Coligação em Lisboa: |
Carlos Chaparro
Membro do Comité Central do PCP e da
DORL
Lisboa foi dirigida durante uma década (79/89) por uma Coligação PSD/CD-PP, sendo a presidência da CML assumida pelo CDS-PP, através do Eng.º Krus Abecassis.
Esse período foi um dos mais negros da história da cidade, com uma gestão de cariz populista mas onde a marca fundamental foi uma marca de classe ao serviço dos grandes negócios.
Sem PDM aprovado, a gestão urbanística foi sendo realizada de forma casuística ao serviço dos grandes interesses especulativos. Lembremo-nos da construção das Amoreiras e das abortadas Torres do Tejo. Em paralelo, a vida da cidade degradava-se em todas as áreas, continuavam a crescer os bairros de barracas, a gestão do espaço urbano era um caos, fosse no trânsito, transportes ou estacionamento, fosse nos arruamentos e rede viária, ou na iluminação pública. Nas questões ambientais degradaram-se as áreas verdes e a limpeza urbana e com uma rede de saneamento sub-dimensionada que lançava no Tejo a quase totalidade dos esgotos da cidade.
Mas se a direita era responsável pelos atentados contra a cidade e pela degradação da qualidade de vida do seu povo, teve sempre a seu lado um precioso aliado – o Partido Socialista. O PS assumiu responsabilidades no Executivo Municipal, viabilizou a política de direita e foi-se isolando dos interesses populares e da sua própria base de apoio.
O PCP, no quadro da APU, foi quem assumiu a luta contra a política da direita, a defesa dos interesses populares e a apresentação de um projecto alternativo.
Tal papel foi amplamente reconhecido pelo povo da cidade nas eleições de 85, passando a segunda força, com 27% dos votos na CM e ganhando a presidência de 12 Juntas de Freguesia.
O PS viu penalizada a sua aliança com a direita, tendo alcançado 17% dos votos para a CM e perdendo as presidências das suas seis freguesias, ficando reduzido a zero. No mandato de 85 a 89 mantiveram-se os traços característicos da gestão da direita, o apoio do PS e a luta do povo, conduzida pelo Partido e pela APU. Havia, no entanto, a consciência de que sozinhos dificilmente derrotaríamos a direita coligada. Chegados às eleições e tendo a APU já o seu candidato à CM lançado publicamente, as dificuldades internas no PS (isolamento do seu Secretário-geral Jorge Sampaio) acabaram por propiciar as condições políticas para uma coligação à esquerda, disponibilizando-se o próprio Jorge Sampaio para a encabeçar.
Dando mostra de grande abertura democrática e colocando os interesses da cidade acima dos seus interesses partidários, o PCP viabilizou a Coligação encabeçada pelo PS para a CM e pelo PCP para a AM. O objectivo central foi a interrupção da ruinosa gestão da direita em Lisboa, mas também se teve em conta o quadro político nacional com o Governo de maioria absoluta do PSD/Cavaco Silva e com os bloqueios de unidade à esquerda por responsabilidade do PS.
A Coligação negociada pelo PCP e pelo PS definiu princípios, estrutura, programa, num quadro de autonomia de cada partido na convergência para alcançar os objectivos e cumprir o programa.
A vitória da Coligação nas eleições de 89 mostrou que era possível derrotar a direita e provou que, ao contrário do que se afirmava, a Coligação não diminuiu antes acrescentou votos, tendo votado mais eleitores do que o somatório do PCP com o PS.
Nos 12 anos de gestão da Coligação, Lisboa evoluiu positivamente em várias áreas:
– Colocou-se o aparelho municipal ao serviço da cidade e aprovou-se o PDM introduzindo o planeamento na gestão municipal;
– Erradicaram-se, no fundamental, as mais de 20.000 barracas da cidade;
– Avançou-se de forma significativa na reabilitação urbana, com a reabilitação de 9.000 fogos;
– Renovaram-se as infra-estruturas urbanas nas áreas do ambiente e da rede viária, definiu-se uma política de estacionamento para a cidade;
– Construíram-se novos espaços verdes e revitalizou-se Monsanto;
– Adquiriram-se e renovaram-se vários equipamentos culturais, essenciais ao desenvolvimento de um projecto cultural para a cidade;
– Construíram-se e renovaram-se equipamentos desportivos e desenvolveu-se, com o movimento associativo, uma política desportiva de massas;
– Avançou-se com a descentralização para as Juntas de Freguesia.
