«Jeunes des Banlieues (1)»
– A revolta esperada

 

Ângelo Alves
Membro do Comité Central do PCP

A França foi abalada, na primeira quinzena de Novembro, por uma onda de distúrbios de origem social que, tendo o seu epicentro nos subúrbios de Paris, mais exactamente em Clichy-sous-Bois, depressa alastrou geograficamente a toda a periferia de Paris e a dezenas de cidades francesas e, politicamente, a toda a França e Europa. Em torno da revolta dos «Jeunes des Banlieues» levantam-se questões de fundo que reclamam grande atenção dos comunistas e forças progressistas.

O balanço quantitativo da onda de violência é expressivo: em aproximadamente 20 dias cerca de 9000 veículos queimados, confrontos em cerca de quarenta cidades e cerca de 3 mil pessoas presas, na sua maioria jovens, incluindo menores.

Mas se o balanço quantitativo deste «tsunami social» nos elucida sobre a sua real dimensão e impacto, o balanço qualitativo da actuação e resposta do governo francês ajuda a compreender as razões profundas destes acontecimentos. Como se refere efectuaram-se mais de 3000 prisões; foi accionada a lei do estado de emergência e a «pré-histórica» lei do recolher obrigatório continua em vigor tendo a sua aplicação sido prolongada por mais três meses após o fim oficial dos incidentes; instituiu-se a proibição de manifestações e reuniões durante vários dias em Paris; o centro de várias cidades francesas foi «inundado» por milhares de polícias e militares (só em Paris 3000); realizaram-se julgamentos em catadupa e o processo de expulsão de cidadãos não franceses foi sumariamente acelerado por pressão do ministro do interior, Sarkozy, incluindo cidadãos que tinham requerido legalização ou asilo político ou mesmo alguns que já tinham autorização de residência. Ou seja, com uma explosão social nas mãos, o governo francês, como um todo, e parte do Partido Socialista, optaram por uma linha de «punho de aço» que esmagasse rapidamente a onda de revolta.

Nos media tentou-se impor a visão de que quanto menor fosse o número de veículos queimados e maior o número de prisões efectuadas melhor, estar-se-ia então «a vencer a batalha» e as medidas de força «estariam a resultar», como chegou a escrever Sarkozy num artigo publicado na imprensa francesa.

Tentou-se assim calar à força o grito de revolta dos «miúdos» dos «Banlieues» e nem se tentou ouvir o que queriam dizer com tamanha «berraria». O objectivo era terminar com o que incomodava mais e isso eram as imagens diárias de carros incendiados, os números que davam a real dimensão do problema (numa única noite, no pico dos conflitos, foram incendiados 1300 carros) e não os reais problemas que afectam estas comunidades. O debate foi então direccionado numa perspectiva securitária em que o braço de ferro acabaria obviamente por ser vencido pelo Estado francês.

Mas quando os carros deixaram de arder e os «vândalos» ou «a escumalha» – a tradução soft do termo «racaille» usado pelo tenebroso ministro Sarkozy no provocador grunhido que incendiou a onda de violência – foram presos ou expulsos, surgiram então os discursos declarando solenemente o fim do problema e, como não poderia deixar de ser, o anúncio pomposo de algumas medidas mediáticas de aparente cariz social, regadas com alguns milhões de euros que Durão Barroso prometeu oferecer e que terão como objectivo central a limpeza da imagem de uma França e de uma Europa «enxovalhadas» pelos conflitos sociais. Os holofotes das TV’s desligaram-se entretanto e parte do mundo já não pensará no presente e no futuro dos jovens dos subúrbios de Paris e inclusive terá interiorizado que o problema acabou.

A postura das forças dominantes francesas e europeias, abordando este problema de forma imediatista e através de uma política de repressão e exclusão, tem uma razão de ser. É que estas forças e a sua actuação estão no cerne das causas desta autêntica explosão social não direccionada e portanto quanto mais depressa se deixar de falar nela melhor. Mas o cerne da questão está lá.

