Intervenção de João Pimenta Lopes, Deputado ao Parlamento Europeu, Seminário «Direitos, Soberania, Cooperação, Paz. Uma Europa dos Trabalhadores e dos Povos»

«Direitos, Soberania, Cooperação, Paz. Valores imprescindíveis, mas incompatíveis com o projecto de integração capitalista europeu»

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Caros amigos,
Caros convidados,
Queridos camaradas,

Gostaria, a exemplo da Camarada Inês Zuber, de saudar todos, e de forma especial os convidados internacionais aqui presentes e os partidos que representam, valorizando, por antecipação, os contributos que hoje trarão a este debate, a sua reflexão sobre a situação em cada um dos seus países e as consequências das políticas que desde a União Europeia são impostas.

Direitos, Soberania, Cooperação, Paz. Valores que dão o mote a este seminário, condição inevitável para a construção do projecto de desenvolvimento e progresso social que ambicionamos para Portugal e para a edificação dessa Europa tão necessária, que preconizamos e a que ambicionamos.

Portugal, após o período de profundas transformações, avanços e conquistas da Revolução de Abril, vertidas na Constituição da República Portuguesa de 1976, conheceu quatro décadas de retrocessos, pela imposição da política de direita protagonizada pelos sucessivos governos de PS, PSD e CDS.

Retrocessos associados e agravados, desde 1986, pelas imposições e constrangimentos das políticas da União Europeia, acelerando e promovendo brutais vagas de ataque aos direitos sociais e laborais e às políticas de desenvolvimento do país. Desde então, Portugal perdeu uma parte muito significativa do seu aparelho produtivo nos sectores primário e secundário, cortado em metade na sua expressão do PIB, alimentando a terciarização da sua economia, em benefício das grandes potências europeias. Sofreu, por imposição da União Europeia e opção dos sucessivos governos, intensos processos de privatização e entrega ao capital estrangeiro de sectores estratégicos. Abdicou da sua moeda nacional, tornando a economia portuguesa mais vulnerável e condicionada aos ditames do semestre europeu e da governação económica da União Europeia. Constrangimentos que impuseram sucessivos ataques às funções sociais do Estado e à oferta de serviços públicos. Quatro décadas de políticas de direita, três décadas de integração europeia que minaram e comprometeram a soberania e desenvolvimento nacional.

Foi neste enquadramento, com especial agravamento no período de intervenção da troika, que se aprofundaram, no nosso país, as relações de exploração, a insegurança laboral e as desigualdades sociais. No final de 2017, o índice de Gini, indicava que na população portuguesa, os rendimentos dos 20% mais ricos eram 5,6 vezes superiores aos rendimentos dos 20% mais pobres. O risco de pobreza ou exclusão social abrangia 23,3% da população. O desemprego, não obstante uma redução expressiva desde o seu pico em 2012, permanece em valores elevados, fechando em Setembro deste ano nos 6,6%. Desde a adesão ao Euro, os valores do desemprego nunca retomaram aos valores pré-adesão: em 2001 fechava nos 5,1%. O valor actual não pode ser lido, sem considerar o desemprego real - que se estima em pelo menos o dobro daquele valor -,os números persistentes de desemprego de longa duração, o ainda muito elevado desemprego jovem ou ignorando as centenas de milhar de portugueses que desde 2011 saíram do país em busca das condições de vida que no seu país não encontram. Tão pouco deve ser lido, ignorando a qualidade do emprego gerado. Em 2017 o ano fechou com um total de 22% de contratos temporários no conjunto da população empregada, o terceiro mais alto da União Europeia, depois de Espanha e Polónia. A desregulação das relações e horários laborais continua a ser uma realidade. A dita «flexibilidade» cresce e contraria os discursos da «conciliação» entre o trabalho e a vida pessoal. Quase 16% do total da população empregada trabalha por turnos (761 mil pessoas em Junho). Meio milhão trabalhará em horário nocturno, dois milhões aos sábados (42% da população empregada) e um milhão aos domingos. A perda salarial, que muitos dos trabalhadores ainda não recuperaram totalmente, foi acompanhada do aumento da percentagem de trabalhadores a auferir o salário mínimo. Representavam no final de 2017 cerca de 23% da população empregada, quando em 2006 o peso do salário mínimo nos rendimentos dos portugueses era de 5%. No primeiro trimestre de 2018 a percentagem de novos contratos com o salário mínimo subiu para os 40,5%. Persiste uma política de baixos salários generalizada, que é promovida desde a União Europeia. Recordemos as críticas feitas a Portugal nas recomendações específicas por país, pelo aumento do salário mínimo em 2016, ou o papel que a União Europeia desempenhou na redução salarial durante a troika.

O período do Governo PSD/CDS marcou particularmente o aumento destes negros números. Mas também o PS tem responsabilidade, nomeadamente por via de sucessivas alterações ao direito laboral, aprovadas com PSD e CDS, em linha com as imposições da União Europeia. O recente acordo celebrado entre o Governo, a UGT e o patronato, com o apoio de PSD e CDS, visa prosseguir este rumo de degradação das condições laborais, da exploração e do empobrecimento.

