Sobre algumas questões
ideológicas no Partido

 

A experiência histórica do nosso Partido, tal como a experiência do movimento comunista e revolucionário internacional, adverte para a persistência de teses velhas que, derrotadas em sucessivas batalhas, renascem sob novas formas sempre que as condições sócio-económicas e ideológicas o propiciam. Tal é o caso do presente momento, em que se estão a explorar insucessos do Partido para pôr em causa características fundamentais do colectivo partidário, forjadas na prática revolucionária dos comunistas portugueses e sintetizadas nos Estatutos do PCP.

O extracto do texto "Sobre algumas questões ideológicas do Partido" - elaborado pelo camarada Ângelo Veloso em colaboração com outros camaradas -, que "O Militante" de novo publica(*), é de flagrante actualidade. Ele constitui uma valiosa contribuição para derrotar, no plano político e ideológico, argumentos e comportamentos cuja admissão conduziria ao enfraquecimento, divisão e descaracterização do nosso Partido. Os princípios em que assenta a vida democrática interna do PCP, baseados no desenvolvimento criativo do centralismo democrático, são aqui brilhantemente argumentados. Eles constituem um pilar fundamental da unidade, coesão e capacidade de intervenção revolucionária que importa defender e preservar.

"Na vida do Partido, confrontam-se diariamente militantes com formações em áreas distintas, com opiniões divergentes, com experiências diversas, com sensibilidades diferentes. O debate – como todo o militante sabe por experiência – busca encontrar uma síntese unificadora no pensamento e na acção, se possível (e geralmente é possível) por unanimidade ou consenso, que seja coerente com princípios programáticos e ideológicos e que tenha em conta o maior número possível de facetas da realidade.

O debate de opiniões no Partido não pode assemelhar-se ao de um clube de discussão ou ao de uma campanha eleitoral parlamentar. É essencial a preocupação de chegar a resoluções que guiem a acção imediata do Partido e que alarguem e solidifiquem a coesão das suas fileiras.

Aliás, seria inacreditável que a comunicação social dominante não interviesse no debate público, de forma interessada, manipulando, desinformando, distorcendo.

O centralismo democrático visa encontrar resposta para várias ordens de preocupações, todas elas fundamentais:

Em primeiro lugar, o confronto livre, democrático, aberto a todos os militantes, de opiniões, propostas, contribuições, de carácter sectorial e geral.

em segundo lugar, a síntese unificadora, coerente, concretizada numa posição comum que contemple a diversidade de opiniões, experiências e sensibilidades.

em terceiro lugar, unificar, coerentemente, a acção do Partido, em sectores e regiões por vezes muito diferenciados pelo estatuto social ou pelas características históricas, económicas e políticas.

em quarto lugar, relacionar indissoluvelmente a discussão com a acção, com a intervenção na luta social, institucional, ideológica ou política.

em quinto lugar, unir o Partido, aumentar a coesão das suas fileiras no pensamento e na acção.

As concepções que negam o centralismo democrático desprezam estes aspectos essenciais, adoptam uma metodologia que é, em si mesma, de confronto e fragmentação. As opiniões diferentes não são integradas, mas confrontadas. Os militantes na sua diversidade, não são aproximados, mas opostos uns aos outros.

É fácil paralisar o Patido em intermináveis discussões.

É fácil dividir o Partido em linhas, tendências e propostas que, mais ou menos fundamentadas, se hostilizam e degladiam.

É fácil cristalizar opiniões, conflituar ideias e experiências.

É fácil estilhaçar o Partido em grupos ou individualidades, em pólos de direcção conflituantes, adversos, etc..

O difícil é apurar opiniões e contribuições diversificadas integrando-as numa opinião comum, mobilizadora para a acção, que anime a intervenção revolucionária de todos os comunistas.

O difícil é integrar milhares de homens, diferentes pela origem social, pela formação específica, pela experiência de vida, pelas qualidades inatas, pela sensibilidade e pelo temperamento, diferentes até pelos defeitos – num grande e coeso colectivo partidário.

9. Por maioria de razão, a introdução de fracções dentro do Partido revelar-se-ia, a curto prazo, num factor de desorientação na acção, de desagregação orgânica e de confusão e divisão ideológica e política. De facto, a admitir-se tal situação, o Partido ficaria dividido em grupos «rivais», em permanente contestação mútua, alimentados por uma dinâmica de confronto e polémica, desviados da acção contra o inimigo de classe, percorridos por discussões de capelinhas.

Alguns camaradas contestam o conceito estatutário de fracção, afirmando que a circulação horizontal de opiniões não é equivalente à constituição de fracções e, mais em geral, que a existência de tendências não é o mesmo que a existência de fracções. De facto não são a mesma coisa, mas não só têm dinâmicas e concepções afins, como a experiência demonstra que uma coisa conduz quase inevitavelmente à outra.