Uma jovem imigrante francesa de terceira geração numa pequena e simples frase proferida numa entrevista a uma televisão portuguesa durante os dias dos conflitos demonstrou, sozinha, ter mais maturidade de análise e uma postura mais politicamente responsável do que o cortejo de governantes, comentadores e pseudo intelectuais do sistema que todos os dia bolsaram sentenças e «bitaites» sobre os conflitos sociais em França. Perguntada sobre se os conflitos iriam terminar rapidamente respondeu: «Não, não penso que vá acabar. Isto ainda agora começou…», disse.

Esta frase diz muito sobre o fulcro da questão. Os acontecimentos em França são um sinal importante demais para ser «fechado» apenas dentro das fronteiras francesas e apenas como um episódio esporádico de revolta social, ou racial, como alguns chegaram a tentar fazer crer tentando com isso delimitar dentro das fronteiras da discriminação racial um problema de origem social. Não! A sua importância é muito maior que isso e a análise do que aconteceu implica reflexões cruzadas sobre o papel e as condições de vida das comunidades imigrantes e da classe trabalhadora em França; a evolução da própria República Francesa, do estado da sua democracia e da sua situação social, política e cultural e por fim sobre o actual estádio de desenvolvimento do sistema capitalista e o seu carácter intrinsecamente xenófobo e racista.

Décadas de discriminação e de humilhação

Antiga potência colonizadora, particularmente em África, a França, após praticar autênticos genocídios ou abandonar à desgraça povos por si colonizados, viveu, nos chamados «30 anos gloriosos» do pós II Guerra Mundial, um período de reconstrução e de forte crescimento económico (na ordem dos 6% anuais), transformando-se numa poderosa potência capitalista. Crescimento esse feito em grande medida à custa de uma importação em massa de trabalhadores das suas ex-colónias que, auferindo baixos salários e sem capacidade reivindicativa, alimentavam a edificação dos grandes empórios industriais. Essa mão-de-obra barata, altamente explorada e usada nos trabalhos menos qualificados foi ao mesmo tempo sendo «arrumada» nos caixotes de habitação dos arredores de Paris ou de outras cidades industriais e mantida à parte da evolução social, política e cultural da potência francesa. O tempo passou, as comunidades imigrantes de origem africana e magrebina desenvolveram-se afastadas dos cidadãos de origem francesa e a maior parte das vezes sem ligação ou referências aos seus países de origem, destruídos por décadas de colonização, de guerra e de ingerências imperialistas. Com a passagem dos anos surgiram a segunda e terceira gerações, filhos e netos dos operários africanos e magrebinos. Jovens, cidadãos franceses que, apanhados num podre círculo de «guetização» económica, social, política e cultural, não se sentem hoje nem integrados no seu país de nascimento e na sua sociedade nem mantêm ligações aos países e culturas dos países de origem dos seus avós ou pais.

Com o fim dos «anos dourados» veio o aumento do desemprego, da pobreza, da marginalidade. Com a traição das classes dominantes aos princípios constitucionais da República Francesa saídos da sua revolução – «Liberdade, Igualdade, Fraternidade» – materializada na introdução e aprofundamento das políticas de exploração capitalista e mais recentemente do chamado «neoliberalismo europeu», estas comunidades foram vítimas de gigantescos cortes no apoio social e hoje vivem situações de autêntica desgraça social com condições de habitação e salubridade comparáveis às de cidades do terceiro mundo. Comunidades inteiras (falamos de 5 milhões de cidadãos de origem africana e magrebina) com níveis de desemprego na ordem dos 40%, atingindo mesmo valores de 55% em alguns dos bairros referenciados como «problemáticos», quando a média oficial nacional é de 10%. Populações inteiras com uma média de salários em muito inferior à média nacional e muitas vezes sem acesso a regalias sociais que ainda assim são garantidas à generalidade dos cidadãos franceses. Vivem uma vida sem perspectivas, em bairros e casas que todos os dias os lembram que o país que os seus pais e avós ajudaram a construir se «esqueceu» deles, que os mantém à margem.

