Nos 81 anos do PCP

Um Partido - para quê?



Membro do CC do PCP e da Comissão Central de Controlo

Passam este mês 81 anos sobre a fundação do Partido Comunista Português.

Valerá a pena, assinalando esta data, reflectir sobre alguns dos traços que marcaram o seu percurso e o caracterizam no quadro político e social do nosso país. Até porque importa, principalmente em períodos conturbados como os que se vivem nestes tempos, não perder a memória histórica nem a perspectiva do seu desenvolvimento. E também porque importa aos militantes, em tais períodos, reflectirem por quê e para quê existe este seu partido.

1.

O primeiro e fundamental compromisso que o PCP assumiu foi o de ser um partido da classe operária e dos trabalhadores portugueses: definiu assim a base social em que a sua acção assentava e também a linha fundamental para o seu papel na sociedade portuguesa.

Ser o partido da classe operária e de todos os trabalhadores não é cair no “obreirismo”.

Na história do PCP a superação das limitações de concepções obreiristas, que reduzem a própria projecção política e valor social da classe operária, teve grande importância e constitui uma das razões que explica o papel que ele tem desempenhado na sociedade portuguesa. Foi a partir da sua ligação às classes trabalhadoras, e na base de orientações que correspondiam às suas necessidades e aspirações, que o PCP desenvolveu uma linha política e uma actividade capaz de responder às aspirações e interesses da grande maioria da população e aos interesses gerais do povo português. Foi essa ligação e a influência em outras camadas de trabalhadores que deu ao PCP a força e a dinâmica capazes de atrair e mobilizar largas camadas da população não proletária. E foi essa ligação às classes trabalhadoras que fez do PCP um grande partido nacional, lhe permitiu ser o único partido a resistir nas difíceis condições da ditadura fascista, ter um papel decisivo na luta para o seu derrubamento e dar depois uma contribuição essencial no processo de construção da democracia portuguesa.

Mas a ligação à classe operária não é nem pode ser uma abstracta evocação reverencial para constar em documentos. Resultou de uma real prioridade dada à organização e acção dos comunistas nas empresas, à sua intervenção nas lutas por objectivos concretos e imediatos (onde também se forma e desenvolve a consciência social e o espírito de classe). Daí a importância das medidas aprovadas pelo Partido, designadamente no XVI Congresso, para o reforço do trabalho nas empresas e outros locais de trabalho.

A natureza de classe assumida pelo PCP não significa que ele atribua exclusivamente à classe operária o protagonismo nos processos transformadores da sociedade.

A aliança da classe operária com o campesinato tornou-se, com os seus símbolos, a foice e o martelo, imagem emblemática do PCP desde a sua fundação.

Hoje, o quadro social é mais complexo.

A condição social da massa de assalariados que hoje assegura serviços essenciais na sociedade moderna identifica-os, no fundamental, com interesses e aspirações da classe operária. Por isso, e pelo peso numérico que têm no conjunto da população, a aliança entre estas camadas e a classe operária desempenha uma importância política fundamental na actual sociedade portuguesa.

O que significa que, hoje, o quadro das possibilidades de alianças sociais da classe operária é mais amplo do que quando da fundação do PCP. Justificadamente ele se define como “partido da classe operária e de todos os trabalhadores”.

Será isso “obreirismo”? Não: apenas a lúcida compreensão de que a ligação à classe operária e aos trabalhadores é condição indispensável do reforço da acção e da própria projecção do PCP na sociedade portuguesa.

2.

Dizia Marx que sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário. Ou seja, é necessária uma concepção coerente e fundamentada sobre a sociedade e o mundo, capaz de dar bases seguras, concretas e racionais à actuação dos movimentos revolucionários e uma perspectiva racional para a definição dos seus objectivos.