Quando um grupo de camaradas, fora do quadro orgânico do Partido e à sua margem, se unem na base de um conjunto de concepções comuns (plataforma) contrárias às da direcção do Partido; reunem regularmente e regularmente tomam posições e concertam iniciativas; divulgam essas concepções e posições no seio do Partido (e até fora dele); procuram convencer outros camaradas e atraí-los para uma actuação concertada ou convergente com a sua; estabelecem entre si uma disciplina própria; designam os seus «leaders» e os propagandeiam – em tal situação, é evidente que se trata caracterizadamente de uma fracção que objectivamente procura estruturar-se organizada dentro do Partido, alargar-se e dividir significativamente o Partido.

Uma fracção dentro de um partido não implica necessariamente que assuma com nitidez todos aqueles traços, mas a realidade é que uma fracção tende a revestir-se de todas aquelas características e, de um ou de outro modo – a tornar-se um pólo permanente de paralisia, de divisão e de confronto dentro do Partido.

É evidente que uma tal situação não conduz nem à unidade de acção dos militantes, nem ao aprofundamento das questões, nem ao aumento da democracia interna, nem à coesão e à fratenidade dos comunistas.

Distraídos da luta por absorção em polémicas intestinas; enquistados em posições de grupo que impedem a síntese de contribuições parcelares; divididos por rivalidades de posições, de disciplinas e de «leaders» – a experiência dos resultados está à vista em diversos partidos... É uma ilusão, de carácter pequeno-burguês, admitir que uma tal situação é sinónimo de democratização da vida interna.

Muito ao contrário. Pode significar, e significa quase sempre, o florescimento do individualismo, da anarquização do Partido em grupos, grupinhos, fracções e fracçõezinhas, «leaders» e «leaderzinhos» – que vão corroendo e destruindo o colectivo paridário, tirando-lhe credibilidade e minando por inteiro a influência e a ligação às massas.

Em tais condições, a liberdade de opinião, o debate de opiniões, o direito e o dever de contribuir para a definição das posições do Partido, o direito de crítica, a própria regra essencial de a maioria prevalecer sobre a minoria, o significado efectivo do princípio da eleição de todos os organismos (incluindo a eleição do Comité Central pelo Congresso) – perdem conteúdo e alcance prático, completamente minados, na prática destruídos pela existência de fracções (cujo número é, por definção, indeterminável), isto é, por permanentes motores de divisão, de anarquia, de individualismo pequeno-burguês, de todo contrário à efectiva democracia dentro do Partido.

10. A campanha contra o Partido percorre diversas fases. A partir de Fevereiro, a figura do Secretário-Geral, passa a ser alvo de violentos ataques; intensificam-se calúnias ou caracterizações aleivosas contra os mais destacados dirigentes e quadros do Partido; fabricam-se discordâncias entre o PCP e as concepções que presidem à reestruturação em curso na URSS; ataca-se, como tal, o corpo de funcionários do partido; incentivam-se tomadas de posição por parte de militantes contra os Estatutos, a linha e a Direcção do Partido; etc..

Procura sobretudo criar a ideia de que não existe democracia interna no Partido, que o centralismo democrático e os Estatutos do Partido são normas que dão todo o poder à Direcção do Partido para impor ao resto do Partido uma linha política e perpetuar uma direcção. A estrutura do Partido – designadamente o seu corpo de funcionários – é caracterizada como um aparelho opressivo e ditatorial, dominado por um funcionamento («público») ao jeito de «nova classe».

A história heróica do Partido, sobretudo a sua história mais recente, é completamente escondida, adulterada ou manipulada. A natureza da dedicação sacrificada e militante dos funcionários políticos do PCP é totalmente distorcida. A realidade histórica que é o funcionamento democrático do Partido, o grande colectivo de luta, coeso e unido, altamente combativo e capacitado, profundamente enraizado nas massas, – digamos claramente, único no xadrez partidário do país – é substituído pelo empolamento de deficiências ou atrasos, insuficiências ou erros que – sendo necessário corrigir – nem são significantes nem caracterizam a vida e a história gloriosa do PCP nestes 14 anos. (...)

12. A referência à perestroika e aos anos 30 tem como objectivo levar a crer que também em Portugal, a Direcção do PCP («stalinista», «ortodoxa») possui instrumentos de coacção sobre os militantes do Partido; que a esplêndida e admirável – e para alguns, surpreendente – unidade de pensamento e de acção dos comunistas portugueses não é – como só pode ser – o resltado natural do acerto da linha política e do funcionamento democrático do Partido, mas seria, ao contrário, o resultado da falta de vida democrática, de um aparelho coercivo, e finalmente... de perseguição.

