A mulher
no mercado da força de trabalho

 

O aprofundamento do conhecimento da situação das mulheres no mercado de trabalho – evolução da sua participação e modo como a mão-de-obra feminina é utilizada numa lógica de aumento de exploração capitalista – constitui um elemento indispensável para a elaboração de linhas de intervenção do Partido junto das trabalhadoras, visando o reforço da sua luta organizada.

Nesse sentido, "O Militante" publica A mulher no mercado da força de trabalho de Maria Aliste e Trabalho a tempo parcial – um mercado de enganos de Manuela Pires, como contribuições para uma reflexão necessária no âmbito da preparação do Encontro Nacional do Partido.

 

A entrada massiva das mulheres no mercado da força de trabalho é um processo que atravessa as últimas quatro décadas do século passado.

O processo de desenvolvimento nacional, assente no crescimento das indústrias ligeiras, que caracterizou a década de 60, num quadro de escassez de força de trabalho masculina, resultante da guerra colonial e da emigração em massa, permitiu que o aumento dos postos de trabalho, indiferenciado e de baixos salários, a ele associado fosse ocupado, fundamentalmente, por mulheres.

Este processo de integração das mulheres no mercado da força de trabalho sofreu nova aceleração ao longo da década de 70, em especial com o 25 de Abril, e com o desenrolar do processo de terciarização e a entrada massiva de mulheres na Administração Pública resultante, nomeadamente, da expansão da educação e da saúde.

Para este crescimento da participação das mulheres no mercado da força de trabalho muito contribuiu, também, o aumento do custo de vida e a crescente monetarização da economia que acompanhou o fenómeno urbano em expansão ao longo da década (1), forçando as mulheres a contribuir para o rendimento familiar, não apenas através da reposição da força de trabalho, mas também do seu salário.

É este processo que explica em grande medida a importância crescente das mulheres no conjunto dos trabalhadores portugueses: em 1965 (2) as mulheres representavam 21,3% do total dos trabalhadores; em Abril de 2001(3), elas eram já 42,7% do número total de trabalhadores.

Esta tendência para o aumento da feminização da força de trabalho parece manter-se, como o comprova o facto de, entre 1991 e 1999, o crescimento do número total de trabalhadores ter sido protagonizado fundamentalmente por mulheres (4).

O emprego das mulheres: concentrado sectorial e profissionalmente

Estes números evidenciam a importância crescente das mulheres no mercado da força de trabalho e, neste quadro, o seu posicionamento semelhante ao dos trabalhadores masculinos. No entanto, nada nos dizem sobre as especificidades da inserção das mulheres naquele mercado.

É que, efectivamente, a inserção de homens e mulheres no mercado da força de trabalho não se faz de forma idêntica.

A integração das mulheres naquele mercado faz-se, frequentemente, por extensão das actividades desenvolvidas no seio da família, conduzindo à concentração do emprego feminino, principalmente em sectores com elevadas taxas de feminização, isto é, sectores em que a maior parte dos postos de trabalho são preenchidos por mulheres.

Mais de metade do emprego feminino concentra-se em cerca de seis sectores de actividade, em quatro dos quais as mulheres representam mais de 60% do número de trabalhadores do sector (Saúde e Acção Social, Indústria Têxtil, Comércio a Retalho e Alojamento e Restauração).

Por seu lado, a mesma proporção do emprego masculino encontra-se em nove sectores, cinco dos quais essencialmente masculinos.

Isto significa que o emprego masculino, se bem que apresente, como o feminino, algum grau de concentração ela não é, no entanto, tão importante. Significa, ainda, que, num conjunto de importantes sectores empregadores, as mulheres são claramente maioritárias.

Aliás, se considerarmos apenas os sete sectores que empregam cerca de metade do conjunto dos trabalhadores portugueses (Construção, Indústria Têxtil, Comércio a Retalho, Comércio por grosso, Outras actividades de Serviços Prestados às Empresas, Alojamento e Restauração e Transportes e Armazenagem) verificamos que as mulheres representam cerca de 45% do total dos trabalhadores nestes sectores e que, entre eles, se encontram três com taxas de feminização superiores a 60%.

A concentração a que nos referimos fragiliza a posição das mulheres no mercado da força de trabalho, na medida em que a torna mais vulnerável às evoluções conjunturais negativas de um número mais reduzido de sectores e que limita as suas possibilidades de emprego à existência, na sua A discriminação começa no momento da admissão. As raparigas têm maior dificuldade que os rapazes em encontrar o primeiro emprego, independentemente do seu nível habilitacional região de residência, não de um emprego, mas de um emprego “para as mulheres”.

O que se verifica ao nível sectorial, acontece também ao nível profissional. O emprego das mulheres encontra-se também concentrado em quatro profissões (5), as quais se caracterizam também pela sua elevada feminização, enquanto os homens se concentram em seis profissões (6).

Para além da fragilidade que a elevada concentração sectorial e profissional comporta, as mulheres trabalhadoras são ainda confrontadas com situações de discriminação... apesar da legislação que a impede e do preceito constitucional se gundo o qual “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.” (7)

A discriminação da força de trabalho feminina

A discriminação começa no momento da admissão. As raparigas têm maior dificuldade que os rapazes em encontrar o primeiro emprego, independentemente do seu nível habilitacional. A maternidade e as eventuais faltas por assistência à família assumem-se como as principais razões para a preferência por empregados em desfavor de trabalhadores do sexo feminino. E, no entanto, em Portugal, a taxa de absentismo feminina é, para quase todos os motivos, sempre inferior à dos homens na mesma situação (8).