Órfãos de país e de cultura, os jovens que incendiaram em Novembro os carros produzidos pelas grandes multinacionais da indústria automóvel francesa são portadores da acumulação de anos e anos de frustrações e de sentimentos de discriminação que constituem atentados diários à sua dignidade.


Neoliberalismo, racismo e xenofobia

A acumulação de sentimentos de discriminação e de frustração será a razão principal das explosões sociais de Novembro, mas não a única. Paralelamente a fenómenos de exclusão por uma crescente injustiça na distribuição da riqueza criada, acumulam-se ainda na sociedade francesa, e em geral também na Europa, outros factores que vão destilando o caldo perfeito para a marginalização e para a maior probabilidade de fenómenos de ruptura do tecido social. Políticas como o desinvestimento nas redes de estruturas de apoio social (as verbas para as organizações e estruturas de apoio e integração social e cultural nestes bairros sofreu nos últimos anos cortes na ordem dos 30%); desinvestimento nas redes de transportes públicos que liguem a grande cidade à periferia; privatização do ensino e a diminuição da escolaridade obrigatória para os 14 anos ou as recentes tentativas de destruição do serviço nacional de saúde francês, associado à sua privatização, são medidas que estão a empurrar estes grupos sociais, imigrantes e não imigrantes, para situações de exclusão social prolongadas que, obrigatoriamente, dão origem a fenómenos de marginalidade como a prostituição, o consumo e tráfico de drogas e a pequena criminalidade.

Em Portugal, o PCP tem repetidamente chamado a atenção para este perigo ao alertar para o aumento do fosso de riqueza entre as classes acompanhado da privatização das funções sociais do Estado, uma combinação explosiva provocadora, a médio prazo, de reais factores de risco de ruptura social.

Se estes factores sociais afectam de forma geral as classes mais desfavorecidas em vários países capitalistas, há um fenómeno que afecta particularmente as comunidades imigrantes e seus descendentes como os cidadãos franceses de origem magrebina e africana: o racismo e a xenofobia. Por acção das forças de extrema-direita, como a Front National de Le Pen mas também da chamada direita tradicional de Chirac, Villepin e Sarkozy, o racismo e a xenofobia são hoje fenómenos com considerável dimensão, impacto político e penetração na sociedade francesa. A cor da pele e um nome de origem africana ou magrebina são factores de discriminação mesmo nas camadas mais instruídas, como o revela, por exemplo, a taxa de desemprego de 26,5% entre os licenciados de origem magrebina, quando a média nacional é de 5%.

Mas a discriminação racial não se expressa apenas no plano económico, social e de acesso ao emprego. Não será por acaso que várias organizações de direitos humanos têm vindo a denunciar a impunidade das forças policiais em episódios de violência que classificam de racistas e xenófobos, identificando as comunidades judaica e muçulmana como alvos preferenciais destas atitudes. Esta realidade crescente não estará desligada de uma decisão do Ministério do Interior de reduzir, ou mesmo acabar, com a chamada polícia de proximidade (as nossas esquadras de bairro), destacando para os bairros problemáticos dos subúrbios de Paris contingentes de polícia similar à polícia de intervenção portuguesa. São fáceis de encontrar relatos de uma doentia e humilhante rotina diária de identificação dos cidadãos franceses de origem africana e magrebina em que nem sequer é permitido olhar os agentes policiais nos olhos.

Mergulhados nesta realidade é relativamente fácil perceber porque é que Bouna Traore e Zyed Benna, os dois jovens de origem árabe que morreram electrocutados na subestação eléctrica, fugiam à polícia. E tendo este dia-a-dia de humilhação como pano de fundo não será também difícil de perceber que a morte destes dois jovens tenha despoletado uma onda mista de solidariedade e de revolta por parte daqueles que são alvo dessa mesma discriminação e humilhação constantes.


