Einstein
O cientista e o pacifista

 


Membro do Comité central do PCP. Professor universitário

 

Einstein foi um homem excepcional. Deu contribuições revolucionárias ao avanço da Ciência, foi um cidadão do mundo com empenho e acção cívica exemplar e, pela sua personalidade, tornou-se em ícon popular. Passam agora 50 anos sobre a sua morte e 100 anos sobre o memorável período, de alguns meses apenas, durante o qual publicou cinco trabalhos que revolucionariam a Física.

Albert Einstein nasceu em 1879 numa família alemã, burguesa e liberal, de ascendência judia, secular. Aos dezasseis anos de idade, por iniciativa própria, deixou Munique e mudou-se sozinho para a Suíça, a fim de estudar no Instituto Politécnico de Zurique, onde se licenciou em 1900. No ano seguinte, renunciou à cidadania alemã, a fim de evitar o serviço militar.

Na falta de um emprego académico, em 1902 foi admitido no escritório de Berna do Serviço de Patentes Suíço. Aí desempenhou com competência as funções técnicas que lhe couberam, mas sobretudo aproveitou o tempo disponível para elaborar os seus estudos e redigir os artigos que lhe valeriam, dentro de alguns anos, largo reconhecimento científico internacional. No annum mirabilis de 1905, no espaço de seis meses apenas, publicaria cinco trabalhos fundadores da Física Moderna; um sobre a teoria corpuscular da luz; dois sobre a natureza atómica da matéria; e dois sobre a teoria da relatividade (incluindo a célebre equivalência entre energia e massa, a fórmula E=mc2).

O cientista no nosso quotidiano

O trabalho de Einstein teve sua repercussão mais directa no plano das ideias, das teorias físicas e da filosofia da ciência. Mas a sua profundidade iria surpreendentemente revolucionar as nossas vidas no plano prático quotidiano. Não que ele tivesse sido um inventor de génio (de facto registou um par de patentes apenas) mas porque interpretou e criou os quadros teóricos que explicam e conduziram à descoberta de novos fenómenos e a invenção de novos dispositivos técnicos.

O detector foto-eléctrico que faz actuar a abertura da porta ou acender a luz, baseia-se no fenómeno foto-eléctrico que Einstein correctamente interpretou. Esse efeito está sob múltiplas formas omnipresente no mundo contemporâneo – desde grandes dispositivos astronómicos até máquinas fotográficas e fotocopiadoras comuns.

Os lasers que gravam e lêem CD e DVD são uma invenção baseada numa descoberta teórica de Einstein, cuja utilidade passou muito tempo desapercebida. Hoje, os lasers são instrumentos fundamentais tanto no registo e leitura de informação como na sua transmissão, designadamente mediante a propagação via cabo óptico; estão presentes nos gabinetes médicos e hospitais, em dispositivos de diagnóstico e de tratamento; nos giroscópios que apoiam a navegação de aviões (e condução de mísseis e bombas teleguiadas); etc.

O relógio atómico, realizado em meados da década de 1950 nos EUA, Grã-Bretanha e União Soviética, depois internacionalmente adoptado como padrão do tempo em 1967, utiliza um amplificador de micro-ondas maser, sendo assim um resultado indirecto da descoberta da emissão estimulada (Einstein, 1917); as versões actuais de relógio atómico atingem a precisão de 1 segundo em vários milhões de anos; e versões em desenvolvimento, utilizando um condensado de Bose-Einstein (concebido em 1924) e luz laser, permitirão uma precisão mil vezes superior.

Essas grandes precisões podem parecer preciosismos gratuitos, mas não o são. Já estamos familiarizados com os GPS, dispositivos que permitem fazer a localização exacta de um local na Terra e, em consequência, estudar com rigor a sua forma e apoiar a navegação de quaisquer veículos; aviões e navios utilizam-nos há largos anos e os automóveis já começaram a ser equipados com eles também. O GPS (Global Positioning System), à semelhança do GLONASS soviético e o próximo GALILEO Europeu (anunciado para 2008), é um sistema de cerca de 24 satélites terrestres, seguindo trajectórias previsíveis e monitorizáveis, cada um levando a bordo um relógio atómico e um computador e emitindo dois sinais de rádio codificados. Um observador na Terra, receberá os sinais emitidos pelos satélites acima do seu horizonte e, com o auxílio de um pequeno receptor GPS, por triangulação calcula a sua posição; instrumentos correntemente acessíveis conseguem uma precisão de alguns poucos metros. Mas para atingir esse grau de rigor, o sistema tem de incorporar duas «pequenas» correcções relativistas (isto é, fornecidas pela Teoria da Relatividade), uma devida à velocidade a que se deslocam os satélites e a outra devida à influência da gravidade terrestre sobre a velocidade de propagação dos sinais de rádio.

