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Confissões involuntárias
O jornal
norte-americano International Herald Tribune de 17 de Janeiro de 2002 publica
na sua página 3 uma pequena notícia relatando afirmações
do Ministro da Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld. Depois
de anunciar que «forças dos EUA inspeccionaram mais de 40 locais
no Afeganistão, [... mas] até agora não foram encontradas
provas de que a Al-Qaeda ou os talibãs tenham conseguido obter armas
de destruição massiva», vem logo a seguir uma interessante
revelação e confissão: «a radioactividade detectada
num local devia-se provavelmente a ogivas com urânio empobrecido, e não
a materiais de fabrico de armas radiológicas, de acordo com o Sr. Rumsfeld».
E assim, ficamos a saber que os Estados Unidos estão a usar armas com
urânio empobrecido no Afeganistão; e que, ao contrário do
que afirmam as declarações oficiais, essas armas de urânio
empobrecido são fontes de emissões radioactivas. Como não
é de crer que as referidas inspecções se tenham realizado
no próprio momento dos bombardeamentos, fica também implícita
a confissão de que esses efeitos se fazem sentir por algum tempo, afectando
portanto civis não combatentes. Da notícia deduz-se que, se a
radioactividade talibã seria má e cruel, a radioactividade americana
é boa e faz crescer... Tanta confissão deveria seguramente ser
motivo de interesse para uma comunicação social livre, independente
e crítica.
Mas o deslize do Ministro da Guerra dos EUA não teve quaisquer repercussões. Afinal, os grandes meios de comunicação social e o aparelho de Estado do imperialismo norte-americano têm os mesmos donos e servem os mesmos interesses...
Quem resiste à crise
Multiplicam-se os sinais de crise económica mundial. Dos EUA à Europa, do Japão à América Latina chegam-nos relatos de recessão, miséria e sofrimento. «O espectro duma recessão global ganha forma» titulava em manchete de primeira página o International Herald Tribune (5 de Novembro de 2001). Mas há excepções. E, no desenvolvimento da notícia, escreve esse jornal norte-americano: «Os únicos países que parecem estar a resistir à viragem negativa global a Índia, a China, a Rússia e alguns do Leste europeu são aqueles que resistiram a uma integração plena na economia mundial, mantendo vestígios de socialismo e mercados protegidos. Em quase todo o resto do mundo a produção industrial está em queda, o desemprego cresce, os lucros e preços das acções estão deprimidos». Vinda de quem vem, esta Nota dispensa um Comentário...
Os EUA vão atacar a China?
Convidado para um almoço-entrevista pelo Financial Times (19.1.02), Henry Kissinger produz a seguinte afirmação: «Com a China existe um problema filosófico. Existem pessoas que pensam que a China irá representar um desafio para os EUA, e portanto é do nosso interesse que a confrontação se dê agora. Penso que Washington se está a encaminhar para uma abordagem não-confrontacional, mas sem a mesma convicção que tem nas relações com a Rússia». Não será natural ouvir uma afirmação mais explícita de que existe, no seio da classe dirigente dos Estados Unidos e em posições influentes, quem ache melhor atacar agora a China (a confrontação) do que esperar para ver a China aproximar-se do grau de desenvolvimento dos EUA (o desafio). Tendo em conta as acções dos actuais governantes americanos, está longe de ser uma revelação tranquilizadora. Uma afirmação a reter, para recordar da próxima vez que ouvirmos que os EUA bombardearam uma Embaixada chinesa ou estão envolvidos nalgum incidente ou provocação em relação à China, ou quando ouvirmos as campanhas a propósito de Taiwan, do Tibete, do Xinquian, ou da seita Falun Gong.