No marxismo e no seu desenvolvimento leninista na grande experiência histórica iniciada com a revolução socialista de Outubro, encontraram os comunistas portugueses os fundamentos para analisar a sociedade portuguesa, a realidade dos factores que nela intervêm, as formas com que o capitalismo a domina, as condições para a superação revolucionária dessas condições. Para isso não bastava a adopção genérica dos fundamentos teóricos e ideológicos do comunismo. Foi necessário, num processo nem sempre linear, saber aplicá-los nas condições concretas da sociedade portuguesa, sem os tomar como receituário de aplicação esquemática a todas as situações. E também criar as forças capazes de com a sua luta, os levar à prática.

Só cegueira sectária ou ignorância podem negar a criatividade e originalidade revelada pelo PCP na utilização do marxismo-leninismo como base teórica. Superando dogmatismos chegou à definição da sua acção política sem copiar modelos e a partir das condições concretas da sociedade portuguesa. Foi isso, por exemplo, que permitiu a sua reorganização em 1940-41, culminada nos III e IV Congressos (1943 e 1946), nas condições da ditadura fascista, e numa época em que estava sem contactos com o mundo, definindo nessa fase decisiva da sua história as formas, condições e objectivos da luta do povo português e os princípios essenciais da estrutura orgânica do Partido.

A natureza de classe e a base teórica revolucionária são dois traços essenciais que marcam o património do PCP nos 81 anos da sua história.

3.

Mas o marxismo-leninismo só pode ser entendido numa dinâmica de renovação (que não é adaptação – sim resposta às novas condições e situações) porque a vida não parou depois de Marx e Lenine.

Actualização do marxismo? Sem dúvida. Mas não por uma revisão precipitada e condicionada de princípios e métodos, mas sim com o seu aprofundamento em função das novas experiências disponíveis.

Renovar, inovar, procurar permanentemente as respostas mais adequadas às alterações e mudanças que vão acontecendo na vida do país e do mundo – é exigência que um partido como o PCP não pode menosprezar. Mas a renovação e a inovação não têm valor só por o serem: é necessário que respeitem e prossigam o projecto que trouxe ao Partido os militantes que o integram e que constitui a razão da sua adesão ao Partido, a razão da sua militância. E todas as propostas de renovação e inovação têm de ser claras e explícitas, para que os militantes do Partido possam formar sobre elas opinião e delas participar.

Qualquer renovação só pode ser feita com os militantes, não contra eles. No respeito pela própria composição do Partido, não contra ela. O que pressupõe, também, o respeito pela sua natureza, da qual faz parte, além do projecto que os uniu, a própria história do Partido e o conjunto dos militantes que hoje o constituem.

Renovar e inovar exige coragem, criatividade, clareza e lealdade nas propostas que se avançam, e não reclamar um cheque em branco que não se sabe como será preenchido. É também necessário que os militantes estejam atentos para que o rumo do seu partido não seja mudado sem a sua participação, como num navio em que a cabina de comando é tomada de assalto, à revelia da tripulação.

Há na experiência do próprio movimento comunista, designadamente nos últimos 20 anos, exemplos, por vezes trágicos, de projectos apresentados como renovadores e inovadores que conduziram à desagregação ou à degenerescência grandes partidos, com um valiosíssimo património histórico: os casos do PCUS e do PCI são disso exemplo. Mas isso não pode levar um partido que se pretende revolucionário a enconchar-se, petrificar-se e entrincheirar-se em posições defensistas.

A própria evolução mundial mostra como é necessário continuar a forjar a cultura comunista – não para ceder a um qualquer orgulho identitário ou sentimental, nostálgico, ou para exaltar uma venerável mas intemporal “tradição” – e sim porque isso é condição e exigência da própria concepção do mundo em que se fundamenta o marxismo.

4.

As mais belas ideias e os mais valiosos projectos só se concretizam quando materializados na intervenção consciente dos homens, agindo em comum, de forma coordenada e conjugada. A isso chamamos “a organização”. Para o PCP, a organização é o instrumento principal que lhe permite materializar e levar à prática os seus objectivos e projectos.

