"Globalização" - algumas questões



Membro do CC do PCP e da Comissão Política e do Secretariado da JCP


De 16 a 18 de Novembro passado, em Madrid, a JCP participou numa reunião internacional de organizações de juventude comunistas da Europa e da América do Norte.

A reunião, proposta e organizada pela União das Juventudes Comunistas de Espanha, pretendia pôr em comum a reflexão das diversas organizações sobre os fenómenos da "globalização" e do neoliberalismo e dos movimentos que contra estes se têm levantado.

Na génese desta iniciativa esteve o facto de se terem nos últimos anos desenvolvido movimentos e lutas sob o guarda-chuva da ‘anti-globalização’, onde participaram largos milhares de jovens de muitos países, com ampla divulgação na comunicação social e características contraditórias sobre as quais os diferentes partidos e organizações juvenis têm diferentes reflexões.

O que se procurou com esta reunião foi reflectir sobre as consequências dos fenómenos ditos globalizados nas várias esferas da vida dos jovens dos vários países – educação, emprego, direitos, liberdades e garantias, etc. -, as formas de luta contra os ataques aos seus direitos e as diferentes expectativas e experiências com os movimentos.

São diversas as reflexões que desta importante reunião podemos retirar. A JCP precisa ainda de aprofundar mais muitas delas, nomeadamente no que diz respeito à situação internacional e às suas consequências na vida e na luta dos jovens no mundo e no nosso país. Há, no entanto, uma série de ideias e de pontos de partida para a reflexão indispensável que podemos desde já assentar.

"Globalização" e imperialismo

A verdade é que muitos dos que falam de "globalização" como um fenómeno radicalmente novo parecem esquecer o conceito de imperialismo, que continua a ser o termo mais exacto para definir as condições económicas, sociais, políticas, ideológicas sob as quais vivemos e sob as quais os últimos Congressos da JCP e do Partido reflectiram. Ser "anti-globalização" não é de facto o mesmo que ser anti-imperialista. A luta contra a exploração, nas suas várias vertentes, é uma característica fundamental da luta anti-imperialista, mas não o é da luta contra a "globalização". Da mesma forma, que o combate ao militarismo e a luta pela paz são característicos dos movimentos anti-imperialistas e não o têm sido dos movimentos "anti-globalização" (se bem que alguns destes movimentos se tenham pronunciado de forma clara e correcta contra o ataque ao Afeganistão, por exemplo).

Por outro lado, os fenómenos de concentração económica, dos mercados, da hegemonia dos EUA e das transnacionais não são uma novidade absoluta, mas sim característicos da fase do capitalismo que atravessamos. Por isto, e para entender as contradições dos movimentos ‘anti-globalização’, temos de entender também que nem todos os que o integram são anti-capitalistas.

Os vários movimentos e momentos contra a "globalização" têm raízes e composições diferentes: Seattle, Praga, Porto Alegre, Génova, Barcelona, Estocolmo, etc., mais recentemente Bruxelas (na nossa comunicação social ficaram praticamente abafados os protestos realizados no fim de semana das eleições autárquicas) são iniciativas de massas, de contestação às políticas, de concertação de esforços, que temos de conhecer melhor. A reunião com as juventudes comunistas organizada pela UJCE foi utilíssima nesse sentido. Organizações que acompanharam mais de perto do que a JCP estes processos, nomeadamente a Young Communist League, dos EUA, e a Giovanni Comunisti, de Itália, referem que nas plataformas que têm apelado às manifestações estão integradas organizações tão díspares como ONG’s com reivindicações parcelares; organizações e personalidades que defendem reformas para melhorar no imediato problemas determinados do sistema – como seja a Taxa Tobin, medida que o PCP foi pioneiro em propor no nosso país; forças revolucionárias e forças reformistas; organizações que propõem acções de massas, outras que optam por acções mediáticas; sindicatos de classe e gente que acha que já não há luta de classes; orientações anti-organizações e anti-partidos, muitas vezes de um anti-comunismo primário – de que o exemplo mais paradigmático serão as manifestações de Praga, em que havia duas plataformas, uma das quais se caracterizava por não admitir os comunistas.