Discriminação, explosões sociais e participação popular

Mas, se é verdade que a onda de violência é uma expressão de revolta e de solidariedade destes grupos sociais, levantam-se desde logo várias questões: Porquê com estas características? Porquê sem direcção e sem reivindicações políticas visíveis? Houve forças políticas envolvidas nestes acontecimentos?

A França é uma potência construída e mantida em parte a custo do esforço e trabalho de comunidades imigrantes e seus descendentes. Vejamos por exemplo, embora mais integrados na sociedade francesa, o importante papel da comunidade portuguesa. Mesmo nas áreas do desporto, da ciência e da cultura é indiscutível a contribuição destas comunidades. No entanto, ao mesmo tempo, verificamos a existência de um enorme fosso de representação nas instituições de poder político francês (com excepções no poder local). A título de exemplo nem na Assembleia Nacional nem no Senado existe um único francês de origem africana.

Esta é uma das respostas possíveis para a questão acima enunciada. Este «gap» de representação política e de participação na vida política e social e na gestão dos destinos da República Francesa dos cidadãos franceses de origem não europeia foi sendo, com o passar dos tempos, assimilado por estas comunidades como quase natural. Em troca de impressões com camaradas do Partido Comunista Francês este é um dos aspectos que mais ressalta das suas opiniões relativamente aos acontecimentos em França, alertando-nos para o facto de que este é um problema que não afecta apenas as comunidades imigrantes ou os cidadãos franceses de origem africana ou magrebina, mas também a juventude em geral.

Nas camadas mais visadas pela exploração e, em consequência, de uma vida marcada pela discriminação, humilhação, pobreza e falta de perspectivas, emerge uma cultura imposta de alheamento político, de desconhecimento de direitos e de potencialidades de luta social, há uma aculturação de apatia cívica que grassa sobretudo entre a juventude e em particular nos jovens com menos instrução, que abandonam cedo a escola e são empurrados para o desemprego e a marginalidade. Ao mesmo tempo a acumulação das frustrações, a comparação diária com outras camadas «embriagadas» pela ideologia do consumismo e as humilhações racistas de que são alvo, vão enchendo a bolha de revolta e, quando acendido um rastilho, ela explode de modo «não político», não direccionado, como aconteceu em Paris. O resto é «efeito de dominó».

Tal cultura de não participação democrática e de «enconchamento» coloca sérias dificuldades de intervenção e de mobilização junto destas comunidades às forças progressistas. Esse contacto, como nos referem também os camaradas franceses, é muitas vezes tentado e conseguido mas através dos eleitos locais, a quem os jovens dos bairros dos subúrbios ainda assim reconhecem alguma autoridade e acima de tudo capacidade para lhes poder pontualmente resolver alguns dos problemas do seu dia-a-dia. Os partidos políticos e os sindicatos fazem parte de uma realidade muito distante da sua e sobretudo não lhes garantem «ganhos» imediatos. É portanto irrealista pensar que tais forças políticas poderiam ter uma intervenção directa nos acontecimentos de Novembro e que lhes poderiam conferir uma orientação progressista. Foi sem dúvida uma explosão social não direccionada e sem reivindicações políticas ou sociais directas. Mas não isenta de instrumentalizações…


Cálculos eleitoralistas, direita e extrema-direita

Se existiu instrumentalização ou manipulação junto destas comunidades essa foi a da extrema-direita que, vendo estes acontecimentos confluírem com a sua agenda política, os tentou inflamar, prolongar e deles posteriormente tirar partido.

É por isso que o papel da extrema-direita e da direita em França importa muito na análise destes acontecimentos. A morte dos dois «miúdos» na subestação de Clichy-sous-Bois constituiu um rastilho… mas alguém o acendeu! O incendiário que fez a «bomba explodir» foi o ministro Sarkozy com a afirmação fascista de que iria «limpar» a França dessa «escumalha».

