Faleceu Blanqui Teixeira

 

«Despedimo-nos hoje de Fernando Blanqui Teixeira, um camarada que nos deixa após uma vida inteiramente consagrada à causa da classe operária e de todos os trabalhadores, à causa libertadora do socialismo e do comunismo, causa que como intelectual revolucionário consequente convictamente abraçou.

Blanqui Teixeira nasceu em Coimbra em 4 de Maio de 1922. Em Lisboa aderiu em 1944 à Federação das Juventudes Comunistas e nesse mesmo ano ao Partido quando estudava no Instituto Superior Técnico e aí desenvolvia intensa actividade associativa. Foi membro da Direcção da Associação de Estudantes desta escola superior, dela tendo sido afastado por perseguição política. Aluno brilhante, formou-se em Engenharia Químico-Industrial em 1945 com a mais alta classificação do seu curso, tendo mesmo chegado, não oficialmente, a assistente da cadeira de Química Geral. Logo aí revelou qualidades que o tornaram conhecido e respeitado entre os seus colegas e na sua classe profissional, possibilitando ulteriormente o notável movimento de solidariedade cívico e democrático que contribuiu fortemente para a sua libertação em 1971, movimento que mobilizou muitas centenas de engenheiros e no qual a própria Ordem se empenhou activamente.

Blanqui Teixeira tornou-se funcionário do PCP e mergulhou na clandestinidade em 1948, no momento em que o imperialismo desencadeava a “guerra fria” e intensificava no plano internacional a ofensiva anticomunista. Entregando-se a partir daí por inteiro à acção revolucionária, Blanqui realizou as mais variadas tarefas técnicas e de organização, nomeadamente como membro da Direcção Regional de Lisboa e de outros organismos de Direcção Regional.

Em 1952 tornou-se membro do Comité Central, função que exerceu com a maior dedicação durante quase cinquenta anos, tendo desempenhado das mais altas responsabilidades na Direcção do Partido.

Ainda antes do 25 de Abril fez parte do Secretariado e da Comissão Executiva do Comité Central, podendo afirmar-se com verdade que, no quadro do nosso grande colectivo partidário, ele foi um protagonista particularmente destacado da Libertação do povo português da ditadura fascista. A sua eleição como deputado por Coimbra à Assembleia Constituinte premeia simultaneamente um Partido e uma figura de antifascista sem os quais a revolução não teria sido possível.

Depois do 25 de Abril Blanqui Teixeira foi membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central e da Comissão Central de Controlo. Foi responsável pela Comissão de Organização, pelas organizações do PCP nos Açores, na Madeira e na Emigração, ocupou-se com grande competência da área da Defesa Nacional e foi, desde 1975 até ao ano 2000, Director de O Militante, Boletim de Organização e Revista central do Partido, onde deixou um sulco muito fundo do rigor e da solidez ideológica que o caracterizavam.

Não creio ser este o momento adequado para desenvolver a rica e multifacetada biografia do cidadão revolucionário, do homem inteligente, culto e solidário, do comunista corajoso, perseverante, convicto e convincente nos seus ideais que o camarada Blanqui Teixeira foi.

Mas não pode esquecer-se que, como tantos outros combatentes da Liberdade, ele conheceu a dureza da clandestinidade, da privação da companhia de familiares e amigos, da perseguição política, da prisão, da tortura e que esteve sempre à altura das suas responsabilidades de comunista, nunca esmoreceu na justeza do projecto revolucionário do seu Partido. Preso em 1957 e em 1963, de imediato voltou à luta e à sua condição de revolucionário profissional, uma vez conseguida a evasão em 1958 ou alcançada a sua libertação em 1971, após oito longos anos nas cadeias fascistas.

Este quadro intelectual que em tese poderia ter tido a vida desafogada e confortável da generalidade dos seus colegas de profissão fez uma corajosa e consciente opção de classe a que foi fiel toda a sua vida, mantendo-se em plena actividade e dedicando todas as suas forças e energias às tarefas da Comissão Concelhia do Barreiro, organização em que militou nos últimos anos, terra vermelha onde muito tempo viveu e que muito amou.

Blanqui Teixeira foi, é, um daqueles “indispensáveis” de que nos fala o belíssimo e sempre actual e inspirador poema de Brecht. Vamos sentir a sua falta, sobretudo aqueles que mais de perto com ele trabalharam ou conviveram e que mais próximos estiveram tanto do seu elevado nível de exigência para consigo e para com os outros, como da sua prodigiosa memória ou do seu fino sentido de humor.

A melhor homenagem que podemos prestar à sua memória é valorizar e praticarmos nós próprios o que de melhor vive no seu exemplo de revolucionário.

E aí há uma marca que não esqueceremos nunca – a sua profunda compreensão do carácter insubstituível da Organização partidária e do valor do trabalho colectivo, a sua verdadeira paixão pelo trabalho de construção do Partido, o empenho que procurava incutir em todos os militantes na realização de tarefas tão elementares quanto decisivas, como o recrutamento, a constituição de organismos, a formação política e ideológica de quadros, a difusão do “Avante!” e de “O Militante”, a recolha de fundos para o Partido.

Blanqui Teixeira deixa-nos em tempos conturbados de grandes perigos em Portugal, na Europa e no mundo. O capitalismo mostra a sua face mais brutal no Iraque, na Palestina e noutros pontos do planeta. A intensificação da exploração dos trabalhadores corre a par com violentos ataques à liberdade e à soberania dos povos e as mais cruéis guerras de agressão. Mas estes que são tempos de resistência e de acumulação de forças, são simultaneamente tempos em que reganha força a luta dos trabalhadores e dos povos e se renovam os motivos de confiança no futuro socialista da Humanidade.

Diante de nós estão no imediato duras batalhas contra a violenta ofensiva de um governo de direita cuja face se revela cada dia mais arrogante, mais incompetente, mais sombria e reaccionária.

Diante de nós temos o XVII Congresso do Partido e quanto ele representa de importante no caminho do reforço orgânico e da influência política dos comunistas portugueses na vida nacional.

São tarefas exigentes a que nos lançamos com a confiança e a convicção que nos vem da justeza das causas e do projecto que defendemos, causas e projecto que animaram toda a vida do camarada Blanqui Teixeira e cujo exemplo de revolucionário estará sempre a nosso lado.»

Alocução de Albano Nunes
no funeral de Blanqui Teixeira, em 3.10.04

 

«O Militante» - N.º 273 Novembro/Dezembro de 2004