Os 12 anos de gestão democrática em que o PCP representou um papel fundamental, não estando isentos de erros, ficam marcados de forma indelével na vidada cidade.
Nas eleições de 2001 a Coligação cometeu erros, fruto da teimosia de João Soares que torpedeou o lançamento da campanha, o que, conjugado com o desgaste político do Governo PS e com a campanha populista de Santana Lopes, lançada com muita antecedência e que tudo prometeu aos cidadãos de Lisboa, acabou por resultar na vitória do PSD para a CM de Lisboa.
Dois outros factores pesaram também neste resultado:
- O papel do Bloco de Esquerda (BE) que, concorrendo separadamente (depois da recusa em integrar a coligação de esquerda) e embora tenha tido um fraco resultado, menos de 12 000 votos, acabou por ser decisivo na eleição de Santana Lopes.
- A fraude eleitoral cometida em freguesias de presidência de direita: em cinco freguesias investigadas pelo Ministério Público concluiu-se que foram anulados mais de 800 votos expressos legalmente na Coligação de esquerda.
A gestão da direita, conduzida «à vez» por Santana Lopes e Carmona Rodrigues foi catastrófica para a cidade:
- Desarticulou-se a máquina municipal, passando a ser dirigida por assessores do PSD e do CDS-PP;
– Gastaram-se dezenas de milhões de euros na compra de serviços que podiam ser realizados pela estrutura municipal;
– Degradou-se ao extremo a situação financeira da autarquia ,que tem hoje uma dívida de curto prazo superior a 230 milhões de euros.
As promessas eleitorais foram metidas no baú do esquecimento, degradou-se o espaço público, rede viária, arruamentos, trânsito e estacionamento, iluminação pública, espaços verdes, etc.
O que caracteriza esta gestão são os grandes negócios de especulação imobiliária:
– Encerrou-se a Feira Popular para permitir a negociata com o Parque Mayer, negócio que permitiu ainda a instalação do Casino de Lisboa;
– Reviu-se de forma ilegal o PDM em regime simplificado visando desbloquear loteamentos em toda a cidade, de que Alcântara, Boavista, Vale de St.º António, Restelo, são exemplos claros;
– O papel do Partido Socialista foi, no mandato, extremamente negativo. O PS em vez de se afirmar como oposição, defendendo o programa com que se apresentou ao eleitorado e alinhando com os seus parceiros de Coligação, fez exactamente o contrário.
O PS deu como acabada a Coligação com o PCP e «Os Verdes» e votou favoravelmente todas as medidas essenciais à gestão da direita, planos e orçamentos, sociedades de reabilitação urbana (S.R.U’s), a negociata do Parque Mayer, esta de acordo com os loteamentos em Alcântara, Vale de St.º António e Boavista, viabilizaram os negócios com os clubes de futebol, têm um acordo com a direita no que respeita às empresas municipais tendo administradores nomeados na maioria delas.
Podemos assim afirmar que, em muitos aspectos, a gestão do mandato foi uma gestão tripartida entre o PSD e o CDS-PP com o acordo do PS, que votou mais vezes com a direita que com os seus parceiros de Coligação – o PCP e «Os Verdes». Não é assim de estranhar a afirmação de Carmona Rodrigues que, se ganhar, proporá um pacto de regime ao PS, que no fundo seria a continuação do que se passou neste mandato.
Este foi o quadro político com que iniciámos o ano de 2005, período em que era necessário clarificar o quadro de concorrência às autárquicas de Outubro.
Tomámos assim a iniciativa de propor ao PS, no final de Fevereiro, uma reunião que se deveria realizar com carácter de urgência na primeira quinzena de Março. O PS, que entretanto anunciou como seu candidato à presidência da CML Manuel Maria Carrilho, apenas nos respondeu no dia 7 de Abril, tendo ficado marcada para dia 13 de Abril uma primeira reunião com a presença dos secretários gerais José Sócrates e Jerónimo de Sousa. Nessa reunião avaliou-se o quadro de possibilidades de reedição de uma Coligação em Lisboa. A delegação do PCP colocou ao PS as condições consideradas essenciais para poder avançar:
1. Rectificação das mais gravosas políticas da direita:
– A situação financeira, a dívida a fornecedores
e a política de pessoal;
– Um plano de revisão do PDM e o fim das alterações
simplificadas;
– A reanálise dos grandes loteamentos;
– A reanálise do negócio do Parque Mayer;
– A construção de uma nova Feira Popular;
– O recuo da obra do túnel do Marquês;
– O papel das empresas municipais, nomeadamente EPUL, S.R.U.’s,
EMEL e EGEAC.