A organização (tal como o Partido) não é um fim em si. Constitui o elo de ligação às massas sociais interessadas na realização dos projectos e objectivos do Partido, na medida em que eles correspondem às suas aspirações. Para um partido que não dispõe dos poderosos meios de intervenção e influência na formação de opinião (incluindo nas classes sujeitas à dominação e exploração do capital) a organização é a principal e decisiva forma que lhe permite criar e desenvolver a sua influência na sociedade.

Na vida do PCP a organização tem ainda um outro valor: é a forma que torna possível a cada membro do partido uma intervenção própria, consciente, activa, na acção e no funcionamento democrático do Partido.

Esse é o “aparelho do PCP” de que tantas vezes falam, para denegrir o seu valor, os partidos que têm como suporte os aparelhos do poder económico e político, da comunicação e da cultura. Mas não esperem que o PCP deixe destruir, desagregar ou paralisar esse “aparelho” que é expressão e instrumento de uma elevadíssima consciência social e política dos seus militantes.

Do património político do PCP, de acordo com a sua experiência própria e, também a experiência da luta mundial da classe operária e do movimento comunista, faz parte a ideia de que uma organização que se propõe criar condições para novas formas de sociedade, necessita de assegurar, na sua actuação, uma orientação comum e uma acção unida.

É natural que essa concepção, que constitui uma das mais importantes criações do movimento comunista e assegurou a eficácia da sua acção, seja alvo de campanhas sem fim, para a desmantelar, paralisar, destruir, desacreditar. Campanhas que podem também ter reflexos dentro do Partido em várias ocasiões da sua história. Do que são exemplo as concepções anarco-liberais que nos anos 50 se registaram, e foram superadas no processo de discussão interna que culminou no VI Congresso (1965). Nesse processo se consolidaram as concepções, normas e princípios em que se baseiam a estrutura e funcionamento do PCP. E a esses princípios está associada a designação de centralismo democrático, a que o PCP juntou o trabalho colectivo.

Estarão estes princípios ultrapassados nas condições actuais? Serão eles “resquícios da clandestinidade”, como certas campanhas pretendem?

Pelo contrário, são princípios que, elaborados e adaptados para responder às várias condições em que o PCP tem actuado, até na clandestinidade se tornaram expressão da sua democracia interna, como parte inseparável do património político do Partido.

Mas foram eles também que, no complexo processo de instauração da democracia, permitiram ao PCP dar uma contribuição decisiva para a intervenção que os trabalhadores e os sectores mais progressistas da sociedade portuguesa nele tiveram.

Centralismo existe em todos os partidos – mas não com a componente democrática do PCP. Elegem-se chefes e barões (muitas vezes em condições pouco democráticas) mas dando-lhes o benefício de um poder autocrático para mandar (ou comandar) nos partidos, sem a intervenção real dos militantes em relação às questões decisivas da sua actuação, num modelo que já foi chamado de centralismo aristocrático, onde a vida política interna se reduz a lutas, despiques e conflitos entre esses barões, com os vários interesses a que estão ligados, e se processa nos moldes de um club de "notáveis" que entre si partilham e distribuem funções e "carismas".

Partidos que actuam como expoentes políticos e “correias de transmissão” do sistema de valores e grupos sociais dominantes podem estruturar-se nesses esquemas orgânicos – e até apresentá-los como “pluralistas” (o que até pode servir para captar votos com diversas motivações, sem que o eleitor saiba qual a orientação que irá prevalecer). Mas são métodos que se baseiam (e fomentam) um longo processo de despolitização e adormecimento da consciência política e fazem perder credibilidade à democracia.

O PCP não pode (nem quer) usar tais métodos. A sua influência (e suas perspectivas de alargamento) bem como a realização dos seus objectivos, têm de basear-se precisamente, pelo contrário, no despertar e no desenvolvimento da consciência social e, com ela, da consciência política. E na capacidade de actuação para esses objectivos.

É certamente por assim pensarem que os militantes do PCP têm massivamente manifestado, como no XVI Congresso, a sua vontade de manter o centralismo democrático e o trabalho colectivo como princípios estruturantes da sua organização, não apoiando argumentações que os ponham em causa ou desrespeitem por práticas de facto consumado.

5.

