Problemas e perspectivas
do movimento sindical


Por iniciativa do Partido Comunista da Grécia, realizou-se em Atenas, em 22-24 de Junho, um Encontro Internacional de Partidos comunistas e operários sob o lema "Os comunistas e o movimento operário e sindical".
Estiveram presentes representantes de 54 partidos de 41 países, de todos os continentes, que intervieram sobre a situação actual e as perspectivas do movimento sindical.
Publicamos neste número de "O Militante" o contributo do Partido Comunista Português neste Encontro.

A iniciativa dos camaradas do Partido Comunista Grego de realizarem este Encontro para discutir questões relacionadas com os problemas do movimento sindical e o papel dos comunistas tem, quanto a nós, comunistas portugueses, enorme actualidade e interesse.

As questões que aqui nos propomos abordar assumem uma extraordinária importância para o presente e o futuro desenvolvimento da luta da classe operária e de todos os trabalhadores, para a preservação e afirmação da natureza de classe dos partidos comunistas, para a sua ligação às massas trabalhadoras.

Em torno do papel e da natureza do movimento sindical, das suas formas de organização e de luta, do papel da classe operária e dos trabalhadores na luta por grandes transformações sociais, da intervenção dos comunistas no movimento sindical, trava-se há vários anos uma aguda luta ideológica, a par (ou como suporte) de todo um conjunto de medidas práticas tomadas pelo patronato e seus governos, quer sejam socialistas, de direita ou uma coisa e outra, para enfraquecer e limitar a organização e intervenção sindicais, em que se compaginam medidas repressivas directas com outras ditas democráticas, visando a integração do movimento sindical no sistema de domínio do grande capital.

Tudo isto, que pode ser observado e comprovado pela experiência quotidiana, tem uma explicação bem simples. O movimento sindical continua a ser a maior organização social de massas, a maior organização da classe operária e dos trabalhadores em geral, ou seja, das forças mais organizadas e mais determinadas na luta contra a exploração, as forças que estão no centro da luta de classe do trabalho contra o capital.

A realidade do movimento sindical português, aliás como a de qualquer outro, é fortemente marcada, na sua génese e desenvolvimento, pelos níveis de desenvolvimento capitalis ta, pela correlação de forças entre o trabalho e o capital, as experiências e tradições de luta dos trabalhadores, grau maior ou menor da influência das tendências revolucionárias ou reformistas no movimento operário, pelo nível de existência ou ausência de liberdades democráticas, pelas permanentes transformações operadas nas forças produtivas e a incorporação de novas camadas ao trabalho assalariado.

Partindo da realidade e experiência portuguesas, três ideias importa colocar desde já, na medida em que são questões nucleares determinantes na definição das nossas orientações partidárias.

Uma ideia é de que consideramos o movimento sindical como organização de classe necessário e indispensável no trabalho de organização, consciencialização e mobilização dos trabalhadores como força autónoma na luta pela defesa dos seus interesses e contra a exploração.

Outra ideia é de que a natureza de classe do movimento sindical, sua combatividade, ligação aos trabalhadores e sua unidade, não é separável da influência determinante dos comunistas a todos os níveis do movimento sindical.

Finalmente numa ligação dialéctica concluímos igualmente que a influência do Partido Comunista junto dos trabalhadores, sua capacidade de mobilização e afirmação como vanguarda revolucionária, não em teoria mas de facto, não é possível sem sólidas posições do Partido no movimento sindical e nos locais de trabalho.

É a esta luz que deve ser compreendida a atenção dada pelo meu Partido, inclusive nas resoluções congressuais, aos problemas do movimento sindical e que, no quadro da grande multiplicidade de tarefas e responsabilidades políticas do Partido, consideramos esta área de trabalho como prioritária.