A feroz campanha em torno do tema das «perseguições» atinge as raias da monstruosidade, das calúnias mais abjectas, rodeia-se de sensacionalismos criados do nada – com o claro objectivo de, ao contrário do que afirma, impedir o funcionamento democrático do Partido, impedir a discussão aprofundada e as correspondentes decisões responsáveis.

13. Argumenta-se que a divulgação pela imprensa burguesa não tem, afinal, inconveniente, e é resultante do silenciamento pela imprensa do partido. Tecem-se elogios à intervenção da comunicação social e apaga-se o seu conteúdo de classe e o sentido político da sua intervenção. Desculpabilizam-se calúnias, mentiras, invencionices, e facilitam-se-lhe informações parciais que servem para dar credibilidade às maiores falsidades.

Atacam-se as posições da Direcção do partido e a actuação de dirigenes do Partido, como «alimentadoras» da campanha, procurando silenciar a Direcção do Partido.

Na sequência disto, chega-se a inventar uma interpretação «nova» dos Estatutos do Partido, recorrendo a experiências infantis que contrariam tudo o que os comunistas sabem.

O objectivo é, ultimamente também, o de criar a imagem que a Direcção do Partido é apenas um grupo, igual a outros grupos, sem maior legitimidade do que qualquer outro grupo de comunistas, parte como qualquer outra parte, num diferendo inter-partes, «interessada» nos conflitos e por isso capacitada para julgar, isto é, para se assumir como Direcção.

Dir-se-ia que o objectivo é apear a Direcção do partido ainda antes do Congresso, paralisá-la, desprestigiá-la, queimá-la. A sistemática campanha de calúnias contra os mais destacados dirigentes do Partido aponta na mesma direcção. Mas é também e seguramente desviar a atenção das questões fundamentais em debate que não são, como toda a gente sabe, a existência de perseguições ou saneamentos «stalinistas» (!!??) dentro do Partido, mas são, isso sim, a da natureza de classe do Partido, a do conteúdo marxista-leninista da nossa ideologia, a do objectivo que nos propomos de construir o socialismo em Portugal, a dos nossos laços internacionalistas e, consequentemente, dos princípios leninistas que regem o funcionamento e alicerçam a coesão do nosso Partido. (...)

17. É grande o esforço e a concentração que esta situação exige ao Partido, porque são múltiplos, e às vezes parecem contraditórios, os factores a ter em conta e as direcções de trabalho.

Em primeiro lugar, é necessário continuar a desenvolver as actividades e as iniciativas do Partido nos planos da luta social, política e ideológica, contra a política cavaquista, em defesa dos interesses do povo e da democracia.

Em segundo lugar, é necessário desenvolver persistente e pacientemente, a batalha ideológica sobre a conexão entre a natureza de classe, os objectivos programáticos, o conteúdo ideológico do nosso Partido. Assume uma importância enorme a luta pelo respeito do centralismo democrático, pela unidade e coesão do Partido, contra a divisão do Partido em fracções, tendências, grupos, linhas, plataformas que se degladiam e confrontam.

Em terceiro lugar, reforçar dentro do Partido o acolhimento fácil, respeitoso, fraternal do debate de todas as opiniões, sugestões, propostas, contribuições, críticas, etc., respeitantes a todos os aspectos da vida do Partido. Trata-se, por um lado, do respeito absoluto pelos direitos estatutários dos militantes; mas trata-se também da consciência de que é urgente e necessário o esforço colectivo e a contribuição franca e leal de todos os militantes do Partido para sermos capazes de encontrar as melhores respostas (políticas, organizativas e de direcção) às deficiências existentes e às novas situações ojectivas.

Em quarto lugar, é necessário combater frontalmente as tendências que surjam para substituir o amplo debate ideológico e político por atitudes administrativas e impositivas, para deixar desenvolverem-se ambientes de suspeição.

Em quinto lugar, é necessário encontrar com firmeza medidas orgânicas ou disciplinares perante continuadas, persistentes e incorrigíveis actuações desleais, intriguistas, mentirosas, caluniadoras e fraccionistas.

A batalha é iminentemente ideológica e política. A situação exige que todos os comunistas cerrem fileiras no aprofundamento dos problemas e na busca dos caminhos que conduzem à justeza da linha e da actuação do Partido. É com esse objectivo que se avançam alguns tópicos de análise mais pormenorizada das concepções eleitoralistas subjacentes a algumas teses existentes."

(*) Sob o título "Questões ideológicas" "O Militante" nº 185, de Outubro de 1990, publicou este texto e um outro "Sobre o XIII Congresso (extraordinário)".

 

«O Militante» - N.º 258 - Maio/Junho de 2002