Como funciona o FMI
Durante
muito tempo propagandearam-nos a ideia de que os organismos financeiros internacionais
eram rigorosos, apolíticos, exigentes mas por razões meramente
técnicas. O descalabro do modelo FMI nos últimos anos (o caso
recente da Argentina é um exemplo acabado disso mesmo) veio arrefecer
essas campanhas. Mas não deixa de ser curioso verificar que, enquanto
muitos incautos se deixavam enganar por essa propaganda, os próprios
agentes do Fundo parecem ter uma visão bem mais cínica (e adequada)
da realidade. O International Herald Tribune (24.11.01), ao noticiar o mais
recente empréstimo do FMI a uma Turquia em profunda crise, escreve:
«Durante a Guerra Fria, Washington exercia regularmente a sua influência para garantir que regimes que se opunham à União Soviética recebessem empréstimos do FMI e da sua organização irmã, o Banco Mundial. Os resultados revelavam-se frequentemente pouco proveitosos para o desenvolvimento económico a longo prazo dos países em questão, uma vez que o dinheiro ajudava a manter de pé governos ineficientes e corruptos. [...] A importância política da Turquia, que se tornou mais relevante após o 11 de Setembro e a guerra contra o terrorismo, é um factor que pesa muito a favor da Turquia, e esses factores simplesmente não se aplicam no caso da Argentina, afirmou Michael Mussa, que no verão passado se demitiu do seu cargo de economista-chefe no FMI e é hoje professor no Institute for International Economics. O facto de isso ser negado vigorosamente apenas nos diz que é sem dúvida verdade». Por outras palavras: nunca se deve acreditar no que nos é dito pelo FMI e os governos ao serviço do grande capital. Mentem com quantos dentes têm na boca, para servir os seus interesses palavra de ex-economista chefe do FMI. O que seria útil, para se saber toda a verdade, era reformá-los compulsivamente a todos...
Hipocrisia bacteriológica
Em Novembro, o Subsecretário de Estado norte-americano para o Controlo Armamentista, John Bolton, participou numa Conferência Internacional de 144 países signatários da Convenção sobre as Armas Biológicas, de 1972. Após longos anos de negociações, um grupo de trabalho internacional chegou finalmente a acordo sobre um mecanismo de inspecções para fiscalizar o cumprimento dessa Convenção. Os governantes norte-americanos, que se consideram acima de qualquer lei ou acordo internacionais, rejeitaram esse plano, por não aceitarem que outros países inspeccionem as suas instalações militares. Em vez disso, o Sr. Bolton foi à Conferência apontar o dedo «ao Iraque e cinco outros países» como «tendo programas de desenvolvimento de armas bacteriológicas». O Sr. Bolton afirmou que «a existência do programa iraquiano era indiscutível e os EUA suspeitavam fortemente que a Coreia do Norte, a Líbia, a Síria, o Irão e o Sudão estavam a desenvolver programas» (International Herald Tribune, 20.11.02). Poucos dias depois, a 12 de Dezembro, o jornal norte-americano Baltimore Sun afirmava que os EUA tinham um programa secreto de desenvolvimento de armas bacteriológicas. Mais: a estirpe de carbúnculo (antraz) que foi utilizada nos ataques postais em território dos EUA, no final de 2001, seria idêntica à utilizada nesses programas militares. Como nos conta o artigo de Patrick Martin (disponível na Internet em http://globalresearch.ca), «em resposta ao artigo do Baltimore Sun, um porta-voz das [instalações militares de Dugway, no Utah] afirmou que tinham produzido pó de antraz seco, semelhante ao que foi descoberto nas cartas dirigidas [aos parlamentares americanos] Daschle e Leahy, embora assegurasse que [os seus stocks] estavam bem protegidos e totalmente sob controlo. A declaração foi a primeira admissão por parte do governo americano de que produzia material utilizável numa guerra bacteriológica desde que o programa foi [oficialmente] encerrado pelo governo Nixon, em 1969». Uma investigadora da Federação Americana de Cientistas, Barbara Hatch Rosenberg, afirmou tratar-se duma «declaração muito significativa. Nunca tinha havido o reconhecimento de que qualquer instalação militar norte-americana possuísse antraz utilizável como arma». Fica assim claro por que razão os EUA recusam inspecções aos seus programas militares. E também fica claro por que razão os ataques de antraz, que chegaram a ser considerados de tal gravidade que justificariam um ataque militar caso se provasse que um governo ou país havia estado na sua origem, caíram rapidamente no esquecimento desde há algumas semanas. Parece que, a haver um tal ataque, o seu alvo teriam que ser os próprios Estados Unidos...
«O Militante» - N.º 257 Março/Abril 2002