O pacifista

Einstein viveu em Zurique desde 1895, tendo-se licenciado em 1900 na Escola Politécnica, e aí permaneceu procurando arduamente um emprego seguro, até 1902, quando foi admitido como terceiro oficial no Serviço Suíço de Patentes em Berna.

A despeito da privação material, chegando mesmo a alimentar-se precariamente, o ambiente cultural de Zurique proporcionava a Einstein condições de grande enriquecimento; e é nesse ambiente cultural que o jovem Einstein forja a sua cultura científica e personalidade. Entre a adolescência e a juventude, Einstein lê Kant e inicia-se na leitura de autores socialistas, particularmente Marx e Mach. Tais leituras terão sido estimuladas pelo seu colega Friedrich Adler, também estudante de física com inclinação para a filosofia e a leitura dos clássicos do marxismo, que abandonaria a carreira científica para se dedicar à política no partido socialista austríaco.

Nessa parte da Europa Central estavam então em gestação três grandes revoluções da passagem do século: o marxismo, a psicanálise e a física moderna. Zurique era uma incubadora de revoluções; nas repúblicas estudantis o clima de liberdade era «inebriante» e discutiam-se a modernidade e o socialismo; por lá passaram personalidades que se tornariam famosas: o fundador do Estado soviético, Lénine, e outros patriotas russos; Rosa Luxemburgo, fundadora do Partido Comunista Alemão; Théodor Herzl, fundador de Israel; Jung, um dos fundadores da psiquiatria.

É aí também que, em 1901, adquiriu a nacionalidade suíça. Em 1902, pouco antes de assumir o seu primeiro emprego permanente, Einstein cria com alguns amigos a «Academia Olímpia», com outros amigos como «membros correspondentes». Esse grupo de recém-formados à procura de emprego constituía uma contra-cultura das mais profícuas da história da ciência, comparável ao grupo de discussão liderado por Freud, e que na mesma época se reunia em Viena.

Em 1914, pouco antes da deflagração da Primeira Guerra Mundial, Einstein foi nomeado professor da Universidade de Berlim, e académico na Academia das Ciências Prussiana. Instalou-se então em Berlim e readquiriu a nacionalidade alemã. Em 1922, foi distinguido com o Prémio Nobel de Física de 1921. Porém o seu pacifismo e a sua origem judaica haviam-no tornado impopular entre os nacionalistas alemães, e os seus sucessos científicos e o reconhecimento internacional agravariam o ódio dos nacionalistas.

Durante a Guerra Mundial permaneceu em Berlim, completando a sua teoria da relatividade generalizada, mas de modo algum indiferente aos acontecimentos políticos e militares. Ele opunha-se à guerra, alinhando com a corrente minoritária do partido Social-Democrata que via nela a disputa entre as classes dominantes das potências beligerantes. Manifestou-se um pacifista oposto à guerra logo aquando da sua deflagração e mostrou-se chocado pela iniciativa de colegas seus que apoiavam os esforços de guerra dos respectivos países.

O Manifesto de Fulda, também conhecido por «Manifesto ao Mundo Civilizado», publicado em Outubro de 1914, pouco tempo após o início da guerra, era uma peça de propaganda que procurava contrariar as notícias atrozes da guerra e colocar a cultura ao lado do militarismo alemão. Foi subscrito por 93 intelectuais alemães, incluindo muito cientistas ilustres, mas que Einstein se recusou a subscrever. Pelo contrário, Einstein redigiu um contra manifesto, «O Internacionalismo e a Paz» ou «Manifesto aos Europeus», que poucos tiveram a convicção e a coragem de assinar, e que a imprensa alemã procurou suprimir.

Einstein aderiu então à Liga da Mãe-Pátria, uma associação política unitária de espectro largo que defendia um rápido fim para a guerra e o estabelecimento de uma organização internacional que prevenisse futuros conflitos armados.

