Eleições para o Parlamento Europeu
A evolução da União Europeia desde a adesão de Portugal



Economista. Membro do Gabinete do PCP no Parlamento Europeu

As eleições para o Parlamento Europeu (PE) são já no próximo dia 13 de Junho. A falta de informação e a desinformação sobre as questões europeias, ajudam à mistificação e à demagogia. As políticas e orientações comunitárias têm profundos reflexos na política nacional. Crescem os riscos de Portugal se tornar cada vez mais periférico e dependente na União Europeia (UE). Neste contexto, importa mobilizar o povo português para a importância do resultado das próximas eleições para o PE e da eleição de homens e mulheres consequentes na defesa dos interesses do país e de quem trabalha, que defendam um outro rumo para a Europa. Este texto é apenas um contributo para o debate necessário sobre as questões europeias.

Federalismo e neoliberalismo – duas faces da mesma moeda

Há 18 anos que Portugal entrou para a então Comunidade Económica Europeia. A adesão à UE foi sem dúvida o acontecimento mais marcante para o país após a Revolução de Abril, por tudo o que a integração significou, e significa, não só para a soberania e independência nacional, como para o desenvolvimento do país.

O ritmo da integração europeia acelerou sem paralelo. A lógica dos pequenos passos foi solidificando a natureza federal desta construção e a sua profunda natureza de classe, pavimentando o caminho para outros passos de maior amplitude.

O fracasso do último Conselho Europeu de Bruxelas em fazer aprovar a denominada «Constituição para a Europa» foi um reflexo das contradições na repartição do poder entre as grandes potências, face ao passo que esta representa na «constitucionalização» do federalismo, do neoliberalismo e do militarismo.

Mas este fracasso não pode fazer esquecer nem os passos significativos dados desde 1986, nem as recentes pressões do PE e dos lobbies do grande patronato europeu – a mesa-redonda dos industriais europeus (ERT) e a união das confederações patronais europeias (UNICE) – que, reiterando o seu apoio ao texto da Convenção Europeia, pretendem que este seja aprovado antes das eleições para o PE.

Importa por isso lembrar um pouco da história recente da UE desde a adesão de Portugal, para melhor compreender o caminho para onde nos querem levar, mas também pôr em evidência as implicações crescentes das orientações e políticas comunitárias nas políticas nacionais, na prossecução de uma política de direita. Este balanço não pretende medir custos e benefícios, mas sim mostrar a natureza de classe da UE. Nada melhor por isso que ver a história recente da UE em paralelo com o contributo activo de uma das organizações do patronato mais influentes – a ERT. Na brochura comemorativa dos 20 anos da sua existência – «ERT HIGHLIGHTS 1983-2003» (www.ert.be), é claro como esta UE é «filha» do grande capital multinacional e apadrinhada pelo consenso entre as forças de direita e da social-democracia, sendo estreita a ligação entre cada avanço do federalismo e a solidificação do neoliberalismo na UE. Duas faces da mesma moeda?

1986 - Um ano de viragem – a adesão de Portugal

A adesão de Portugal à UE tinha como consequência a sua participação no processo de integração capitalista europeu, onde a economia de mercado livre e o primado da concorrência eram eixos fundamentais, tentando assim assegurar a «irreversibilidade» de alguns dos «ajustes de contas» já então feitos com a Revolução de Abril.

A economia portuguesa – o nosso tecido produtivo – não estava preparada para o embate da adesão. A liberalização dos mercados e o acréscimo de concorrência teriam consequências sobre os principais sectores produtivos tradicionais. Às debilidades estruturais e ao atraso da nossa economia, fruto acumulado de quase meio século de fascismo, agravado pelo boicote económico dos grandes grupos económicos na Revolução de Abril, juntava-se um período de crise económica internacional e uma indefinição estratégica do país sobre os eixos do seu desenvolvimento, a sua especialização produtiva e o seu papel na divisão internacional de trabalho. A UE veio colmatar por omissão essa lacuna, mas sem ter em conta as especificidades e as necessidades do desenvolvimento económico em Portugal. Situação agravada pela «subordinação da política governamental ao objectivo da restauração do poder do grande capital e a inexistência de uma firme política de defesa dos interesses nacionais», que conduziu «a que estes não fossem devidamente acautelados no processo de negociação da adesão» mas também «a que compromissos e exigências dela decorrentes fossem constantemente precipitados e antecipados», na lógica de «bom aluno». Pois mesmo dentro do enquadramento comunitário uma outra política era possível e necessária.

