As Edições «Avante!» e a história do PCP Breve roteiro bibliográgico - II |
Membro do Comité Central do PCP
e Director da Editorial «Avante!»
No último número de O Militante fizemos uma breve análise de algumas obras que consideramos fundamentais para o conhecimento da história do PCP no período anterior ao 25 de Abril de 1974.
Iremos agora passar a debruçar-nos sobre outras obras que traduzem momentos-chave na trajectória histórica pós-25 de Abril do PCP (e não apenas do PCP mas do próprio País, dada a profunda interacção dialéctica entre uma e outra).
O PCP, partido
voltado para a vida, atento ao desenvolvimento da realidade histórica,
intervém nesta de forma orientada e organizada segundo princípios
programáticos e estatutários resultantes, em cada situação
histórica concreta, do apuramento da experiência, da reflexão
e do debate colectivos de todo o Partido. Os Congressos do Partido são
precisamente o culminar desses apuramentos periódicos e os documentos
neles aprovados constituem, portanto, documentos históricos de relevância
incontornável.
O PCP realizou dez congressos após a Revolução de Abril de 1974, correspondendo cada um deles a circunstâncias históricas diversas e sendo, portanto, nessa medida merecedores por igual de análise (1). A economia deste texto impõe-nos, porém, uma selecção. Os textos que dedicamos a cada um dos três congressos a que vamos fazer referência permitem compreender, pensamos, as razões da escolha.
VIII Congresso (11 a 14 de Novembro de 1976, Pavilhão da FIL, Lisboa): relativamente a este importante congresso publicaram as Edições «Avante!» o Relatório ao Congresso, aprovado pelo Comité Central, de Álvaro Cunhal, sob o título A Revolução Portuguesa - O Passado e o Futuro (2) e o livro contendo todos os restantes materiais do Congresso: VIII Congresso do PCP - Com a Democracia para o Socialismo.
Nestas obras, abarcando os dois anos e meio decorridos desde a alvorada libertadora de 25 de Abril de 1974, descreve-se e explica-se como se processou a profunda transformação histórica que, ante a surpresa do mundo, fez de um Portugal marchando na retaguarda do desenvolvimento social e político - herança de cerca de meio século de ditadura fascista - um Portugal em que o povo e militares, os trabalhadores e os comunistas tinham dado mostras, e continuavam a dá-las, da sua capacidade e decisão de construirem na sua pátria uma sociedade nova, democrática, livre, independente, a caminho do socialismo.
Essa transformação do sistema socioeconómico e do regime político, operada num curto espaço de tempo e que passado cerca de um quarto de século de processo contra-revolucionário não conseguiu destruir completamente - o que demonstra bem a sua correspondência com os interesses e anseios de todas as classes e camadas antimonopolistas e antifascistas -, deveu-se fundamentalmente à iniciativa e acção revolucionária das massas populares em movimento - lição histórica que de modo nenhum pode ser esquecida. Mas também não o pode ser uma outra: é que tendo-se processado sem que se tivesse constituído um poder revolucionário e criado um aparelho de Estado correspondente, o sistema socioeconómico e o regime político derrubados podem ser, se bem que com variantes, restaurados, apesar da resistência das massas populares. Daí a tese da impossibilidade de instituir, consolidar e aprofundar a democracia sem se caminhar na perspectiva do socialismo. Essa tese, sintetizada no lema do VIII Congresso «Com a Democracia para o Socialismo» e claramente desenvolvida nos seus documentos (lembre-se que a sua elaboração remonta ao VI Congresso do PCP realizado em 1965), foi inteiramente confirmada pela Revolução portuguesa e pelo processo contra-revolucionário que se lhe seguiu (3).
Pela riqueza factual e sua sistematização, pela profundidade das reflexões e pelo alcance das conclusões, os documentos do VIII Congresso do PCP permanecem hoje inestimáveis materiais, não apenas de consulta mas também de referência político-ideológica.
XII Congresso do PCP (1 a 4 de Dezembro de 1988, Palácio de Cristal, Porto): realizado numa situação nacional e internacional complexa, a discussão e aprovação de dois documentos fundamentais marcaram este Congresso - o novo Programa do Partido e as importantes alterações introduzidas nos Estatutos, os quais juntamente com todos os materiais do Congresso constituem o volume intitulado XII Congresso do PCP - Com o PCP por Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI.
Incorporando os valores e realidades resultantes da Revolução de Abril no projecto de democracia avançada no limiar do século XXI, o PCP apontava para a resolução dos problemas nacionais - que a integração europeia, utilizada por sucessivos governos como alavanca na sua política de destruição das conquistas da Revolução e de reconstituição dos monopólios e do capitalismo monopolista de Estado - e para dar resposta aos grandes desafios que se colocavam a Portugal nos finais do século XX seis componentes ou objectivos fundamentais, cujo enunciado aqui transcrevemos: 1.º um regime de liberdade no qual o povo decida do seu destino; 2.º um Estado democrático, representativo, baseado na participação popular, moderno e eficiente; 3.º o desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País; 4.º uma política social que garanta a melhoria das condições de vida do povo; 5.º uma política cultural que assegure o acesso generalizado à livre criação e fruição culturais; 6.º uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.
