O PCP na Revolução de Abril
- Contribuição criativa insubstituível



Membro do Comité Central do PCP e da Comissão Central de Controlo

A Revolução de Abril não foi só o derrubamento do governo fascista de Marcelo Caetano e a consequente mudança nos órgãos do Poder. Foi um grande movimento de democratização política e de transformações sociais e económicas que criaram condições para Portugal sair dos atrasos acumulados em meio século de ditadura fascista e 12 anos de guerras coloniais. Foi um poderoso processo revolucionário que, em pouco mais de um ano, mudou radicalmente o País.

O PCP pode orgulhar-se do papel que desempenhou nesse processo revolucionário, que marcou o século xx em Portugal.

As revoluções não acontecem: preparam-se

A intervenção do PCP na Revolução não se iniciou no dia 25 de Abril. O PCP tinha décadas de luta activa contra a ditadura fascista e uma maturação política que lhe dava uma percepção aprofundada das condições sociais, económicas e políticas do País; tinha um projecto para a democracia portuguesa, e uma ligação estreita com as classes trabalhadoras e as massas populares, desenvolvida nas lutas por objectivos concretos travadas nos anos do fascismo. Foi um abraço de décadas que ligou a luta pela liberdade à luta pelos direitos sociais. E foi observação longa e atenta da sociedade portuguesa e mundial que apontou a classe operária e outras classes trabalhadoras como força essencial no processo revolucionário para derrubamento da ditadura.

O VI Congresso (1965) foi momento importante nessa contribuição do PCP para o 25 de Abril. Nele se definiram as bases sociais da revolução e da contra-revolução, as formas de luta, os objectivos e condições para a democratização do País. (1) O Programa para a Revolução Democrática e Nacional, nele aprovado, comprovou corresponder a necessidades objectivas da democratização e desenvolvimento do País, e a aspirações profundas do povo português. De tal modo que, com a conquista da liberdade, de forma espontânea foi objecto de apropriação colectiva de vastas camadas do povo português, que o adoptaram como projecto de luta.

Mas para um partido revolucionário não basta contribuir para as condições de início de uma revolução: é preciso saber agir no decorrer da revolução: sem aventureirismos mas sem atentismos; sem oportunismos mas sem sectarismos.

A viragem do dia 25

O momento que marca o início de uma revolução é aquele em que uma alteração profunda na correlação de forças leva à mudança do poder político. Foi o que aconteceu na madrugada do 25 de Abril, com a insurreição dos capitães e o levantamento militar que nessa mesma manhã a apoiou.

Mas as possibilidades e condições para o desenvolvimento de uma revolução ficaram marcadas pela avaliação que o PCP fez, no concreto, tendo em conta a natureza e objectivos das forças em presença e as alianças possíveis e necessárias daí decorrentes, definindo a aliança Povo/MFA como “motor da revolução”. A vinda para a rua das massas populares no dia 25, as manifestações do 1º de Maio, o início das acções populares para o exercício das liberdades e o saneamento dos fascistas, selaram essa aliança.

Com sentido da sua responsabilidade revolucionária, em todo este processo o PCP actuou tendo em conta, em cada momento, as condições concretas da situação, a natureza das forças em confronto, as correlações de forças, variáveis, que se foram estabelecendo.

A «Plataforma de Emergência», aprovada no VII Congresso (Extraordinário) do PCP, em Setembro de 1974, apresentou, em função da nova situação, uma concretização das orientações do VI Congresso para a Revolução Democrática e Nacional (2). E em cada fase e viragem do processo, o PCP, em resposta aos acontecimentos, deu aos seus militantes e apoiantes a orientação para uma intervenção dinamizadora no processo revolucionário.

Uma luta revolucionária em duas frentes

Os órgãos do Poder institucionalizados no dia 25 de Abril (a Presidência da República, com o general Spínola, e a Junta de Salvação Nacional por ele presidida) tentaram travar o processo revolucionário. Mas a iniciativa das massas populares, impondo o exercício das liberdades democráticas, e a posição do MFA, neutralizando o recurso à repressão contra as massas populares, abriram o passo ao rápido avanço do processo revolucionário.