A ERT e o Mercado Único

A adesão de Portugal ocorre num contexto internacional onde se agudizava a «guerra fria» e se acentuava a resposta do capitalismo, cada vez mais liberal e conservadora (governos Reagan/Tatcher), à crise económica e estrutural que ainda atravessa.

Este contexto teve reflexos na integração europeia. A presença e o impulso federalista do grande patronato europeu reforçaram-se com o lançamento da ERT em Abril de 1983, agrupando então 17 líderes de grandes multinacionais europeias (hoje 45), respondendo ao repto lançado pelo então Comissário Etienne Davignon.

A ERT tornou-se nestes 20 anos um dos principais construtores da UE, tendo saído das suas propostas grande parte dos avanços da integração comunitária e os principais documentos de referência elaborados pela Comissão Europeia. A ERT pretendia pôr no centro da política económica europeia a competitividade, a liberalização e flexibilização dos mercados de produtos, trabalho e capital, assim como o reforço da competitividade externa. Para isso via como necessário o aprofundamento do rumo federal da integração europeia, por forma a criar «um clima político favorável», que permitisse um processo de decisão europeu rápido e efectivo em todas as áreas de interesse para as grandes empresas e que pusesse em marcha as suas principais prioridades.

Esta intenção pretendia elevar o capitalismo monopolista de Estado a um patamar europeu, que permitisse a prazo a consolidação de um capital de bandeira europeia, assente nas grandes potências, sendo para isso necessário reforçar a integração económica regional encetada em 1957. Se a integração económica regional é um traço do capitalismo do século xx, uma consequência do processo de concentração e centralização do capital, da crescente «financeirização» e liberalização do capital e da internacionalização da divisão do trabalho, também é verdade que a integração europeia tinha na sua génese ir mais além do que uma união aduaneira «reforçada». A integração regional europeia servia dois propósitos: a concertação capitalista, avançando com políticas e orientações comuns; e a rivalidade capitalista, criando um bloco económico preparado para a guerra comercial entre blocos e um mercado não fragmentado, que permitisse reduzir os custos de produção e transacção e aumentar os lucros.

A ERT necessitava reforçar a competitividade, de dar um novo ímpeto à concretização do mercado interno no mais curto espaço de tempo, eliminando as barreiras aduaneiras ainda existentes, promovendo a abertura dos mercados públicos, incentivado a harmonização fiscal, mas também criando uma rede de infra-estruturas viárias transeuropeias que permitisse uma maior unificação dos mercados, uma melhor distribuição da cadeia de valor a nível comunitário e a promoção das trocas intracomunitárias. Este era o teor da comunicação da ERT, elaborada por Wisse Dekker, «Europa 1990: uma Agenda para a Acção», lançada em Janeiro de 1985.

A ERT precisa(va) de uma Comissão Europeia forte, que pusesse no centro do debate europeu as suas prioridades, o seu projecto. Esse ímpeto chega com a entrada em funções de Jacques Delors para presidente da Comissão Europeia (Janeiro 1985), que assume o projecto da ERT como seu e apresenta o denominado «Programa 1992», que pretendia completar o mercado interno até 1992, pavimentando o caminho para a primeira alteração substancial dos Tratados comunitários, com o Acto Único Europeu (1986). Avançar com as redes transeuropeias de transportes e a formação profissional, tornaram-se as grandes prioridades financiadas pelos Fundos Estruturais comunitários, que foram então duplicados no denominado Pacote Delors I e que definiu o primeiro quadro financeiro comunitário (1988 a 1992).

Os excedentes agrícolas comunitários e as negociações agrícolas no âmbito do GATT faziam pressão para alterações profundas da Política Agrícola Comum (PAC), no sentido de alterar os mecanismos de regulação do mercado existentes, encetar um processo de desvinculação das ajudas agrícolas à produção e controlar a oferta de produtos agrícolas, através, por exemplo, de quotas, no sentido da redução da produção.

A adesão de Portugal dá-se assim neste momento particular de reforço do federalismo, do acentuar da liberalização dos mercados e de reorientação da PAC para a redução da produção agrícola, a um país já então com forte dependência alimentar, e cuja única compensação viria dos Fundos Estruturais, que permitiam apoiar o desenvolvimento regional nas linhas definidas pela Comissão Europeia.