O movimento sindical português no seu desenvolvimento histórico foi marcado decididamente por uns tantos factores essenciais, nomeadamente a prática ausência de qualquer influência reformista no movimento operário e sindical (o Partido Socialista dissolveu-se após a implantação do fascismo, além de que não tinha raízes no movimento operário); a influência determinante reconhecida pelas massas da corrente ideológica marxista-leninista; a orientação do Partido, tomada em 1935 e que se levou à prática até ao fim do fascismo, de se intervir no interior dos sindicatos fascistas, orientação que permitiu subtrair à sua influência e domínio fortes sindicatos e criar, em plena ditadura e num quadro de ausência de liberdade sindical, a central sindical. E, por último, a revolução de 25 de Abril que, ao restaurar as liberdades políticas e sindicais, permitiu um desenvolvimento explosivo do movimento sindical e das Comissões de Trabalhadores eleitas nos locais de trabalho, com direitos e funções específicas, estruturas que desempenharam papel essencial no aprofundamento do processo revolucionário, nas profundas transformações sócio-económicas, na longa luta para defender muitas dessas conquistas.

Há mais de 20 anos que se desenvolve uma poderosa ofensiva social, económica, política e ideológica, contra o movimento sindical e os trabalhadores portugueses, ofensiva que sendo expressão bem concreta da natureza exploradora do capitalismo, tem sido fortemente marcada pelos avanços do processo contra-revolucionário, pela reconstituição e reforço do poder dos grandes grupos económicos e financeiros liquidados na sequência da Revolução de Abril, pela liquidação de importantes conquistas democráticas, pela limitação de direitos e liberdades dos trabalhadores, avançando-se com sucessivas alterações à legislação laboral, tendo sempre como fio condutor restaurar um quadro jurídico das relações laborais favorável ao domínio patronal.

As transformações sócio-económicas são extremamente desfavoráveis aos trabalhadores e criam sérias dificuldades à organização sindical. Generaliza-se a precarização do mercado do trabalho, abrangendo as condições profissionais, o estatuto laboral, os salários e os horários. No desemprego, tornado maciço e crónico, cresce o peso do desemprego de longa duração.

A destruição ou redução de colectivos laborais de elevada concentração e com influentes posições do movimento sindical e do Partido, consequência das privatizações, de reestruturações industriais e da desmontagem do tecido industrial, enfraqueceram significativamente a base organizada do movimento sindical.

As transformações operadas no trabalho assalariado, em consequência das alterações tecnológicas, das modificações produzidas nas actividades e estruturas económicas, afectam particularmente sectores que, pela grande concentração de trabalhadores, elevada consciência de classe, experiência de luta, constituíam a parte mais sólida do movimento sindical.

A composição dos assalariados sofreu grandes modificações. Ao mesmo tempo que se amplia extraordinariamente o número dos assalariados, estes tornam-se mais heterogéneos, pelo seu papel na produção, pelo estatuto laboral, pela composição etária e de sexo. O assalariamento de camadas intermédias cria um tipo de trabalhadores em que a situação objectiva no processo de exploração e a compreensão subjectiva da sua condição não são coincidentes.

As questões enunciadas, a que se poderiam acrescentar outras, tornam evidentes as dificuldades e imensidão de problemas e desafios que o movimento sindical tem de responder. Mas dificuldades não quer dizer impossibilidades. O PCP continua a pensar que o movimento sindical, se alicerçado nos seus valores básicos, tem todas as condições para estar à altura das suas responsabilidades e superar as suas dificuldades, combater as teorias dos que dão por esgotado esta forma de organização dos trabalhadores, ou dos que, por terem perdido a confiança na luta e no papel dos trabalhadores e consideraram a luta de classes como fazendo parte da arqueologia ideológica, na prática o que advogam é a submissão do trabalho ao capital.

O movimento sindical como organização de classe corresponde a uma necessidade objectiva, a dos trabalhadores se organizarem para fazer frente à exploração do trabalho pelo capital, exploração que na fase actual do desenvolvimento capitalista não se atenua, antes se intensifica e alarga a crescentes camadas assalariadas.

A base social de intervenção do movimento sindical altera-se mas não se restringe, amplia-se significativamente com o crescimento contínuo do trabalho assalariado a novos sectores e camadas da população, ampliando o campo de mobilização para a luta com a integração de novas camadas de trabalhadores.

Esta é uma realidade confirmada pelo desenvolvimento do movimento sindical português agrupado em torno do CGTP-IN, a verdadeira central sindical dos trabalhadores portugueses.

Nos últimos anos formaram-se muitos novos sindicatos, vários outros procederam a profundos processos de reestruturação para responder às novas realidades e deram-se passos muito significativos para levar os novos trabalhadores a compreender a importância das organizações de classe.