Opções políticas, opções de classe, com o beneplácito ou promovidas desde a União Europeia, implodem a retórica social que a propaganda em torno de um dito pilar social tem afirmado. Um instrumento limitado no alcance que, como temos afirmado, visa a normalização, por baixo, dos padrões laborais e sociais na União Europeia, como forma de aumentar a exploração. E que têm já expressão num conjunto de diplomas promovidos pela Comissão Europeia, que desde então foram aprovados ou estão em discussão. Desde a dita conciliação entre a vida profissional e pessoal que ataca a protecção da parentalidade, ao destacamento de trabalhadores, à directiva “condições de trabalho prevísiveis e transparentes” que alimentará a precariedade laboral em nome da liberalização do mercado, ou ao ataque que se pretende desferir à segurança social pública e universal com a criação de um fundo de pensões pan europeu cozinhado para entregar a uma multinacional norte-americana.

Esta realidade, de opções por políticas de recorte de direitos sociais e laborais protagonizadas por PS, PSD e CDS, no contexto das imposições e constrangimentos da União Europeia, tornam ainda mais importantes e relevantes, mesmo que limitados, os avanços alcançados nesta nova fase da política nacional. Avanços cunhados pela luta dos trabalhadores e o contributo imprescindível do PCP, que forçaram o governo minoritário do PS a concessões que contrariam o que tem sido a sua prática em quatro décadas. Mas que evidenciam que não só é necessário a ruptura com aqueles constrangimentos, como é possível, desde que exista um efectivo compromisso com políticas que visem o progresso e justiça social. O reforço da luta dos trabalhadores, o reforço do PCP, orgânica e institucionalmente, serão condições fundamentais para alcançar novos e mais expressivos avanços.

O aumento da exploração que a União Europeia promove nos Estados-Membros, e que assume contornos de colonialismo e domínio económico das grandes potências sobre as restantes, é acompanhado de políticas de cariz cada vez mais securitárias, que configuram ataques aos direitos e liberdades dos cidadãos e à soberania dos Estados, em nome de uma resposta a pretensas ameaças que vêm do interior como de exterior. É disso exemplo, sem que aqui entremos em detalhe, a criminosa resposta da União Europeia às migrações onde grassam gravíssimas violações ao Direito Internacional, e da consolidação da ideia de uma «UE Fortaleza». As causas da gravíssima crise humanitária que as migrações protagonizam, não as podemos desligar de uma dita política externa da União Europeia que projecta além-fronteiras as intenções de domínio sobre territórios e de rapina e exploração de recursos de países terceiros, também por via da sua política comercial, promovendo o subdesenvolvimento e a dependência. Para o benefício das multinacionais e capital europeus, aprofunda-se a política de interferência, ingerência e mesmo de agressão sobre países soberanos. Não esqueceremos as guerras que destruíram o Afeganistão, o Iraque, a Líbia ou a Síria. Tão pouco a cumplicidade da União Europeia com Israel e a sua política genocida sobre o povo Palestiniano, ou com a coligação liderada pela Arábia Saúdita que arrisca matar à fome milhões de pessoas na agressão ao Iémen.

É fazendo uso das pretensas ameaças exteriores, que se aprofunda a estratégia e política militaristas, submissa aos interesses e estratégia da NATO e que se vão alicerçando as bases para a constituição de um exército europeu, como ainda nesta sexta feira Angela Merkel afirmava no Parlamento Europeu. A consolidação da Cooperação Estruturada Permanente, aprovada pelo Conselho em Dezembro de 2017, determinou entre outros o aumento dos orçamentos dos Estados na vertente militar e um maior compromisso com a política de segurança e defesa da União Europeia. Acelera-se a implementação do Fundo Europeu de Defesa e do Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa com vista ao aumento do financiamento, investimento e apoio à indústria militar europeia tendo em vista o rearmamento e militarização da União Europeia. Num momento de agudização da crise estrutural do capitalismo e de aumento de tensões que resultam do rearranjo de formas interimperialistas à escala global, a escalada militarista que a União Europeia protagoniza, constitui uma efectiva ameaça à Paz na Europa e no Mundo!

Camaradas,

Direitos, Soberania, Cooperação, Paz. Valores imprescindíveis, mas incompatíveis com o projecto de integração capitalista europeu. Sobressai com cada vez maior evidência, que os objectivos e matriz política que estão na génese do projecto de integração capitalista estão em permanente confronto com os direitos sociais e laborais dos trabalhadores e dos povos, com o respeito pela soberania dos Estados, com os valores da cooperação mutuamente vantajosa e solidariedade entre estados iguais e a Paz.

Em Portugal, a defesa dos direitos dos trabalhadores e dos povos, a construção de políticas de desenvolvimento soberano, só serão possíveis no quadro de uma ruptura com os constrangimentos da União Europeia e desde logo do Euro, no quadro do desenvolvimento de uma política patriótica e de esquerda, construída sobre os valores de Abril, e que faça cumprir a Constituição.

A construção da Europa que preconizamos, uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, uma Europa dos trabalhadores e dos povos, de progresso e justiça social, só poderá ser materializada com a derrota da União Europeia.

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