Mais uma vez o PCP dava provas da sua capacidade de encontrar propostas novas para fazer face às alterações da realidade objectiva. Profundos golpes assestados nas conquistas de Abril, completa alteração do quadro das forças sociais e militares obreiras da Revolução, estruturas socioeconómicas e composição das classes e camadas sociais alteradas e em processo de mutação, restauração do capitalismo monopolista de Estado em progressão - eis traços que, como se apontava, configuravam a necessidade de uma resposta inovadora. O novo Programa - Portugal: Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI - veio dá-la (4).
Uma importante chamada de atenção: como se explicitava no texto do novo Programa, os seus objectivos ou componentes incorporavam-se no projecto de sociedade socialista para o nosso país. Tratando-se de objectivos profundamente democráticos (do interesse da maioria esmagadora da população) naturalmente se concluía que «o caminho do socialismo é o do aprofundamento da democracia». Conclusão que, como se pode verificar, é uma constante programática do nosso Partido.
O XII Congresso
procedeu, como dissemos, a profundas alterações estatutárias
(e não a pequenas modificações ou adaptações
como em anteriores congressos), visando nomeadamente: dar consagração
estatutária a novas realidades que a intensa, alargada e diversificada
actividade partidária pós-25 de Abril fizera emergir; aprofundar
a democracia interna, incentivar a participação dos militantes
e reforçar os seus direitos; reforçar a identidade e natureza
de classe do Partido, assim como a sua intervenção e influência
de massas. As alterações no campo da estruturação
orgânica e normas de funcionamento, o aprofundamento dos princípios
identitários e base teórica de actividade, corresponderam, pois,
a necessidades reais que a experiência acumulada ao longo de 15 anos
de actividade do Partido revelara. O Partido ficava desse modo melhor habilitado
para as exigências da luta por uma democracia avançada no limiar
do século XXI e pelo socialismo.
Da Resolução Política aprovada salientaremos que ela nos dá conta dos avanços e recuos verificados no período em análise pelo Congresso. Período que, sinteticamente, poderemos dizer que se caracterizou, por um lado, pelo avanço da direita com o PSD a alcançar a maioria absoluta nas eleições de 1987, mas em que, por outro lado, se registou a maior greve geral de todos os tempos no nosso país (Março de 1988), mostrando assim que a política do PSD/Cavaco Silva encontrava pela frente uma forte oposição dos trabalhadores e de vastas massas populares de todas as classes e camadas antimonopolistas. Constatando esta contradição, a Resolução Política apontava os caminhos para a sua superação.
XIII Congresso (Extraordinário) do PCP (18 a 20 de Maio de 1990, Pavilhão Paz e Amizade, Loures): circunstâncias extraordinárias ocorridas na situação nacional (recrudescimento da violência das ofensivas antipopulares e antidemocráticas do governo do PSD a coberto da revisão da Constituição e suas consequências; mudança na arrumação das forças sociais e políticas favorável à democracia) e internacional (evolução da crise na URSS e derrota do socialismo numa série de países do Leste da Europa) determinaram a realização deste Congresso assim como a sua ordem de trabalhos: «os acontecimentos, situação e evolução na URSS e noutros países socialistas, seu significado e consequências na situação internacional, na luta dos trabalhadores e dos povos do mundo e no movimento comunista e operário; o rápido avanço do processso de restauração do capitalismo monopolista em Portugal, a crescente penetração do capital estrangeiro e a degradação da situação social e da democracia política que se verificam simultaneamente com a redução da base de apoio do Governo e novas perspectivas de uma alternativa à política de direita; o ideal comunista e a identidade do Partido Comunista Português e orientações e medidas políticas, ideológicas, de direcção, de organização, de informação e propaganda e de gestão dos recursos humanos e materiais para o reforço do Partido e da sua capacidade de intervenção na vida nacional na nova situação criada pela evolução na situação nacional e internacional». Não cabe nem nos propósitos nem nos limites deste texto examinar, mesmo que sucintamente, as análises, desenvolvimentos e conclusões que sobre cada um dos pontos da ordem de trabalhos o Congresso fez. Citamo-los como um convite à leitura e reflexão sobre os importantes documentos deste Congresso por parte dos nossos leitores e que estes poderão encontrar no livro XIII Congresso (Extraordinário) do PCP - Um Partido para o Nosso Tempo.
Contudo, julgamos apropriado, na linha de desenvolvimento de anteriores considerações, transcrever aqui «algumas lições fundamentais que reforçam aspectos essenciais de concepções do PCP» quanto ao projecto de uma sociedade socialista para Portugal, lições que o Congresso retirou da análise das causas fundamentais - a aprofundar (5) - das «trágicas experiências dos acontecimentos e crises nos países socialistas»:
«1.ª Na construção da sociedade socialista, não
basta afirmar em palavras o poder do povo, é indispensável que
ele seja institucionalizado, exercido e assegurado de facto.