O debate interno, franco e fraternal, com a participação do maior número possível dos militantes, sobretudo quando estão em causa questões fundamentais, faz parte do património político do PCP.

Num partido como o PCP, no qual é indispensável um alto grau de convicção, consciência política e empenhamento dos militantes, é natural e indispensável esta preocupação pela sua participação activa na definição da sua orientação.

Nada mais estranho à natureza do PCP que unanimismos impostos. A classificação dos membros do PCP entre "ortodoxos" e "renovadores" foi uma brilhante ideia anticomunista: nada melhor do que tentar dividir para reinar. Há, como é naturalmente aceite, diversidade de opiniões e pode mesmo haver opiniões contraditórias, mas não ligadas a interesses antagónicos. E que têm como forma de superação o debate, para uma conclusão comunmente aceite ou tendo como critério de decisão o voto maioritário. Sem pretender calar ou pôr ferrete nas diferenças de opinião mas, também, sem as transformar em confrontos cristalizados, com tendência a pessoalizarem-se de forma permanente.

Não se trata de “disciplina rígida”, mas sim de bases de uma cooperação e acção conjunta, livremente aceites pelos que nela se integram: e nenhuma acção colectiva voluntária é possível sem assentar em normas aceites pelos que nela participam.

Neste quadro, a igualdade de direitos (e deveres, mas neste caso acrescidos segundo os graus de responsabilidade assumidos) é uma exigência não só ética, mas também política. Daí a natural condenação, por parte dos militantes, de comportamentos que, com o objectivo de intervir na vida interna do Partido, recorram a métodos e apoios que são aproveitados em campanhas contra o Partido.

6.

Em matéria de alianças, acordos ou convergências políticas, há duas questões que o PCP sempre tem procurado salvaguardar: a manutenção da sua independência política e organizativa e a salvaguarda dos interesses fundamentais das classes que se propõe representar no plano político e que constituem a sua base social.

Nessa base se fundamentou e aplicou a política de unidade nacional antifascista, concretizada em estruturas políticas que, em várias épocas, foram sua expressão.

Esta foi também, e naturalmente, a orientação que regeu a actuação do PCP quanto a alianças após o 25 de Abril, em todos os confrontos que marcaram a luta pela definição das características do regime democrático (designadamente quanto à Constituição da República, quanto aos direitos cívicos e laborais) e, também, quanto à transformação das estruturas económico-sociais do país (como nacionalizações e reforma agrária).

Com a institucionalização do regime democrático, desde os primeiros tempos da sua entrada em vigor o PCP colocou como seu objectivo uma política de esquerda para os órgãos do poder. “Por uma maioria de esquerda” foi, precisamente, a palavra de ordem do PCP nas primeiras eleições para a Assembleia da República, em 1976. Nessas eleições criou-se, de facto, uma maioria aritmética PS-PCP, base potencial para uma maioria política de esquerda. Essa maioria foi inviabilizada pela orientação seguida pelo PS (Governo PS sozinho e, depois, PS/CDS, Lei Barreto anti-reforma agrária, pacotes laborais de penalização dos interesses e direitos dos trabalhadores, desnacionalizações).

Os factos demonstraram a gravidade dessa política caracterizadamente de direita para as classes trabalhadoras, para a consolidação e aprofundamento da democracia, e para o país. Por isso, também, a luta que o PCP tem travado por uma alternativa de esquerda em vez da alternância entre PSD e PS na aplicação de uma política de direita.

Agora, volta a falar-se muito em "nova política de alianças à esquerda".

Curiosamente, tem-se verificado que muitas vezes quando se fala da necessidade (real) de uma “convergência da esquerda”, não se avançam ideias sobre o conteúdo da política a seguir por essas alianças, ou sobre as causas da muitas vezes referida “crise da esquerda”.

