Poesia
Arte contra a guerra

 


Goya - Desastres da Guerra
GENERAL, O TEU TANQUE
É UM CARRO FORTE

Arrasa um bosque e esmaga centos de homens.
Mas tem um defeito:
Precisa de um condutor.
General, o teu bombardeiro é forte.
Voa mais rápido que uma tempestade e carrega mais que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um mecânico.
General, o homem é muito hábil.
Sabe voar e sabe matar.
Mas tem um defeito:
Sabe pensar.
O FÜRER CONTAR-VOS-À:
A GUERRA

Dura quatro semanas. Quando vier o Outono
O Outono virá e passará
E virá de novo e passará muitas vezes, e vós
Não tereis voltado.
O pintador contar-vos-à: as máquinas
Farão isto por nós. Muito poucos
Terão de morrer. Mas
Vós morrereis às centenas de milhares, tantos
Quantos nunca se viram morrer.
Quando eu ouvir que estais no Cabo Norte
E na Índia e no Transval, saberei apenas
Onde um dia se poderão achar as vossas covas.


Pablo Picasso
- pormenor da Guernica

QUANDO TOCA A MARCHAR,
MUITOS NÃO SABEM

Que o inimigo marcha à sua frente.
A voz que os comanda
É a voz do inimigo.
O que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo.

SE SE REPARTIREM OS
CAMPOS DOS MORGADOS

Não será preciso conquistar os campos dos camponeses da Ucrânia.
Se se conquistarem os campos dos camponeses da Ucrânia
Ficarão os morgados ainda com mais campos.

A GUERRA QUE AÍ VEM
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última acabou
Houve vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo baixo
Passou fome. Entre os vencedores
Passou fome também o povo baixo.

  In Poemas e Canções, Bertolt Brecht, selecção e versão portuguesa de Paulo Quintela, Livraria Almedina, Coimbra, 1975
Manhã de Junho
Talvez, talvez sejam os últimos
dias. Se for assim, são um esplendor.
Apesar dos aviões da Nato despejarem
bombas e bombas no Kosovo, a perfeição
mora neste muro branco
onde o escarlate
da flor da buganvília sobe ao encontro
da luz fresca da manhã de junho.
A beleza (não há outra palavra
para dizê-lo), desta manhã
é terrível: persiste, domina –
apesar dos aviões, mesmo com
bombas a cair e crianças a morrer.


In Os Sulcos da Sede, Eugénio de Andrade, Fundação Eugénio de Andrade, Porto,
Setembro de 2001, pág. 50.


Roy Lichtenstein - Whaam!


H. Schumann - Pela Segurança e pela Paz, Alemanha, 1955

Guerra
Quando Francisco Charrua
chegou ao largo gritando:
– Eh! gente, estalou a guerra!
Zé Gaio de alvoroçado
pôs-se a bater o fandango.
Os outros só pelos olhos
falavam surpresa, esperança:
– Será agora? Talvez...!
Mas Zé Gaio tinha a certeza:
estava a bater o fandango!...
Já vão dois anos passados.
Agora a telefonia
da venda, à esquina do largo,
informa todas as noites:
«Uma esquadrilha inimiga
bombardeou a cidade:
morreram trinta mulheres
e vinte e sete crianças.»
Agora a telefonia
informa todas as noites,
dias, meses, anos... noites:
«Morreram trinta mulheres
e vinte e sete crianças.»
...E lá num canto do largo,
coberto de noite e raiva,
Zé Gaio abriu a navalha
no grosso tronco da faia.
Lá num canto do largo,
a faia toda dobrada
– será do peso da noite
ou do vento de desgraça
que sai da telefonia?


In Obra Poética, Manuel da Fonseca, 8ª edição, Editorial Caminho, 1998, pág. 125.

 

«O Militante» - N.º 255 - Novembro/Dezembro 2001