Notas
e
Comentários

Media, on-line e mercantilismo

No fim de Março a administração da Sojornal.com, ligada ao semanário Expresso, anunciou o fim do serviço de actualização de notícias on-line, iniciado em Outubro do ano passado, e a sua reconversão noutro tipo de jornal digital. A decisão foi acompanhada, nomeadamente, pelo afastamento de metade da equipa implicada no projecto. Facto este só comunicado aos trabalhadores no próprio dia em que as transformações foram anunciadas!
O facto merece algumas observações. Desde logo, ele reflecte o recuo verificado nos últimos meses na área do on-line, patente a nível nacional mas também - e, naturalmente, com maiores dimensões e repercussões - em países como os Estados Unidos. As grandes expectativas e investimentos realizados no sector, com a sofreguidão de quem descobrira a galinha dos ovos de ouro, esbarraram num pequeno pormenor: a publicidade não conseguiu impor-se no novo media (os cibernautas não ligam nenhuma atenção aos anúncios) e, sem anunciantes, não há negócio...
Mas a decisão reflecte igualmente o aventureirismo que reina - e não é de agora

- nos grandes patrões da nossa comunicação social. Avança-se em iniciativas, contratam-se pessoas, estabelecem-se compromissos sem estudos consistentes sobre a sua viabilidade, “a ver se dá”, e se “não der”, paciência: fecha-se a porta ou fazem-se umas “reconversões” tão atamancadas e levianas como a decisão que, inicialmente, era anunciada como genial. São incontáveis os jornais e revistas, ao longo dos últimos anos, que passaram por tal processo.
Em meio ano, os “iluminados” das novas tecnologias aplicadas aos media descobriram que, afinal, a “vocação” do Expresso on-line - que levara meses a preparar - não era dar e actualizar notícias, mas sim uma coisa completamente diferente: o debate, a critica e a opinião. É claro que para o grupo Balsemão e seus congéneres, umas centenas de milhares ou uns milhões de contos não são grande coisa. São o preço de um risco que se corre. Mas há outros aspectos, bem mais graves, que não estão no centro das suas preocupações.
Por um lado, são os custos sociais - os tais “efeitos colaterais”, como agora está na
moda dizer - que estas aventuras sempre acarretam, com os trabalhadores, jornalistas e outros, transformados em principais vítimas. Por outro lado, é a irresponsabilidade e o total desrespeito com que esta dimensão social é geralmente encarada pelo grande patronato dos media, e não só dos media.
O “reajustamento editorial” anunciado pelos administradores do site implicou, para já, a “dispensa” de 17 trabalhadores. O futuro dirá: se o “reajustamento” der lucro, continua, se não der, fecha-se a porta. Tal como tem acontecido com dezenas de outras publicações, incluindo revistas do próprio gupo Balsemão, proprietário do Expresso.
Assim vai a nossa comunicação social, em que aquilo que constitui o seu mais nobre objectivo - informação, formação e entretenimento do público - é cada vez mais substituido pelo mercantilismo puro e duro. Ao serviço dos interesses económicos, e logo políticos e ideológicos, de quem produz e distribui a mercadoria.

 

O desapego

Armando Vara, que há tempo se demitiu de Ministro Adjunto e
do Desporto na sequência de notícias sobre a criação irregular de (mais) uma fundação pelo governo do PS, “quebrou o silêncio” em recente entrevista a O Diabo. Questionado sobre a demissão de Jorge Coelho e se este poderia ter feito o apuramento de responsabilidades na tragédia de Castelo de Paiva ainda como ministro, comentou: “Ele tomou a decisão que lhe pareceu melhor e mais adequada. (...) E que talvez servisse melhor o País fazendo o que fez. Demonstrou, aliás, um grande desapego aos cargos.” Mais adiante, à pergunta: “Não concorda com demissões antes de apuramento de responsabilidades?”