Em consequência, o relativamente elevado número de jovens mulheres licenciadas a integrar o mercado da força de trabalho traduz-se num desemprego feminino mais habilitado que o masculino (9).

A discriminação perdura para lá do momento da admissão. A análise da estrutura do emprego por nível de qualificação evidencia um enviesamento na distribuição das mulheres trabalhadoras em favor dos níveis de qualificação mais baixos. Efectivamente, perto de metade das mulheres empregadas são profissionais semi-qualificadas e não qualificadas, e praticantes e aprendizes.

Este menor nível de qualificação do emprego feminino prende-se com diferentes factores, entre os quais as menores possibilidades de acesso à formação profissional pelas mulheres, assim como pela menor retribuição do investimento feito nessa formação “... já porque se verifique a tal ausência de uma estratégia geral de desenvolvimento de Recursos Humanos, já porque ocorram práticas de discriminação salarial com base no sexo ou ainda devido a um cúmulo de situações de que estas sejam parte.” (10)

Também ao nível remuneratório se verifica a existência de práticas discriminatórias. O menor nível de qualificação surge como a explicação plausível para uma remuneração média das mulheres trabalhadoras de cerca de 77% da remuneração masculina. Todavia, uma análise das remunerações por nível de qualificação evidencia que a desigualdade das remunerações médias mensais entre mulheres e homens é um facto, independente do nível de qualificação considerado, atingindo-se a maior proximidade entre as duas remunerações entre os praticantes e aprendizes (11). Estas diferenças são ainda mais significativas quando considerados os ganhos médios mensais (12). A maior diferença regista-se entre os quadros superiores e a menor, mais uma vez, entre os praticantes e aprendizes. Daqui resulta claro não constituírem os níveis de qualificação a razão para o menor nível médio de retribuição das mulheres, quer se considere a remuneração média mensal, quer o ganho.

Poderíamos continuar a caracterização das especificidades do emprego da força de trabalho da mulher. Todavia, as limitações de espaço que nos impusemos impedem-nos de o fazer.

Não queremos, no entanto, deixar ainda de mencionar a muito referida conciliação entre o trabalho e a vida familiar. Sobretudo, porque a escassez de equipamentos de apoio à infância e à terceira idade, ou a sua disponibilidade a preços incomportáveis para o salário das mulheres, constitui aspecto limitador da referida conciliação a qual acaba por impedir um maior envolvimento, não apenas ao nível do trabalho, mas também no que se refere à capacidade de intervenção das mulheres ao nível cívico e sindical.

(1) SILVA, Manuela; O emprego das Mulheres em Portugal – A “mão invisível” na discriminação sexual no emprego; Ed. Afrontamento, 1983.

(2) (3) Inquérito ao Emprego realizado pelo Ministério do Trabalho referido em DETEFP/MTS; As mulheres no mercado de trabalho; 8 de Março de 2002.

(4) Do crescimento total de 261 mil trabalhadores verificado, entre 1991 e 1999, 81% eram mulheres, o que equivale a um aumento de cerca de 27% do número de mulheres trabalhadoras, enquanto o aumento do número de trabalhadores masculinos foi de apenas cerca de 4% (DETEFT/MTS; op. cit.)

(5) Empregados de Escritório (16,6% do emprego feminino); Outros Operários, Artifíces e Similares (15,4%;) Trabalhadores não qualificados, dos Serviços e Comércio (11,1%); Pessoal de Serviços Directos e Particulares, Profissionais de Segurança (10,2%) (DETEFT/ MTS; op. cit).

(6) Operários, Artífices e Trabalhadores Similares (11,7%); Trabalhadores da Metalurgia e Metalomecânica (10,2%); Empregados de Escritório (9,4%); Condutores de Veículos e Embarcações (8,3%); Trabalhadores não Qualificados das Minas, da Construção e Obras Públicas (7,7%); Outros Técnicos e Profissionais de nível Intermédio (6,7%) (DETEFT/MTS; op. cit).

(7) Constituição da República Portuguesa, artº 13º .

(8) LOPES, Margarida Chagas; A igualdade de oportunidades como estratégia empresarial; in Sociedade e Trabalho; Lisboa: MTS, nº 6 (1999); pp. 17-22.

(9) Merece referência a este propósito a importância das mulheres no ensino superior em Portugal. Em 1999, 54,4% dos licenciados foram mulheres (INE). Esta realidade é assim entendida por Margarida Chagas Lopes (op. cit): “Existem fortes indícios de que a crescente procura de sobre-educação por parte das mulheres em países como o nosso mais não é do que uma estratégia individual de “investimento de compensação” – as mulheres têm consciência de que só com um maior investimento em escolaridade podem atenuar situações de desigualdade de oportunidades perante o emprego e em matéria de remuneração.”.

(10) LOPES, Margarida Chagas, op. cit.

(11) As remunerações médias mensais das mulheres classificadas como praticantes e aprendizes correspondiam a cerca de 95% da remuneração dos homens como o mesmo nível de qualificação. A maior diferença, pelo contrário, regista-se entre os quadros superiores, nível de qualificação em que a remuneração das mulheres corresponde apenas a cerca de 73% da remuneração dos homens classificados da mesma forma. (DETEFP, Quadros de Pessoal; 1999).

(12) Em média, o ganho médio mensal das mulheres corresponde a cerca de 73% do ganho médio dos trabalhadores masculinos. (DETEFP, Quadros de Pessoal; 1999).

 

«O Militante» - N.º 259 Julho /Agosto de 2002