E chegados aqui importa analisar a recente evolução política francesa. Le Pen, o «chefe» da Front National fascista, atingiu nas últimas eleições presidenciais de 2002 uma percentagem de 16,9%, eliminando Lionel Jospin do Partido Socialista na primeira volta e disputando com Jacques Chirac a segunda volta das eleições, atingindo uma significativa percentagem de 17,8%.

Em Portugal e um pouco por toda a Europa, e tendo como motor principal o dogma neo-liberal, federalista e militarista da União Europeia e a articulação com a filosofia militarista e securitária dos EUA, temos vindo a assistir a um «escorregamento» para a direita dos espectros partidários europeus, incluindo a França. Esse «escorregamento» criou as condições para o ressurgimento de teorias populistas, racistas e xenófobas na Europa – da Alemanha à Áustria, da Itália à França – com a condescendência da direita tradicional e mesmo da social-democracia e tem como consequência directa alterações na arrumação de forças partidárias nestes países e uma recauchutagem das mais tenebrosas forças e teorias racistas e xenófobas, acompanhadas de tentativas de reescrita da história da II Guerra Mundial, de branqueamento do fascismo e de criminalização dos comunistas.

Isso explica em parte o sucesso da Front National de Le Pen. Mas, fruto deste «escorregamento», a chamada direita tradicional francesa está confrontada com um novo problema que reside no facto de estar a perder um espaço político à sua direita, por via do crescimento da extrema-direita, de grande importância nas próximas eleições presidenciais de 2007. Simultaneamente, o Partido Socialista, prosseguindo a sua deriva neoliberal, disputa claramente fatias do eleitorado de direita. Esta realidade, mesclada com a necessidade que o grande capital europeu e francês tem de conter previsíveis resistências anticapitalistas, está na origem da integração de homens como Sarkozy na direita tradicional e no governo francês.

Tendo em mente a necessidade da direita de ocupar espaço à sua própria direita, e os seus jogos de cálculo eleitoral, é então fácil de perceber o modo como o governo francês lidou com esta situação, apostando claramente num discurso e prática populista e xenófoba. Sarkozy foi deixado livre por Villepin – o primeiro ministro francês e seu rival na possível escolha do candidato da direita às presidenciais – durante vários dias, para fazer as provocações que entendesse, e mesmo o presidente Jacques Chirac demorou 10 dias a pronunciar-se sobre o assunto, deixando entretanto «o circo pegar fogo». Esta combinação explosiva de racismo, irresponsabilidade, cálculo eleitoralista, jogos de bastidores e falta dos mais elementares princípios, esteve igualmente no cerne dos acontecimentos em França.

Possivelmente nem Sarkozy, nem Villepin nem Chirac tinham consciência da dimensão que a onda de violência poderia atingir, mas que houve deliberadamente uma actuação provocatória do governo, encabeçada por Sarkozy, isso houve. Seguiu-se depois todo um cortejo de discursos e de medidas já referidas que, de forma populista e calculada, foram de encontro a sentimentos naturais de medo e até de revolta da população, fruto das imagens de caos profusamente difundidas e que claramente tentaram direccionar o sentimento colectivo para o campo do pânico, do racismo e da xenofobia, chegando a induzir a ideia de uma «Jihad» dos franceses de origem árabe e tentando colar os acontecimentos à religião islâmica.

O resultado político está à vista. As comunidades imigrantes e os franceses de origem africana e magrebina são hoje olhados com maior desconfiança; as forças policiais sentem-se encorajadas pelos pacotes de medidas repressivas a prosseguir erros e métodos inaceitáveis e, claro, Sarkozy subiu nas sondagens… e Le Pen também.