Por este brevíssimo elenco das forças que podem compor os diversos movimentos se entende que este é um esforço extenuante para uma força consistente e consequente. O perigo da diluição dos comunistas e das forças anti-capitalistas é real. A ideia que se pode chamar para a luta anti-imperialista estes sectores através do contacto com comunistas nestas plataformas pode ser tentadora. Mas, como vimos atrás, sob aquele que aparentemente é o mesmo guarda-chuva estão entendimentos diferentes sobre o que fazer ao capitalismo: melhorá-lo ou superá-lo? A resposta dos comunistas só pode ser clara.

Uma outra questão, da prática de organização destes movimentos, prende-se com o tempo em que decorrem os protestos. Corre-se o risco de a agenda destes movimentos ser marcada exactamente por aqueles que contestam, seguindo indefinidamente reuniões, foruns e cimeiras das instâncias de articulação do imperialismo, num efeito perverso de se contestar exactamente os temas que a estas instâncias convém que se discutam.

Lutas nacionais

No âmbito do VI Congresso da JCP, em Março de 1999, realizou-se no Seixal uma reunião com as delegações estrangeiras presentes sobre educação e emprego. Ficaram claras as orientações do imperialismo para estes sectores: privatizar, elitizar, criar mais condições de exploração dos trabalhadores.

Nesta reunião em Madrid estas características foram novamente sublinhadas. No caso dos países da União Europeia, o decalque das orientações chega a ter contornos assustadores.

Em Portugal, os processos dos atentados aos direitos estão muito adiantados. São exemplos claros a privatização da educação – com o diploma de autonomia e gestão das escolas básicas e secundárias e o financiamento do ensino superior – e a sua elitização – de que a reorganização curricular do básico e a revisão curricular do secundário são máximos exemplos.

A discussão sobre como lutam os jovens dos outros países contra ofensivas semelhantes é de uma enorme riqueza.

Esta questão das orientações comuns lança-nos na discussão de dois pontos essenciais:

- os Governos não podem ser desresponsabilizados pelo que se passa nos seus países. Há responsabilidades claras dos governos nacionais. Um dos traços do imperialismo é a desigualdade de poder e soberania entre as nações – veja-se a hegemonia dos EUA, a preponderância da Alemanha na UE, a precisão cirúrgica de destruição e desagregação dos Estados que se lhe opõem (Jugoslávia, Iraque, Palestina).

- a importância das lutas nacionais. As lutas concretas, na escola e na empresa, são insubstituíveis na tomada de consciência dos jovens, dos trabalhadores e das populações em geral, bem como na resistência e na defesa dos direitos e na conquista de melhores condições. A ligação às massas em cada país, a luta contra a exploração em cada país não pode ser substituída.

A FMJD e o Movimento dos Festivais

O reforço e o alargamento dos sectores que combatem as diversas políticas imperialistas é absolutamente necessário. A JCP tem, tal como o Partido, a prática de participar com as suas experiências, reflexões e propostas nas iniciativas de discussão dos problemas que se nos colocam, das dificuldades e dos sucessos do movimento juvenil no mundo.

Na construção da unidade anti-imperialista do movimento juvenil a nível mundial, tem justíssimo destaque o movimento dos Festivais Mundiais da Juventude e dos Estudantes e a Federação Mundial da Juventude Democrática. Ainda recentemente, no XV FMJE, em Argel, as estratégias de dominação do imperialismo foram discutidas profundamente e veementemente condenadas pelos milhares de delegados, sejam elas o Plano Colômbia, o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), invasões e ocupações militares, bloqueios, ofensiva ideológica, etc..

Fortalecer a unidade e a solidariedade internacionalista com juventudes e forças comunistas e progressistas, contra o imperialismo, é uma tarefa que a JCP deve reforçar.

«O Militante» - N.º 256 - Janeiro/Fevereiro de 2002