A PAC e o Futuro do Alentejo


Introdução

Em Novembro passado, realizou-se em Montemor-o-Novo uma Conferência subordinada ao tema “A PAC e o Futuro do Alentejo”. Organizada em parceria pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Associação Nacional para o Desenvolvimento Local (ANIMAR), Conselho para o Desenvolvimento do Alentejo (RURALENTEJO), MONTE – Desenvolvimento Alentejo Central, ACE, TERRAS DENTRO, Associação de Desenvolvimento Integrado e Cooperativa de Comercialização “CAMINHOS DO FUTURO”, esta Conferência não podia ter escolhido melhor oportunidade. De facto, num momento em que a mais importante política comum da União Europeia volta a ser equacionada quanto ao seu futuro, os Alentejanos (e os Portugueses) devem acompanhar e, na medida do possível, influenciar positivamente uma PAC que, como se previra, tem sido profundamente madrasta para o Alentejo e para o País. Procuraremos, neste artigo, transmitir uma síntese do conteúdo e principais conclusões daquela Conferência sem abdicarmos de inserir as nossas opiniões próprias.

10 Razões para Mudar a PAC

O Alentejo tem condições, potencialidades, capacidade humana e vontade para construir uma Região de progresso, e necessariamente uma sociedade mais justa, no século XXI.

A Conferência afirmou que o Alentejo pode ter uma agricultura produtiva e desenvolvida e uma indústria agro-alimentar diversificada. Quer no sequeiro quer pela expansão do regadio, quer nas culturas mediterrânicas quer em novas produções ditas biológicas e artesanais, quer na pecuária de qualidade quer nos produtos regionais, quer na vinha quer no montado, o Alentejo pode construir uma nova base económica diversificada e renovar o mundo rural integrando-lhe novas valências como o turismo ou as vantagens ambientais. Como notou a Conferência: “As experiências positivas que encontramos por toda a região apontam no sentido dessa possibilidade”.

Apesar destas imensas potencialidades, constatamos que é inversa a evolução da Região. A desertificação social, a evolução demográfica negativa (diminuição e envelhecimento), a crise económica e social que se sente na generalidade das aldeias e vilas (com poucas excepções que não compensam o panorama geral) confrontam o Alentejo e o País com a gravidade de uma tendência negativa estrutural instalada. Porquê ? Que causas ?

Há, claramente, duas causas fundamentais e incontornáveis. Em primeiro lugar, sucessivas políticas agrícolas nacionais de subordinação aos grandes proprietários e aos interesses de grandes grupos económicos. Políticas essas que se abstiveram de definir e aplicar uma estratégia nacional de salvaguarda, modernização e expansão do sector no quadro – difícil é certo ! – da União Europeia. Em segundo lugar, uma PAC demolidora para a produção nacional e, em particular, para o Alentejo: o desincentivo e a liquidação produtiva (apesar do constante agravamento do nosso défice alimentar !) com o “set-aside”; atribuição de fundos não dirigida às nossas potencialidades, promotora da injustiça e da desigualdade social entre agricultores; a imposição de quotas às produções; o estrangulamento do mundo rural alentejano.

As 10 razões, que a seguir listamos e que a Conferência identificou, são claramente um libelo acusatório contra a(s) PAC(s) que vimos sofrendo, contra a política de direita de sucessivos Governos que a ela se têm conformado. Mas são, também, razões para exigir mudança na PAC, para lutar por uma nova PAC que sirva o desenvolvimento do Alentejo e do País:

I. Na última década (ver Censos 2001 do INE), a que correspondeu a aplicação da reforma da PAC, o Alentejo continuou a desertificar-se perdendo 14.000 habitantes.

II. A população agrícola alentejana continuou a decrescer e a envelhecer (ver INE: Censos 2001 e Recenseamento Geral da Agricultura-RGA1999).

III. O Alentejo mantém a mais alta taxa de analfabetismo do País: 16% dos habitantes com mais de 9 anos (ver Censos 2001).

IV. Intensificou-se a concentração da terra no Alentejo (ver RGA 1999): as 4.280 grandes (mais de 100 ha, note-se que no Alentejo muitas destas explorações não são, de facto, “grandes”) explorações alentejanas (12 % do total) ocupam 80 % da terra enquanto as restantes 32.000 explorações (88%) detém apenas 20 % da terra. Registe-se ainda 24.000 operários agrícolas sem terra. Um outro dado revelador: na década de 90, desapareceram 160.000 explorações agrícolas familiares em Portugal.

V. Aumentou o absentismo (ver Eurostat, Julho de 2000). A PAC, concentrando os subsídios na grande propriedade, incentivou o absentismo produtivo traduzido pelo facto de Portugal deter o recorde europeu das terras de pousio (41% das terras aráveis), isto é, 5 vezes mais do que a média da UE.