 

1989/1992 O novo impulso - O Tratado de Maastricht

A derrota do bloco socialista abriu portas para uma maior expansão do capitalismo a nível mundial. Em Novembro de 1989, a ERT enviava uma carta a Delors, no sentido de aproveitar o momento para avançar a integração comunitária com a criação de uma moeda única, a relação económica com os países da EFTA e o apoio político/económico à reconversão dos países de leste. Resultado: o euro, a criação do espaço económico europeu e o alargamento.

A ERT contribuiu para o relatório Cecchini «os custos da não-europa» (1990) e em Maio de 1991 publica o seu best-seller «Redesenhar a Europa», apoiado publicamente por Delors. O esforço não foi em vão. A reunificação alemã abria portas para a criação do Euro. A crise económica e do sistema monetário europeu (SME) de 1992, com aumento histórico do desemprego, criavam as condições para uma resposta mais radical, mais federal, mais liberal após alcançadas as metas do «Programa 1992».

Os esforços da ERT seriam rapidamente satisfeitos com a aprovação do Tratado de Maastricht (Dezembro 1991). Apesar do processo de ratificação ter tido alguns problemas de percurso (o não dinamarquês e o sim tangencial francês), o Tratado acabou por entrar em vigor, tornando-se até hoje a revisão mais significativa, no sentido da integração europeia se aproximar da criação de um bloco político, económico e militar.

O primeiro objectivo era criar uma moeda única no espaço de uma década, para completar o mercado interno, garantir a estabilidade de preços – a moderação salarial – e reduzir os custos de internalização das grandes empresas multinacionais europeias, para além de se criar uma moeda forte, com cariz de reserva internacional, para rivalizar com o dólar. Mas o Tratado reforçava também a coordenação das políticas económicas a nível europeu, abrindo o quadro da supervisão orçamental multilateral. Ambos os passos com profundas consequências do ponto de vista da nossa soberania económica, reduzindo não só os instrumentos de política económica, como deixando como únicas variáveis de ajustamento a situações de crise, os salários e o emprego. Para Portugal este era o maior condicionamento ao seu desenvolvimento económico e, de um ponto de vista geral, sacrificava-se a política económica aos interesses privados das grandes multinacionais europeias, o que, conjuntamente com um processo acelerado de convergência nominal, teria(tem) consequências negativas sobre o crescimento económico e o emprego.

Mas o Tratado de Maastricht juntava um segundo e terceiro pilar ao Mercado Interno: o desenvolvimento de uma Política Exterior e de Segurança Comum (PESC), com o objectivo a prazo de criação de uma política de defesa comum; e o reforço do domínio da Justiça e dos Assuntos Internos (JAI); para além do aumento da transferência de competências para a UE em diversos domínios, alargando o âmbito da decisão por maioria qualificada no seio do Conselho e paralelamente reforçando o papel das principais instituições comunitárias.

De Edimburgo a Essen: competitividade e alargamento

Num clima de crise, o Conselho de Edimburgo de 1992, aprova o segundo quadro financeiro comunitário (Pacote Delors II – 1993 a 1999), que duplicou novamente os Fundos Estruturais, também para fazer face à crise económica que se vivia e às prioridades incluídas na comunicação da ERT «Reconstruir a Confiança».

No Conselho Europeu de Copenhaga (1993), a UE dá o passo decisivo para o seu futuro alargamento aos países da Europa de leste. Criam-se assim as condições para garantir o avanço do capital europeu para o leste e encetar um processo de reconversão destas economias, nomeadamente com a aceitação do modelo de economia de mercado e do primado da concorrência, baseada num rápido programa de privatizações e liberalizações dos mercados públicos, que teve como efeito uma redução do produto, o aumento do desemprego e o aumento do défice da balança de transacções correntes, para além da deterioração das condições sociais e regressão nos direitos sociais e do trabalho. A ERT sempre apoiara estrategicamente o alargamento, pois apesar das contradições que acarretava seria a perfeita justificação para pressionar uma maior reforma do processo de decisão comunitária no futuro.

Por proposta da ERT, o Conselho Europeu de Essen (Dezembro 1994) criou um Grupo de Conselheiros sobre a competitividade, o qual desenvolveu o conceito de benchmarking – indicadores de aferição de desempenho – que seria um instrumento para medir e comparar o desempenho dos Estados-membros no cumprimento das metas europeias, elemento central da futura «Estratégia de Lisboa».

1997/2001 O papel da social-democracia Rumo à «Estratégia de Lisboa»

É curioso (ou talvez não!) que os maiores passos na concretização da doutrina económica liberal e conservadora, serão dados num período de domínio de governos social-democratas na UE (13 dos 15 Governos na UE, incluindo-se obviamente o Governo PS de Guterres).