O activismo político de Einstein acentuou-se após o termo da Primeira Guerra Mundial. Ele advogou o pacifismo e a não-violência, e a cooperação internacional, e nesse sentido utilizou todas as plataformas e particularmente os fóruns e redes de contactos científicos, e colaborou com a Liga das Nações.

Contava a seu favor com o prestígio internacional que adquirira e se consagrara na atribuição do Prémio Nobel. Participou intensamente na vida cultural, social e política durante a República de Weimar, sendo por vezes porta-voz de posições contra a ascensão virulenta e violenta do ultra-nacionalismo, racismo e anti-semitismo, que atravessou a Alemanha durante a década de 20. Contrariando a elevação das propinas dos estudantes, o seu idealismo igualitário levou-o a oferecer aulas quotidianas e gratuitas em horário pós-laboral.

Crítico do nacionalismo e defensor de um governo mundial, em 1922 integrou o Comité para a Cooperação Intelectual da Liga das Nações, em cujos trabalhos participou com regularidade entre 1924 e 27. Nessa década, participou em numerosas campanhas pacifistas e escreveu artigos sobre o desarmamento e a paz internacional.

Em 1933, Hitler chegaria ao poder na Alemanha. Einstein, judeu e socialista, encontrou-se ameaçado. Avisado e aconselhado a emigrar, renunciou de novo à cidadania alemã e parte para o exílio. Em Outubro de 1933 parte de Inglaterra a bordo de um navio para os Estados Unidos da América, onde se naturalizaria em 1940 como cidadão norte-americano (preservando todavia a nacionalidade suíça).

Após optar pela permanência definitiva em 1935, até ver-lhe atribuída a nacionalidade norte-americana em 1940 (mantendo a suíça), mesmo nesse contexto, Einstein manteve sempre a sua actividade cívica. Apelou para que os refugiados fossem autorizados a emigrar para os EUA. Ele apoiou a República Espanhola durante a Guerra Civil, ao denunciar e apelar ao fim do embargo de armas pelos «países ocidentais» à República Espanhola enquanto esta era assediada e seria derrotada pela sublevação fascista, apoiada pelo nazi-fascismo alemão e italiano.

Perante a agressividade do imperialismo alemão, quando a deflagração da Segunda Guerra Mundial parecia estar eminente, Einstein iria interceder.

Em Julho de 1939, depois de ler os comentários manuscritos de Leo Szilard e Eugene Wigner sobre a fissão nuclear, terá ficado convencido de que os alemães poderiam fabricar uma bomba nuclear. A 2 de Agosto, Einstein escreveu a famosa carta ao presidente Roosevelt, alertando-o para a possibilidade de fabrico de uma bomba nuclear, advertindo-o para a ameaça de a Alemanha poder desenvolver essa arma, e incitando-o a antecipar-se. Por sugestão de mais alguns cientistas, Einstein insistiu ao escrever mais uma carta a Roosevelt, em 7 de Março de 1940; mas, uma vez mais, o presidente não foi aparentemente influenciado. O «projecto Manhattan» só seria decidido em Outubro de 1941. Einstein não foi porém parte activa do «projecto Manhattan» porque não só era um pacifista como era conhecido pelas suas «ligações suspeitas» às correntes de esquerda.

Mas ainda antes da utilização da arma nuclear sobre o Japão (Agosto de 1945), Einstein manifestou a sua grande preocupação relativamente à perspectiva da sua efectiva utilização, bem como a uma futura corrida aos armamentos e às guerras preventivas (carta a Niels Bohr, Dezembro 1944).

O lançamento da bomba nuclear em Hiroshima (6 de agosto de 1945) produziu um doloroso impacto em todo o mundo e o sentimento de culpa em muitos dos cientistas que haviam trabalhado no «projecto Manhattan» e que depois, pelo seu críticismo, seriam perseguidos como dissidentes de um novo projecto imperial. Terminada a guerra, Einstein protestou contra a criminosa incineração nuclear de Hiroshima e Nagasaki – em Agosto de 1945, apenas três meses após a rendição da Alemanha. Um novo expansionismo militarista acabava de emergir das cinzas de uma guerra devastadora. Ele lamentaria amargamente ter encorajado esse projecto, apesar das circunstâncias da ocasião, e em breve seria protagonista destacado nas campanhas que cresceram pela paz, a abolição de armas nucleares, e um governo mundial que assegurasse a ordem mundial.