No decurso do ano passado, confirmando uma tendência iniciada em 1997, registou-se um novo afluxo de adesões aos sindicatos, com cerca de 60 000 novas filiações, das quais cerca de 50% mulheres e 25 000 jovens com menos de 30 anos. Isto tem um alto significado, na medida em que a juventude trabalhadora (os jovens com menos de 25 anos representam mais de 1/3 da mão de obra assalariada) participa crescentemente nas acções de massas, apresentando-se como um enorme potencial de rejuvenescimento, reforço orgânico e força combativa do movimento sindical e operário.

Mais surpreendente ainda é o facto de, apesar dos esforços do patronato para limitar e mesmo proibir a organização sindical nos locais de trabalho, se ter no ano 2000 reforçado a organização sindical de base com a eleição nos locais de trabalho de 5 000 novos delegados, representantes directos dos sindicatos nos locais de trabalho.

O reforço da organização sindical de base é duplamente vital para o futuro do movimento sindical. Por um lado ele é condição essencial para a participação dos trabalhadores na vida das suas organizações de classe sem o que a democracia sindical se transformará num vazio, para a mobilização e esclarecimento dos trabalhadores e para o controlo da actividade das cúpulas dirigentes. Por outro lado, é igualmente essencial para garantir a independência financeira do movimento sindical, sem o que não há independência de classe. Foi um governo do PS que ao proibir o desconto directo das cotizações sindicais nos locais de trabalho com o propósito confesso de “quebrar a espinha ao movimento sindical”, quem primeiro percebeu que as pressões financeiras podiam ser um caminho para submeter o movimento sindical.

No ano 2000, o movimento sindical recolheu de cotizações 6 milhões de contos, qualquer coisa como 30 milhões de euros ou 25,379 milhões de dólares.

Nós comunistas portugueses, tudo faremos para que o movimento sindical ultrapasse as suas dificuldades, reforce a sua organização e intensifique a sua acção. Entretanto duas questões gostaríamos de abordar de forma mais detalhada.

A primeira prende-se com a principal função do movimento sindical que é a luta reivindicativa, quer para contrariar medidas gravosas contra os trabalhadores, quer para fazer melhorar a sua situação. Aliás o patronato percebe muito bem que a luta sindical é um obstáculo à permanente e persistente acção do patronato para desvalorizar a força do trabalho.

As teoria que tendem a privilegiar aquilo a que chamam a “postura propositiva”, “diálogo”, “participação nas instituições”, concertação social, cometem um conjunto de erros básicos. Participação e luta não se excluem, antes pelo contrário. Só a luta económica e política pode potenciar a participação ainda que esta, tendo em conta a natureza de classe do poder político, não é mais do que uma tribuna para denunciar e contrariar as políticas anti-operárias. O movimento sindical unitário português nunca assinou qualquer pacto de concertação social. Não por uma questão de princípio, mas porque a própria lógica dos Pactos Sociais visa paralisar a luta do movimento sindical e dos trabalhadores. Foi pela luta de massas que se paralisou os Pactos Sociais estabelecidos com forças divisionistas e se reforçou a influência e o prestígio do movimento sindical.

A articulação entre as reivindicações económicas e políticas, as acções no interior das empresas, nas ruas e junto dos órgãos de poder, são de vital importância para a defesa dos interesses dos trabalhadores.

Uma segunda questão relaciona-se com aquilo que alguns chamam de “globalizar a resistência”.

Os processos de internacionalização do capital, o domínio crescente das multinacionais, os processos de integração, a proliferação de mecanismos de regulação internacional de divisão do trabalho torna necessário que se reforcem e aperfeiçoem as formas de cooperação e solidariedade internacionalistas. As iniciativas como as que se têm realizado por altura das Cimeiras da União Europeia, se associadas aos problemas concretos dos trabalhadores, podem desempenhar papel importante. Por outro lado, continuamos a pensar que esta linha de trabalho não deve sobrepor-se à luta em cada Estado, terreno em que se dá o afrontamento directo com a exploração, terreno onde se travam as principais lutas de classe, terreno onde a mobilização dos trabalhadores é determinante para combater a exploração capitalista. As batalhas de classe, ao nível de cada Estado, é um contributo e uma responsabilidade de cada destacamento do movimento operário para a luta geral.