Com a sua entrada no Governo Provisório, imposta pelo desenvolvimento do movimento popular, a luta do PCP passou a desenvolver-se em duas frentes: na acção de massas e nos órgãos de Poder. A sua actuação nos órgãos de Poder deu suporte à luta popular e impulsionou o processo de democratização do País, com a institucionalização de um largo conjunto de direitos e liberdades para o povo português. Com o apoio do PCP foram também possíveis medidas revolucionárias de transformação económica e social, como as nacionalizações das empresas monopolistas e a Reforma Agrária nos latifúndios do sul do País – medidas capazes de assegurar ao povo português condições de um desenvolvimento sustentado.

O PCP e a luta popular

A intervenção das massas populares foi factor determinante para a definição da natureza, características, objectivos e realizações da Revolução de Abril. Foi o movimento popular que impôs, em Abril/Maio de 74, o exercício do direito de reunião, associação e manifestação, a libertação dos presos políticos e o desmantelamento da polícia política, o saneamento dos sindicatos fascistas e das autarquias, o direito de manifestação e de organização, designadamente em partidos políticos. Foi o movimento popular que, primeiro com as intervenções nas empresas e a ocupação de terras para a realização das actividades agrícolas, depois com as nacionalizações e a Reforma Agrária, impediu a sabotagem económica promovida pelos sectores reaccionários do patronato e pelos latifundiários. Foi o movimento popular que, exigindo o regresso dos soldados, impôs o reconhecimento da independência dos povos das colónias portuguesas e o fim das guerras coloniais.

Mas o enorme potencial revolucionário da intervenção popular não teria sido possível sem a dinamização, a coordenação, a continuidade e a coerência asseguradas, na condução da luta, pela participação dos comunistas, sob a orientação do PCP.

Não se tratava, apenas, de definir orientações gerais e lançar apelos para a sua realização. O relevo que o PCP ganhou no papel do movimento popular para o desenvolvimento da revolução, deveu-se, em medida decisiva, a que os comunistas estiveram lá, presentes, activos e dinamizadores, em cada fase, em cada frente, em cada luta – como o fermento que faz levedar e crescer a massa do pão. Foi assim que ganharam e mereceram o reconhecimento dos trabalhadores e do povo como parte necessária e indispensável da luta pelos seus mais sentidos interesses e direitos.

E para os comunistas foi estímulo e alegria ver objectivos do Programa do PCP reflectidos em longas manifestações de rua, em canções entoadas em coro por milhares de pessoas, em poemas ouvidos em colectivo e cantados com um punho na mão segurando um cravo vermelho, como uma arma que só apontava: liberdade!

O avanço da contra-revolução

A campanha terrorista contra-revolucionária do «Verão quente» de 1975, as divisões no MFA, no movimento de massas e nos Governos Provisórios, promovidas com a participação do PS, atingindo o grande movimento de unidade nacional que esteve na base do 25 de Abril, o aventureirismo esquerdista e a conjura imperialista, criaram as condições para o triunfo do golpe de Estado do 25 de Novembro de 1975, que, pondo fim ao MFA, levou a uma radical alteração na correlação de forças nos órgãos de Poder e ao encerramento do ciclo revolucionário.

Em todo este contraditório processo, o PCP, com plena consciência da sua responsabilidade revolucionária, teve intervenção activa, para promover e defender os interesses das classes trabalhadoras e do povo português, para travar o avanço da contra-revolução, para defender as conquistas de Abril.

Um farol revolucionário na Europa

O grito vitorioso deste povo fez eco na Europa e em todo o mundo.

Gentes de todo o mundo ocorreram a ver esta revolução que abria, na Europa, novos rumos e novas perspectivas. Delegações de partidos de todos os continentes procuravam o PCP, interessavam-se pelas suas posições, seguiam a sua acção. Mas, também, eram milhares de pessoas vindas da Espanha ainda franquista, da França, Itália, Inglaterra, Holanda. Em cada dia muitas centenas de pessoas, com uma grande maioria de jovens, procuravam, nos Centros de Trabalho do PCP, conhecer melhor a Revolução portuguesa.