Esses anos foram assinalados pela fúria anticomunista, alimentada pelo ódio ao prestígio e poder que a União Soviética adquirira pela sua resistência e papel determinante na derrota nazi. Muitos cientistas que haviam participado no projecto Manhattan questionaram a utilização da arma nuclear e recearam uma corrida armamentista com a União Soviética. Com vista a contrariar essa evolução, foi criado o Comité de Emergência de Cientistas Atómicos, no próprio mês de Agosto de 1945, cuja finalidade era conseguir que a energia nuclear fosse subtraída do âmbito militar e colocada sob jurisdição internacional. Convidado, Einstein assumiu a presidência deste Comité.

Como presidente desse Comité, Einstein procurou avistar-se com o Secretário de Estado para discutir o que considerava ser uma grave ameaça à paz mundial. A entrevista foi declinada e Einstein foi recebido por um funcionário intermédio da Comissão de Energia Atómica, a quem descreveu a política estrangeira do governo norte-americano como expansionismo anti-soviético e ambição imperial – tendo utilizado o termo Pax Americana que entraria no discurso político para descrição da corrente fase histórica do imperialismo.

Após o primeiro teste nuclear soviético (Agosto de 1949), acelerou-se a corrida no desenvolvimento de armas nucleares. Em Março de 1954 verificou-se o teste da primeira super-bomba de hidrogénio ou termonuclear norte-americana, no Atol de Bikini.

As realizações materiais da União Soviética, e concretamente o respectivo desenvolvimento da arma nuclear nesse clima de guerra-fria, teriam de ser negadas pelo imperialismo norte-americano. Esse desenvolvimento teria de ser justificado pela acção de espiões ou traidores que haveriam transmitido à outra parte o «segredo» da bomba. Um episódio trágico que adquiriu grande repercussão nacional e internacional foi a acusação, julgamento e execução do casal Julius e Ethel Rosenberg, no início da década de 50. Einstein escreveu ao juiz do processo, alegando que este não provava a culpabilidade para além de dúvida razoável, e que mesmo a ter-se verificado fuga de informação científica, esta não era de natureza vital. Sem ter obtido resposta, dirigiu-se então ao Presidente Truman, mas este tão-pouco respondeu. Então divulgou a sua carta à imprensa e depois escreveu uma outra carta aberta no New York Times em que, em última instância, apelava à clemência presidencial. Mas nem o prestígio de Einstein deteve a fúria imperial, e o casal foi mesmo executado (Junho de 1953).

Faleceu em 1955 e as suas cinzas foram dispersas em local desconhecido.

O Manifesto de Russell-Einstein

Na última etapa da sua vida, Einstein iria ainda contribuir para um novo e forte impulso ao movimento pacifista e anti-imperialista no plano internacional, com repercussões duradouras.

O Manifesto afirma: «(…) Na trágica situação que confronta a humanidade, cremos que os cientistas deveriam reunir-se numa conferência para avaliarem os perigos que resultam do desenvolvimento de armas de destruição maciça, e discutirem uma resolução no espírito da minuta anexa (…). Resolução: Convidamos este Congresso, e por seu intermédio os cientistas do mundo e o público em geral, a subscreverem a seguinte resolução: “Em vista do facto que em qualquer futura guerra mundial serão certamente utilizadas armas nucleares, e que tais armas ameaçam a sobrevivência da humanidade, instamos os governos mundiais a reconhecer e a declarar publicamente, que os seus propósitos não podem ser prosseguidos pela guerra mundial, e instamo-los, consequentemente, a encontrarem meios pacíficos para a resolução de todas as causas de disputa entre eles.»

O Manifesto era também um apelo para um congresso entre cientistas dos dois grandes blocos político-militares emergentes da Segunda Guerra Mundial, mas tal encontro não viria a materializar-se como previsto. A carta de Einstein para Russell em 11 de Abril de 1955, concordando com os termos do Manifesto, representa o seu derradeiro acto público. A morte de Einstein, sete dias depois, precipitou a divulgação do Manifesto, subscrito apenas pelos seus promotores mais directos, e contribuiu para o seu impacto imediato.

Estes esforços contribuíram nessa oportunidade para o lançamento de vários outros movimentos pacifistas e anti-nucleares e para progressos diplomáticos que conduziriam ao Tratado PTBT, TNP e outros posteriores.

«O Militante» - N.º 278 Setembro/ Outubro 2005