, a Região Autónoma da Madeira foi prejudicada nas transferências do Estado para a Região, e a Região Autónoma dos Açores não o foi. Essas foram as consequências imediatas.

Isso foi apresentado pelo Governo Regional da Madeira como um ataque centralista, um ataque do Governo da República contra a Região Autónoma da Madeira.

E foi, de alguma maneira também, utilizado pelo Governo da República como uma «piscadela de olho» aos açorianos e como uma certa forma de apresentar o Governo como alguém que iria pôr na ordem o Governo Regional da Madeira.

Foi um clima perverso aquele em que decorreu esse debate.

É que, do nosso ponto de vista, embora esta consequência imediata tenha sido real, esta Lei de Finanças das Regiões Autónomas é negativa para ambas as regiões autónomas.

Pode momentaneamente não o ter sido para o Açores, mas vai, com certeza, ser negativa para a autonomia regional no seu conjunto e também pode vir a ser negativa, dependendo da sua aplicação, no que se refere às transferências para a Região Autónoma dos Açores no futuro.

É, portanto, uma lei lesiva da autonomia regional.

Diríamos, até, que terá sido o instrumento legislativo mais contrário aos valores da autonomia das regiões autónomas aprovado desde a consagração da autonomia regional na Constituição de 1976.

Tratou-se, portanto, de um profundo retrocesso.

As consequências desta Lei foram a violação de um princípio constitucional, do princípio do desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, constante do artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa, e a violação também do artigo 229.º da Constituição, que dispõe que os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo próprio das regiões, o desenvolvimento económico e social destas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.

Efectivamente, esta Lei de Finanças das Regiões Autónomas não reconhece devidamente o carácter ultraperiférico das regiões autónomas e não tira daí as devidas consequências do ponto de vista financeiro.

Por outro lado, houve uma violação clara do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e isso é um facto.

E é um facto também que o estatuto político-administrativo tem um enquadramento constitucional próprio que se traduz no exclusivo de iniciativa por parte da assembleia legislativa da região autónoma, tendo a Lei de Finanças das Regiões Autónomas vindo contrariar frontalmente disposições constantes do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

É ainda um facto que, para além do seu valor reforçado do ponto de vista constitucional, o qual impediria o Governo da República de apresentar propostas que alterassem o estatuto político-administrativo, as normas alteradas foram aprovadas por unanimidade, no estatuto, em 1999 e a sua constitucionalidade nunca tinha sido suscitada por ninguém.

O que acontece é que a Lei de Finanças das Regiões Autónomas veio contrariar um princípio ínsito do Estatuto, que é o do não retrocesso nas transferências financeiras para a Região, e uma disposição relativa à garantia dos empréstimos contraídos pela Região, isto é, a possibilidade de o Governo da República poder garantir as dívidas da Região Autónoma da Madeira, o que não constitui nenhuma obrigação mas, sim, uma mera faculdade que o Governo poderia utilizar ou não.

O que a Lei de Finanças das Regiões Autónomas veio fazer foi proibir, pura e simplesmente, que este ou qualquer governo possa vir a garantir empréstimos das regiões autónomas.

Um outro prejuízo para a Região foi o que decorreu também da forma de cálculo adoptada para o fundo de coesão.

Já foi aqui referido que o cálculo em função do PIB per capita prejudica a região em função da existência da Zona Franca da Madeira.

E o que é significativo é que isso mesmo seja reconhecido.

Ainda hoje foi reconhecido pelos Srs. Deputados do PS mas, depois, não tiraram qualquer consequência disso. Isto é, reconhecem que a Região Autónoma da Madeira é prejudicada mas, depois, conformam-se com essa situação e não aceitam que seja, de facto, adoptada uma medida para que esse cálculo seja feito não em função de algo artificial e meramente virtual mas, sim, tendo em conta a realidade socioeconómica da Região Autónoma.

Finalmente, esta Lei de Finanças das Regiões Autónomas constituiu uma perda de autonomia financeira para as regiões, na medida em que passou a ser o Orçamento do Estado a fixar, de forma unilateral, os limites de endividamento das regiões.

Também entendemos, obviamente, que deve haver regras para o limite de endividamento das regiões, mas essas regras não podem ser fixadas unilateralmente por cada governo em cada orçamento do Estado. Isso é que, para nós, não faz qualquer sentido nem do ponto de vista da autonomia financeira nem do ponto de vista do relacionamento que deve haver entre o Estado e o financiamento das regiões autónomas.

Sr. Presidente, para concluir, refiro que, na Madeira, os Deputados do PCP votaram favoravelmente esta proposta de lei (proposta de lei n.º 172/X) e nós vamos manter aqui, nesta Assembleia, essa posição, que corresponde, no essencial, à que já havíamos expresso quando da discussão, em 2006, da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Entendemos que essa discussão deveria ser feita aqui com toda a seriedade e que deveriam ser corrigidos alguns dos aspectos fundamentais da lei aprovada em 2006 e que este processo legislativo deveria constituir uma oportunidade para isso.