Racismo e xenofobia na actual fase do capitalismo

Este jogo tenebroso de tentativa de divisão social, racial e cultural, estes «pontos de contacto» entre social democracia, direita e extrema-direita, esta instrumentalização do medo e do ódio para o prosseguimento de objectivos políticos mais gerais e sobretudo para o prosseguimento de uma política de repressão e de contenção de explosões sociais resultantes do aprofundamento do carácter parasitário, explorador e desumano do sistema capitalista, são também traços marcantes da actual situação internacional.

Acompanhando o aprofundamento da exploração dos trabalhadores e dos povos, a política de rapina dos recursos naturais de várias zonas do globo e o desenvolvimento de uma política de guerra e de militarização das relações internacionais que visa o domínio hegemónico do imperialismo e a subjugação dos povos, surge nos principais centros capitalistas a adopção de medidas securitárias e repressivas que, com um profundo carácter antidemocrático, procuram introduzir o conceito de «troca de liberdade por segurança» que na realidade procura criminalizar resistências e prevenir explosões sociais que possam resultar em movimentos consequentes de luta anti-capitalista e anti-imperialista que ponham em causa o poder estabelecido do grande capital e das forças políticas ao seu serviço. Paralelamente, usando-se os meios de comunicação social propriedade das grandes multinacionais, aposta-se num retrocesso cultural que promove o obscurantismo, a ignorância, ideias anti científicas e místicas, o egoísmo e a intolerância racial e cultural, a degradação de valores e do ser humano. Cresce assim a ameaça do populismo, do racismo e da extrema-direita. A União Europeia fecha-se cada vez mais ao mundo, importa mão-de-obra imigrante apenas de acordo com as necessidades do grande capital e começa a olhar para a imigração não como um factor de desenvolvimento e de enriquecimento cultural mas como uma ameaça.

As classes dominantes, o grande poder económico e a direita francesa ao seu serviço estão integradas nesta estratégia criminosa e antidemocrática. Explosões como as que ocorreram em França são características de uma situação de ruptura social e não desta ou daquela etnia ou nacionalidade. O que aconteceu em França eclodiu por acção dos imigrantes ou seus descendentes porque são estes, neste momento, o elo mais fraco da estrutura social francesa.

 

Com o aumento de fenómenos sociais de exclusão, de desemprego e de marginalidade social, política e cultural, é natural que tais explosões possam assumir outras características e possam acontecer noutros países, sobretudo havendo organizações de trabalhadores e forças políticas capazes de as direccionar numa perspectiva revolucionária.

Esse é o papel dos comunistas e das forças progressistas. Denunciando o papel das forças e da ideologia da extrema direita na estratégia global do imperialismo, continuar a prestar solidariedade e a lutar ao lado daqueles que mais directamente sofrem na pele as políticas de exploração, discriminação e agressão do imperialismo, sejam eles os jovens franceses de origem africana e magrebina; os africanos sub-saharianos que fogem à miséria e à morte que saga no continente africano e que são tratados pelos governos europeus como perigosos criminosos; os comunistas que nos países da Europa de Leste são perseguidos pelas suas convicções políticas ou os iraquianos ou palestinianos que corajosamente resistem à ocupação das suas pátrias. Com eles, com os trabalhadores e os povos, sempre intimamente ligados às massas e apostando no fortalecimento das forças progressistas e da solidariedade internacionalista, será possível imprimir novos ritmos e um sentido revolucionário à revolta latente que as contradições insanáveis do sistema capitalista estão a provocar. Lutar pelos direitos dos imigrantes, pelos direitos daqueles que fugindo da pobreza e da falta de perspectivas ainda buscam formas eficazes de exprimir a sua revolta, é cada vez mais uma questão de classe, um dever de solidariedade internacionalista e uma tarefa dos comunistas.

(1) Tradução do francês: «Jovens dos subúrbios», termo comummente utilizado para designar os jovens franceses de origem magrebina e africana que habitam nos subúrbios de Paris.

«O Militante» - N.º 280 Janeiro /Fevereiro 2006