A primeira peça do puzzle foi a criação do Pacto de Estabilidade em Julho de 1997 (Conselho Europeu de Amsterdão), uma peça fundamental de suporte da União Económica e Monetária (UEM) que pretendia acelerar o processo de consolidação orçamental, com o objectivo de classe central de ataque ao sector público e aos trabalhadores da administração pública. Este instrumento de supervisão, com efeitos dissuadores e sancionatórios, mais do que reforçar a coordenação económica a nível europeu, era um embrião potencial de um futuro governo económico europeu. Os constrangimentos orçamentais do Pacto, tinham efeitos directos sobre o crescimento económico e o emprego, e como se viu recentemente, não só não sobrevive ao teste da realidade de uma recessão económica, como potenciou as condições recessivas da economia na UE, nomeadamente em Portugal.

Outro instrumento com um cunho claro de classe, foi o da Estratégia Europeia de Emprego (EEE), aprovada no Conselho Extraordinário do Luxemburgo (Novembro 1997). A ERT (tal como a UNICE) há muito que exigia a necessidade de uma maior flexibilização dos mercados de trabalho, peça-chave de suporte da UEM. Desde Abril de 1996, a ERT desenvolveu encontros bilaterais sobre o contributo da flexibilização do trabalho para a criação de novos postos de trabalho, nomeadamente com Helmut Kohl, Tony Blair, Jean Claude Juncker e Jacques Santer, o novo presidente da Comissão Europeia. Em carta dirigida ao Conselho Extraordinário, a ERT defendia a ideia de «flexibilidade positiva», ou seja, encontrar novas maneiras de empregar as pessoas, realçando a necessidade de promover o espírito empresarial, a responsabilidade individual e a adaptabilidade. Estes foram os eixos centrais da EEE, onde o conceito de empregabilidade surgiu, ou seja, o trabalhador tem de criar as condições para ser empregável! A EEE tinha como objectivos promover a flexibilização da organização do tempo de trabalho, formas atípicas de trabalho, a adaptabilidade, a mobilidade geográfica e profissional, para além da alteração dos sistemas de formação dos salários e da fiscalidade sobre o trabalho. O que significou um profundo retrocesso nos direitos de quem trabalha na UE, tendo em conta que se tornou base das reformas laborais posteriormente efectuadas pelos Estados-membros, como foi o caso do Pacote Laboral em Portugal.

Mas o salto qualitativo na agenda neoliberal europeia deu-se com a aprovação da denominada «Estratégia de Lisboa», no Conselho Europeu de Lisboa (Março 2000), impulsionada pela presidência portuguesa da UE, então primeiro-ministro Guterres. Era definido um objectivo estratégico centrado em torno da competitividade – no espaço de uma década tornar a UE na economia baseada no conhecimento, mais competitiva e dinâmica do mundo. A satisfação da UNICE e da ERT com as conclusões do Conselho de Lisboa, não esconde a sua empenhada participação na definição das mesmas. A ERT afirma mesmo que Daniel Janssen, do seu Grupo de Trabalho para a Competitividade, teve um papel essencial na definição da «Estratégia de Lisboa». A ERT não podia ser mais clara ao afirmar «que as suas prioridades tinham sido aceites ao nível político». Parece que o convite de Guterres ao presidente de ERT, para contribuir para as preparações do Conselho Europeu de Lisboa, tinha surtido o efeito desejado.

Esta resposta do capital europeu à crise económica que se adivinhava era baseada em três eixos fundamentais: novas oportunidades de negócios, substanciadas pela liberalização dos mercados públicos (energia, transportes, serviços e contratos públicos) e as novas tecnologias; uma flexibilização do trabalho e dos salários que permitisse uma reserva de mão-de-obra barata, adaptável e móvel; e formas de financiamento, que passavam pela abertura a privados dos sistemas nacionais e pela integração dos mercados de capitais e serviços financeiros a nível europeu. Estratégia que, detalhada em inúmeros programas, metas e calendários, reforçou ainda a governação económica a nível europeu, com o lançamento dos Conselhos Europeus de Primavera. A ERT e a UNICE tornaram-se desde então guardiões da execução da «Estratégia de Lisboa».

De salientar neste período a aprovação da Agenda 2000, o terceiro quadro financeiro comunitário (2000 a 2006), onde pela primeira vez os Fundos Comunitários são mantidos ao nível do anterior quadro financeiro, apesar das perspectivas de alargamento a novos 10 países, com rendimentos per capita de cerca de 40% da média comunitária.