VI. A PAC determina uma injustificável, imoral e inaceitável concentração de subsídios e de riqueza (ver Voz da Terra, nº23, Maio de 2002): 2.000 grandes proprietários (apenas 2% dos beneficiários da PAC) recebem anualmente 250 milhões de euros, isto é, cerca de metade dos subsídios públicos directos.

VII. As ajudas da PAC são, sobretudo, dirigidas às produções dominantes na grande propriedade (ver Enquadramento Comunitário da PAC, Porto, Julho de 2001): 43 % para os cereais, 14% para a carne de bovino, 9% para o leite. As produções mediterrânicas (com capacidade competitiva na UE) como as frutas, legumes, vinho e azeite apenas receberam 12% de ajudas.

VIII. Com a PAC, os rendimentos das grandes explorações crescem, os rendimentos das pequenas explorações diminuem (ver POADR, 1999): as grandes explorações (2,4% do total) aumentaram o seu rendimento em 98% enquanto as explorações muito pequenas (67% do total) viram o seu rendimento diminuir 24%.

IX. O investimento agrícola tem vindo a diminuir (ver INE, Contas Económicas da Agricultura, 1998, 1999): comparando 1990/92 com 1993/97, o valor médio do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) caiu 18%.

X. Cresceu o défice da balança agrícola comercial (ver INE ou Banco de Portugal) que passou de -489 milhões de euros em 1990 para -1.790 milhões de euros em 1999.

Reforma da PAC: 4 Objectivos, 10 Propostas para o Alentejo e para Portugal

Face àquela caracterização da situação agrícola, a Conferência avançou com 4 grandes objectivos a atingir por Portugal face à reforma da PAC:

  1. Produzir e revitalizar a agricultura;
  2. Dar vida ao mundo rural;
  3. Garantir rendimentos mais equitativos a todos os agricultores;
  4. Garantir emprego e salários dignos aos trabalhadores agrícolas.

E concretizou 10 propostas para mudar a PAC favorecendo o Alentejo e o País:

1) Ligar as ajudas à produção, defendendo a produção nacional, combatendo a estagnação agrícola, criando maior transparência na atribuição dos subsídios;

2) Aumentar as quotas e os direitos de produção, nomeadamente, tendo em conta as novas áreas de regadio com o Alqueva e outras como os Minutos;

3) Suspender o “set-aside” por 10 anos e dirigir as verbas daí resultantes para o incentivo à produção, em particular das culturas mediterrânicas;

4) Não baixar os preços à produção, garantindo a sobrevivência dos agricultores e adequadas reformas das Organizações Comuns de Mercado que salvaguardem as nossas potencialidades produtivas;

5) Introduzir o plafonamento (montante máximo) por exploração e um sistema de modulação obrigatório sobre todas as ajudas directas introduzindo maior equilíbrio na distribuição das ajudas, apoiando o desenvolvimento rural e a criação de emprego;

6) Criar uma ajuda-base mínima às explorações familiares (2500 euros usando as verbas disponibilizadas pelo ponto anterior), durante 10 anos, por casal de agricultores a tempo inteiro fomentando a instalação de jovens;

7) Criar incentivos suplementares (com verbas vindas do ponto 5) a investimentos de instalação de indústrias agro-alimentares e florestais;

8) Organizar sistemas de escoamento dos produtos agrícolas e alimentares;

9) Reorganizar e reforçar os fundos comunitários de valorização da agricultura e de desenvolvimento do mundo rural;

10) Garantir formação profissional adequada a agricultores, operários agrícolas e técnicos promovendo a valorização social do trabalho no mundo rural.

Conclusão

A Conferência sobre “A PAC e o Futuro do Alentejo” aprovou uma Carta de Montemor-o-Novo (que constitui a base deste artigo) e as comunicações e conclusões serão em breve editadas pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.

Este é um contributo sério para o debate e a defesa dos interesses nacionais no âmbito da nova reforma da PAC que está na ordem do dia numa União Europeia alargada. Cruzar os braços ou, como têm feito sucessivos Governos portugueses, aceitar – por um punhado de euros – a hipoteca sobre o futuro da agricultura e do mundo rural não são soluções.

O Alentejo e Portugal necessitam de uma agricultura produtiva e de um mundo rural dinâmico que contribuam para o necessário desenvolvimento regional e do País. Há, então, que lutar ! Há, então, em Portugal como na União Europeia, que exigir novas políticas ao serviço da coesão económica e social numa Europa de Paz e Progresso.

Carlos Pinto de Sá
Membro do Comité das Regiões


Portugal e a UE - Nš 42 - Agosto de 2003