O papel, influência, prestígio e a combatividade do movimento sindical português agrupado em torno da CGTP-IN, não é separável das suas características essenciais, nomeadamente a natureza de classe, de massas, democrático pelo funcionamento e envolvimento dos trabalhadores, unitário pela sua composição política-ideológica, e acção consequente e permanente em defesa dos interesses dos trabalhadores.

O movimento sindical português que, em muitos aspectos, se afirma como um caso impar é património do movimento operário português, mas é-o igualmente da acção e da intervenção dos sindicalistas comunistas.

Os comunistas, constituindo a larga maioria dos dirigentes sindicais a todos os níveis, desde os Sindicatos à Confederação,são a força política-ideológica mais influente do movimento sindical. Anote-se, entretanto, como relevante, que esta influência, reconhecida e aceite pelos trabalhadores e nossos aliados, resulta do facto dos comunistas ocuparem as posições que ocupam por terem sido eleitos pelos seus companheiros de trabalho, em consequência de se destacarem como os mais activos e consequentes defensores dos interesses e direitos dos trabalhadores.

Uma das linhas que se tem desenvolvido visando descaracterizar e enfraquecer a combatividade do movimento sindical, tem assentado no questionamento do papel dos militantes comunistas no movimento sindical, em nome de uma pretensa defesa da autonomia e independência sindicais.

O Partido Comunista Português, como partido da classe operária e dos trabalhadores, não abdica de ter posições e orientações sobre o movimento sindical, orientações que constam da resolução do Comité Central e dos nossos Congressos. Os Estatutos do Partido consagram normas precisas a observar pelos militantes que intervêm no movimento sindical, bem como nos movimentos de massas em geral, normas que obrigam os membros do Partido a actuarem segundo as orientações do Partido na defesa dos interesses das massas, defendendo e observando a autonomia, o carácter unitário e a vida democrática das organizações e movimentos de massas, contrariando atitudes que não tenham em conta a responsabilidade dos comunistas perante as massas, como actuações que iludam a responsabilidade perante o Partido.

Trata-se de princípios claros que contrariam qualquer ideia de confundir autonomia e independência com apoliticismo ou à renúncia dos comunistas abandonaram essa qualidade quando intervêm nos movimentos de massas e no movimento sindical em particular.

A autonomia e a independência sindicais, tal como as entendemos e defendemos, expressam-se pela capacidade das organizações sindicais definirem, pelos seus órgãos e normas regulamentadoras próprias, os objectivos e as actuações face ao patronato, ao Estado, as confissões religiosas e aos partidos políticos.

Questão de princípio definidora da autonomia e da independência é a capacidade das organizações sindicais decidirem das suas orientações em função dos interesses dos trabalhadores, sem cedências às pressões ideológicas estranhas aos seus interesses de classe, princípio de que a participação dos comunistas é uma garantia essencial.

As linhas de trabalho que o PCP vem desenvolvendo para reforçar a sua ligação aos trabalhadores são de grande importância para reforço do Partido, mas são-no ainda mais quando os inimigos de classe procuram veicular o conformismo, apresentar o capitalismo como o melhor dos mundos possíveis, dificultar a compreensão dos mecanismos de exploração, separar a acção social da acção política.

A organização do Partido nos locais de trabalho é determinante para elevação da consciência social e de classe, para a elevação da consciência política dos trabalhadores e do apoio ao PCP.

O reforço da influência do Partido junto dos trabalhadores contribuirá sempre para o reforço do movimento sindical.

No nosso XIV Congresso (1992) concluímos que “a influência dos comunistas no movimento sindical é, nas condições presentes, um factor determinante da força, independência, consciência de classe, unidade e influência de massas da CGTP-IN. Os trabalhadores estão vitalmente interessados em que ela se mantenha”.

O desenvolvimento da vida nacional confirma a justeza desta orientação. Consciente das suas responsabilidades para com os trabalhadores e o país, o Partido Comunista Português continuará a intervir para reforçar o movimento sindical.

«O Militante» - N.º 254 - Setembro/Outubro 2001