Durante este período vão ocorrer ainda mais duas revisões dos Tratados, o Tratado de Amsterdão (1997) e o Tratado de Nice (Dezembro 2000). Estas revisões continuaram, em menor escala, a aprofundar o rumo federal da UE e a reforçar o poder das grandes potências: mais transferências de competências, um novo alargamento do voto por maioria qualificada, a extensão das matérias abrangidas pela co-decisão, a comunitarização progressiva de áreas da PESC e da JAI, assim como progressos em relação às estruturas da política da defesa e a criação de capacidades militares autónomas. Ambas as revisões, estando enquadradas pela preparação do alargamento, evidenciaram as contradições das grandes potências sobre o poder numa UE alargada. A ERT considerava que estas ficavam aquém do desejado, tinha já na carteira o Conselho de Laeken, a futura Convenção Europeia e o «sonho» de uma «Constituição para a Europa».

2002/2004 Rumo à «Constituição»

Duas datas merecem particular atenção pelas suas consequências para a integração: a entrada em circulação do Euro a 1 de Janeiro de 2002, finalizando o processo de criação de uma moeda única, e a assinatura, a 16 de Abril de 2003, dos Tratados de Adesão que permitirão o alargamento efectivo a 10 países (1 de Maio 2004). O subfinanciamento do alargamento e a não negociação de um programa específico de apoio à economia portuguesa (quando Portugal será dos países mais afectados), conjuntamente com a expectativa de uma redução dos apoios no quadro financeiro após 2006, criam um cenário sombrio para o desenvolvimento económico do país, na sua crescente dependência e periferização face ao mercado comunitário.

A apresentação pela Convenção Europeia, a 13 de Junho de 2003, de uma «Constituição para a Europa», apesar de não ter obtido um acordo no Conselho Europeu de Bruxelas (Dezembro 2003), mostra claramente a dimensão do salto que alguns querem dar e o aparecimento de um novo instrumento de legitimação da revisão dos Tratados não democrático e que se pretende substituir aos respectivos parlamentos nacionais. A proposta da ERT, de inscrever nos objectivos da UE «ser altamente competitiva», não são meras palavras, corresponde à efectiva «constitucionalização» da agenda neoliberal de Lisboa, da política monetária do Banco Central Europeu, do Pacto da Estabilidade e do primado da concorrência. Constitucionalizando o federalismo e o poder das grandes potências com o alargamento do voto por maioria qualificada a mais áreas, pondo fim às presidência rotativas, criando o cargo de presidente do Conselho Europeu, reforçando os poderes executivos da Comissão Europeia (sobretudo no mercado interno) e do presidente da Comissão, reduzindo o número de Comissários, pelo reforço das áreas em que o PE se torna co-decisor, pela comunitarização da JAI, entre muitos outros. Tudo reivindicações do patronato incluídas na proposta de «Constituição».

Epílogo

Reconhecer a natureza de classe desta integração europeia, moldada pelos interesses do grande capital e das grandes potências, é um passo essencial para compreendermos o enquadramento comunitário e os objectivos da sua política. Essencial não só para não cairmos em oportunismos taticistas, mas para guiar a acção e luta do Partido no curto, médio e longo prazo, tendo em conta os condicionalismos para uma política de esquerda e democrática, do crescente peso das políticas e orientações comunitárias na política nacional. Evidenciar a ligação estreita entre federalismo e liberalismo no processo de integração comunitária é importante para não cairmos em ilusões utópicas de federalismos igualitários e termos ciente que os passos federais desta construção aprofundaram o liberalismo e o conservadorismo económico e social, hoje bem patente em Portugal.

Esta evolução comunitária a curto prazo torna difícil a sua alteração e, por isso, é vital uma resposta de classe, dos trabalhadores e dos povos contra esta Europa. Torna-se indispensável aproveitar as contradições, tendo presente as dificuldades intracapitalistas, para criar as condições objectivas para uma alteração profunda no rumo comunitário, consciencializando os trabalhadores e os povos dos perigos para a soberania e independência nacional e dos seus reflexos na definição das opções de desenvolvimento e escolha de modelo socioeconómico, mobilizando para luta por um outro rumo para a Europa. Por isso, é importante reforçar a votação da CDU nas próximas eleições para o PE a 13 de Junho. Porque uma outra Europa é possível!

 

«O Militante» - N.º 269 Março/Abril de 2004