E o cravo vermelho da liberdade tornou-se referência para as forças revolucionárias e de libertação de todo o mundo.

De partido clandestino a partido de massas

O papel que o PCP teve na Revolução de Abril não teria sido possível sem a audaciosa aplicação de critérios para a sua organização nas novas condições criadas com a conquista da liberdade.

Os princípios orgânicos do Partido, numa aplicação criativa do marxismo-leninismo à realidade portuguesa, estavam definidos e tiveram consagração estatutária no VI Congresso. (3) Mas também nas questões de organização não basta definir princípios: é necessário saber aplicá-los em cada situação concreta, de acordo com a evolução da vida e dos acontecimentos.

A rápida expansão do PCP, com uma sólida implantação e radicação orgânica, não se deveu somente ao prestígio granjeado com a sua luta contra a ditadura. Assentou também na audaciosa e coerente orientação seguida, para responder às novas condições criadas: uma orientação de grande abertura à entrada no Partido das classes trabalhadoras e da juventude, uma audaciosa promoção de quadros, uma descentralização orgânica, com organismos regionais, locais e sectoriais dotados de grande autonomia na sua intervenção, no quadro de uma grande unidade de acção de todo o Partido, assegurada por uma orientação geral comum. Assim se criou no Partido, para milhares de novos militantes, uma generalizada consciência orgânica, associando a unidade de acção à valorização do trabalho colectivo e espírito de criatividade e iniciativa dos militantes e das organizações.

Essas linhas de orientação levaram à criação de uma organização estruturada, dinâmica, capaz de ter intervenção activa na luta política e social, à escala nacional e a vários níveis e nas várias fases do processo revolucionário, ajustando a sua acção às muitas viragens e alterações que nele se foram registando.

No seu VIII Congresso (Dezembro de 1976) o PCP fez o balanço do período revolucionário e apontou as linhas para a sua actuação no quadro do regime democrático estabelecido na Constituição, aprovada em Abril de 1976. (4)

Partido da Revolução, virado para o futuro

A democracia portuguesa guarda traços profundos marcados pela contribuição comunista: a ligação criada, na consciência política do povo português, entre os valores da liberdade e os direitos sociais e humanos; a responsabilidade do Estado na garantia e aplicação desses direitos; a importância e a necessidade de assegurar a intervenção dos trabalhadores para a solução dos problemas do País; o generalizado espírito unitário nas organizações laborais e de massas.

A revolução é a maior prova que se coloca a um partido que se propõe ter intervenção activa nos processos de transformação da sociedade.

O PCP venceu com honra essa prova. Afirmou-se como protagonista fundamental da Revolução de Abril, grande partido da Democracia e do povo, com provas dadas, com uma visão nacional dos problemas do País e uma perspectiva revolucionária de sociedade, tendo como meta o futuro do povo português.

Para o PCP, os valores de Abril fazem parte desse futuro.

Notas:

(1) Aprovado no VI Congresso, o Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional apresenta oito objectivos fundamentais, sem os quais «a revolução democrática e nacional não estaria acabada e não estaria assegurado o desenvolvimento democrático e independente da sociedade portuguesa».
– Publicado clandestinamente em 1965 e editado pela Edições «Avante!» em 1974.
(2) A Plataforma de Emergência apontava três direcções capitais: o reforço do Estado democrático e a defesa das liberdades; a defesa da estabilidade económica e financeira com vista ao desenvolvimento; o prosseguimento da descolonização.
– Proclamação do Congresso Extraordinário do PCP, VII Congresso do PCP, Edições «Avante!», 1974.
(3) Estatutos do PCP – aprovados no VI Congresso (1965) e actualizados no VII Congresso (1974).
(4) Ver A Revolução Portuguesa – O Passado e o Futuro, de Álvaro Cunhal, relatório do CC ao VIII Congresso, que apresenta um balanço do período revolucionário.

«O Militante» - N.º 269 Março/Abril de 2004