Um argumento recorrente contra o PCP em matéria de alianças é a sua pretensa “rigidez ideológica”. Mas não são motivações ideológicas que têm impedido acordos ou alianças do PCP com o PS. Diferenças ideológicas são óbvias – são elas precisamente que justificam a existência dos dois partidos. O que tem bloqueado essa convergência é a prática política seguida pelo PS: uma política que, apresentando-se por vezes como de "esquerda" (ou de “centro-esquerda”, ou de “bloco central”), pratica de facto, designadamente quando no governo, uma política fundamentalmente idêntica à praticada pela direita. Esse tem sido o factor bloqueador de uma convergência democrática e de uma alternativa de esquerda. Porque rótulos de “esquerda” e “direita” reivindicados ou aplicados a partidos ou linhas políticas, não chegam para caracterizar a prática política por eles seguida: é nos factos que a classificação tem de ser feita.

Mas - perguntam ou afirmam às vezes: o PCP considera o PS um partido de direita (ou empurra-o para a direita)...? Nunca o PCP classificou o PS como “partido de direita”. O PS tem evidentemente lugar na esquerda – mas tem deixado esse lugar vago. Era tempo de o ocupar. E nunca o PCP deixou sem apoio medidas ou posições de esquerda avançadas pelo PS ou seus governos. Veja-se o que aconteceu nas duas últimas legislaturas. Estranhamente, muitos dos que reclamam (designadamente ao PCP) “uma nova política de alianças” – silenciam em quais bases políticas poderão estabelecer-se essas alianças. Trata-se então de procurar uma convergência que permita novas práticas políticas, - ou de procurar apoios políticos, visando apenas oferecer (ou aceitar) um lugar (possivelmente marginal) num poder político sem princípios, capaz de servir os mesmos interesses que uma qualquer política de direita (“pura e dura” ou “moderada”, de acordo com as conjunturas)?

Essa alternidade duma mesma política ora com etiqueta de direita ora de esquerda, tem sido o principal factor da crise da democracia nos países em que uma falsa e falseadora bipolarização se impôs. Não será isso que leva ao descrédito da democracia, quando o jogo da mudança de etiquetas no mesmo modelo substitui a definição e clareza de princípios e de políticas?

7.

Nos seus 81 anos o PCP viveu épocas de fluxo e de refluxo da História, de avanços e recuos da luta popular, de vitórias e derrotas da sua acção.

Só um idealismo beatífico poderia pensar que um partido revolucionário tem assegurado um ascenso permanente. Não dependem só dele as condições para isso. As suas possibilidades de sucesso, em cada época, estão também condicionadas pelas situações criadas nas diferentes conjunturas da situação nacional e internacional, com os seus reflexos, positivos ou negativos, no confronto das forças políticas e sociais.

Todas as grandes revolucões sociais, transformadoras das relações humanas (como foram as que nos séc. XVIII e XIX quebraram as barreiras do feudalismo) foram processos complexos, com avanços e recuos.

O voluntarismo, pensar que a realização de objectivos se alcança só por se querer, é um erro que se pode pagar caro.

A vontade humana é factor indispensável da luta política. Mas tem de ter em conta as condições em que intervém e agir da forma mais acertada em cada conjuntura. Impulsionando e preparando os fluxos e fazendo frente e resistindo aos refluxos.

É pois não só uma injustiça como um absurdo fazer das dificuldades do Partido numa conjuntura adversa o alvo e argumento principal para a análise e a crítica à sua acção e, mais ainda, cair num "botabaixismo" angustiado ou angustiador. Como também é política e historicamente enganador definir uma estratégia só em função de uma conjuntura. O que pode levar ao aventureirismo ou a um oportunismo sem princípios nem futuro. Tal como a apologia do pragmatismo é uma forma de propor a abdicação de uma vontade política.

Quando hoje se questiona se o PCP é um partido de resistência ou de poder, apresenta-se uma falsa questão: é, e tem de ser, as duas coisas. De acordo com as conjunturas. E já provou sê-lo. Além da sua luta na resistência antifascista, conta (como momento mais importante da sua história) a marca que deixou na vida nacional quando teve participação no governo, além das provas dadas no exercício de poder local em vastas e diferenciadas áreas do País.

Não pode ignorar-se ou deixar de ter em conta que nos últimos anos o comunismo sofreu pesadas derrotas no mundo e é alvo de assalto talvez sem precedentes.