«2.ª Na construção da sociedade socialista, a democracia
política e as liberdades e direitos dos cidadãos são
valores integrantes do sistema que devem ser inteiramente assegurados, no
quadro do Estado de direito socialista.
«3.ª As estruturas económicas da sociedade socialista, tendo
sempre em conta as condições concretas existentes, assentes
na propriedade social de sectores básicos e no planeamento, devem integrar
estruturas económicas diversificadas e descentralizadas, considerar
o papel do mercado na actividade económica e na satisfação
das necessidades da população e assegurar sistemas de gestão
caracterizados pela larga e empenhada participação dos trabalhadores.
«4.ª A democracia interna do Partido - na qual são elementos
essenciais o trabalho colectivo, o carácter electivo e revogável
de qualquer cargo de direcção, a prestação regular
de contas, a institucionalização do controlo efectivo sobre
a actuação dos dirigentes e a ligação constante
e profunda com os trabalhadores e as massas - e o desenvolvimento criativo
da teoria são imprescindíveis na construção da
sociedade socialista e condição para que um partido comunista
possa ser de facto, pelo papel que realmente desempenha e não por imposição
institucional, a vanguarda do povo na construção da nova sociedade.»
E sublinhava a seguir a Resolução Política, relembrando
o Programa aprovado no XII Congresso: «a democracia política,
a democracia económica, a democracia social e a democracia cultural
são características essenciais e elementos componentes não
apenas de uma democracia avançada no limiar do século XXI, como
também se incorporam e desenvolvem no projecto de uma sociedade socialista
para Portugal».
Em síntese: se o amanhã começa hoje, é preciso dialecticamente ter em conta se os caminhos que hoje trilhamos conduzem ou não ao amanhã que propomos e desejamos. Não se trata de um jogo de palavras, mas de uma questão político-ideológica decisiva, a que em nossa opinião os documentos fundamentais do Partido têm vindo a dar adequada resposta.
Livros publicados pelas Edições
«Avante!» referentes à história do PCP - II |
|
|
(continua no próximo número) |
(1) Várias diferenças têm sido apontadas entre os congressos
do PCP e os dos outros partidos. Chamamos a atenção para mais
esta: o PCP é o único partido que de forma sistemática
publica todos os textos, desde as intervenções lidas e não
lidas até às resoluções políticas, programas
e estatutos aprovados. O que não é casual nem de somenos importância
quando falamos de democracia interna, transparência de métodos,
seriedade política, etc.
Além da publicação nos livros referentes a cada congresso,
as resoluções políticas, programas e estatutos foram
também objecto de publicação em separado, como consta
da listagem de obras publicadas que acompanha este texto.
(2) Esta obra viria a ser reeditada em 1994, quando das comemorações
dos 20 anos do 25 de Abril, precedida de um artigo do autor sobre «A
revolução de Abril 20 anos depois», para cuja importância
queremos desde já chamar a atenção, mas que só
em próximo texto, dedicado a obras de carácter ensaístico
individual e de reflexão colectiva não congressual, nos referiremos
com algum desenvolvimento.
(3) Refira-se que, além de algumas alterações estutárias
de «carácter quase exclusivamente formal» e da Resolução
Política, foi aprovado no Congresso um documento contendo um conjunto
de «Medidas para a defesa e consolidação da democracia
e da independência nacional» em que se procurava dar expressão
prática imediata à tese acima enunciada, nas condições
concretas então existentes.
(4) O Programa e os Estatutos aprovados no XII Congresso foram objecto de
aprofundamentos e desenvolvimentos no XIV Congresso (Dezembro de 1992) em
correspondência com as alterações verificadas na situação
internacional (desagregação da URSS, colapso dos regimes socialistas
no Leste da Europa e desaparecimento do socialismo como sistema mundial) e
nacional (avanço do processo contra-revolucionário conduzido
pelo governo do PSD, fortalecido com a renovação da sua maioria
absoluta nas eleições de Outubro de 1991, visando completar
a reconstituição do capitalismo monopolista de Estado, conjugada
com os ataques à democracia política, aos direitos e conquistas
sociais e culturais e ao comprometimento da soberania nacional). Face a esta
situação objectiva difícil - em que contudo se verificou
um desenvolvimento da luta da classe operária e dos trabalhadores,
assim como de diversos sectores sociais -, agravada por uma intensa campanha
de propaganda contra o Partido, o XIV Congresso prosseguiu o caminho da sua
renovação programática e estatutária.
(5) O XIV Congresso, realizado em Dezembro de 1992, veio trazer novos contributos
para essa análise, tendo em conta as modificações na
situação internacional entretanto ocorridas.
«O Militante» - N.º 254 - Setembro/Outubro 2001