2. A Coligação ser, para todos os órgãos do município e da freguesia, constituída por duas forças motrizes – PCP e PS, sendo posteriormente alargada a outras forças políticas, nomeadamente ao Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) e ao BE.
3. Programa Eleitoral
4. Equilíbrio de forças na Coligação
5. O PS e o PCP absterem-se de formar Coligações negativas noutros concelhos do País.
O PS centrou-se em três questões:
– Não aceitação do PEV na Coligação;
– Mesmo reconhecendo que o BE não queria a Coligação,
insistência que devia estar desde início na sua formação;
– Correlação de forças ser baseada nos resultados
das últimas eleições legislativas.
Desde logo ficou claro que não aceitaríamos estas condições, tendo sido no entanto marcada uma nova reunião para aprofundar a discussão.
Na segunda reunião, já sem a presença dos secretários gerais, reafirmamos as nossas propostas, tendo havido aparente abertura da parte do PS que ficou de nos dar uma resposta até final dessa semana, o que fez por fax, reafirmando as posições da primeira reunião e explicitando uma exigência de o PS ter maioria absoluta na estrutura da Coligação e nos Órgãos Autárquicos da Cidade com a seguinte correlação de forças:
– Comissão Política da Coligação:
. 4 PS
. 2 PCP
. 1 BE; como se vê exclusão de «Os Verdes».
– Nos Órgãos Autárquicos a proporção
daria em nove vereadores:
. 6 PS
. 2 PCP
. 1 BE
E nas Freguesias teríamos:
. 32 encabeçadas pelo PS
. 15 encabeçadas pelo PCP
. 6 pelo BE
Com esta resposta o PS inviabilizou a possibilidade de reedição da Coligação em Lisboa e terá que assumir as suas responsabilidades, na medida em que colocou a sua perspectiva hegemónica acima do interesse da cidade.
A CDU, que era segunda força em 1989 e que é hoje a principal força autárquica da oposição em Lisboa pela postura e coerência política mas também pelas posições nos órgãos a CDU, tem quatro vereadores contra três do PS (1 passou-se para a direita), 20 presidências de Junta de Freguesia contra 15 do PS, maior grupo de esquerda e presidência da Assembleia Municipal.
A CDU não podia assim aceitar que o PS a remetesse para força de mero suporte eleitoral sem compromissos políticos, e com posições que a colocariam numa situação em que não teria hipótese de concretizar o programa e de contrariar as políticas de direita que o PS iria prosseguir na gestão municipal, na linha do que fez neste mandato.
Neste quadro, a CDU apresenta-se como a alternativa de esquerda para Lisboa, desde logo porque foi a única oposição no mandato à política de direita e porque tem um projecto alternativo, tem uma história de enraizamento nos bairros e freguesias da cidade e no movimento associativo há muitas dezenas de anos, participando na organização e luta dos trabalhadores e das populações.
É assim com optimismo que partimos para a batalha eleitoral, cientes das dificuldades mas com confiança no nosso trabalho e nas nossas propostas.
Os primeiros meses de actividade pré-eleitoral com uma forte actividade no terreno reforçam esta confiança. O contacto com a população e com as estruturas associativas a par de um forte alargamento unitário das listas e das comissões CDU, tem trazido um apoio crescente às nossas candidaturas, que contam já com centenas de apoios expressos, incluindo de cidadãos conotados com o PS, com o PSD e com o BE, mas que reconhecem no projecto da CDU o projecto que serve a cidade.
Todo este trabalho está a intensificar-se.
Estamos assim confiantes que os resultados de Outubro confirmarão a
CDU como a grande força autárquica de Lisboa, criando as condições
para resolução dos problemas e para a melhoria da qualidade
de vida de quem nela reside e trabalha.
«O Militante» - N.º 277Julho/ Agosto 2005