Aproveitando a conjuntura favorável criada com a derrocada do socialismo no leste europeu, o imperialismo tem vindo a reforçar o domínio do capital em todo o mundo, com poderosas ofensivas económicas e políticas, ideológicas e culturais (e também militares) e, até agora, com reforço da natureza repressiva e policial dos seus Estados.

Houve partidos comunistas que capitularam, renunciando aos seus objectivos e mudaram de campo, tornando-se peças do funcionamento político do sistema capitalista. É o caso do PCI, rebatizado como "Democratas da Esquerda", mas não sem se apoderar do património organizativo (e material...) do PCI.

Outros, mantendo (ou adaptando) o nome, mudaram de facto a sua natureza. "Deitámos fora a mochila" - dizem alguns dos seus dirigentes. Mas "na mochila" havia muita coisa válida, recolhida em muitas gerações de luta: haveria sim que arrumar a mochila, deitando fora o velho e errado e juntando-lhe o necessário para prosseguir a caminhada. Ao contrário do que pretendiam, essa escolha tem levado em geral ao definhamento desses partidos: os seus militantes não reconhecem neles o partido a que aderiram; e não ganham novos militantes porque parecem iguais aos outros partidos já integrados no sistema capitalista.

Quem perde a noção da base da sua força arrisca-se a ver a sua bandeira arreada.

O desaparecimento ou degenerescência dos partidos comunistas em países onde alcançaram forte implantação (ou a sua falta noutros) deixa sem expressão política uma grande massa potencial de pessoas que sentem as injustiças e os perigos do capitalismo e aspiram a novas formas de organização da sociedade. Pessoas que abandonam a vida política (o que é uma das causas da degradação da democracia) ou caem no desespero e no aventureirismo.

Os comunistas portugueses (e não só) não capitularam. No XIII Congresso (1992) afirmaram: "Fomos, somos e seremos comunistas". E confirmaram-no na sua prática política.

8.

Em todas estas questões o que no fundo está em causa é: que partido queremos ter. Isto é: qual a sua razão de ser, qual a função que queremos que ele exerça na sociedade portuguesa. Por que é que a ele aderimos e qual o objectivo da nossa militância.

Factor essencial que assegurou ao PCP a sua unidade, força e influência tem sido a convicção partilhada pelos seus militantes de que um partido assim, com estes objectivos e esta actuação, é indispensável para assegurar aos trabalhadores e ao povo português uma acção eficaz, coerente, continuada, capaz não só de defender os seus interesses como de levar à realização um projecto que responda às suas aspirações e necessidades, presentes e futuras.

Só na base de convicções sólidas, baseadas nestas perspectivas, se compreende que tantos militantes tenham escolhido este partido que não lhes promete vantagens pessoais nem vitórias imediatas a qualquer preço.

Tornou-se agora moda falar do "fim do comunismo" como facto adquirido, mesmo por alguns que nostalgicamente o lamentam. E não faltam sumidades que se especializaram em redigir-lhe atestados de óbito em nome duma "modernidade" que se apresenta com um fascínio de uma nova era: "fim das classes e da luta de classes", "fim do trabalho", "morte das ideologias", "fim da História"... É toda uma nova ideologia, criada em estufa, para obrigar a pôr na ordem os que se propõem pôr em causa a "nova ordem" estabelecida.

Mas a realidade do mundo desmente tais teorias. E o PCP é um dos desmentidos do "fim do comunismo".

A caminhada é mais longa e difícil do que em alguns momentos nos pareceu. Mas a necessidade (e urgência) das mudanças por que lutamos é cada dia comprovada pela marcha atrás que o capitalismo está a querer impor ao mundo, com os perigos que acumula para a humanidade.

O capitalismo está historicamente condenado. E quando, nas janelas da História, os corvos grasnam: "o comunismo não tem futuro", pudemos enxotá-los gritando: o capitalismo é que não tem futuro.

 

«O Militante» - N.º 257 - Março/ Abril de 2002