 

responde: “Em princípio não estou de acordo. (...) não percebo porque é que na política se deve inverter o ónus. Diz-se que isso é desapego dos cargos... Eu não acho. (...)”. E afirma mesmo: “Mas eu possivelmente não faria o mesmo que ele” (Jorge Coelho).
E sobre a sua própria demissão disse: “Senti-me pressionado. Pedi a demissão a partir do momento em que o Presidente da República falou publicamente do assunto. (...) Eu não estava agarrado ao lugar!”. Aqui chegado, o leitor interroga-se sobre o que pensa o entrevistado: um pedido de demissão é ou não é desapego aos cargos? ou antes pelo contrário? ou é conforme os casos, os demissionários, os dias da semana?...
(Os itálicos são nossos)

A "lata"

A enorme “lata” de Vara só é comparável com a sua ingenuidade e inocência, a acreditar noutra passagem da
mesma entrevista.
Sobre o tal caso da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, diz o actual coordenador socialista para as autárquicas:
“(...) Eu continuo a assumir todas as responsabilidades em relação e esse dossier, mas as coisas aconteceram daquela maneira... Eu, quando mais tarde comecei a ver certo tipo de coisas, disse para mim: “Se isto fosse para criar chatices, não teria sido mais bem feito!” Mas tudo aquilo resultou de boa-fé e de generosidade. Para mim, aquilo representa uma espécie de perda da inocência, disso não tenho a menor dúvida. Nunca mais agirei na minha vida com a inocência e com a ingenuidade com que agi. (...)”.
Com esta sentença, Armando Vara - que ainda é novo - diz que nunca mais tropeçará noutra “chatice”.
Se nos é permitido o conselho, nunca diga nunca. E, sobretudo, não pense que os portugueses são assim tão ingénuos como o senhor...

 

"Condenar" ou não...

Se por vezes pode ser útil para os negócios imperiais dar a conhecer ao mundo grandes dramas humanos
(reais ou inventados), noutras ocasiões o eterno objectivo do lucro é melhor servido pela táctica oposta. É quanto nos conta uma pequena notícia do International Herald Tribune (21.10.00), com o título “Deixada cair votação duma Moção sobre Genocídio”.
Reza o artigo: “Minutos antes da Câmara [dos Representantes dos EUA] votar uma medida condenando como genocídio os massacres de Arménios na Turquia há 85 anos, Dennis Hastert, o Presidente parlamentar retirou a moção, citando a advertência do Presidente Bill Clinton de que uma votação poderia prejudicar a segurança nacional e afectar as relações com a Turquia, um aliado da NATO. Num telefonema ao fim do dia de quarta-feira, e numa carta na

 

quinta-feira, o Sr. Clinton apelava ao Sr. Hastert para retirar a moção, afirmando que poderia inflamar as tensões no Médio Oriente, dar alento ao Presidente Saddam Hussein do Iraque e interferir com os esforços americanos para estabilizar os Balcãs”.
(Já agora, acrescentamos nós que poderia também trazer de volta o El Niño, provocar nova erupção do vulcão na Ilha do Fogo, e fazer ruir os pilares centrais da Ponte Vasco da Gama).
A notícia prossegue falando do que realmente interessa:
“Além disso, a Turquia ameaçou impedir os aviões norte-americanos que patrulham o Norte do Iraque de descolarem das bases aéreas turcas, e de cancelar um negócio de $4,5 mil milhões de dólares para comprar 145 helicópteros de ataque fabricado no Texas”. No último dia de Março soubemos que o actual governo jugoslavo parece custar 50 milhões de dólares, tal foi a recompensa prometida pela prisão de Milosevic. Parece que a política externa dos EUA custa um pouco mais.

A ditadura de Hissene Habré

Com um atraso de 15 anos, vêm agora a lume algumas confissões sobre a sanguinária ditadura de Hissene Habré no Tchade.
Escreve o International Herald Tribune (29.11.00):
“Com a ajuda dos Estados Unidos e da França, o Sr. Habré governou este país essencialmente desértico de 7 milhões de habitantes, entre 1982 (...) e 1990 (...). Durante esses anos, afirmam investigadores dos Direitos Humanos tchadianos e internacionais, os Serviços de Documentação e Segurança controlados directamente pelo Sr. Habré mataram pelo menos 40 000 civis e prenderam e torturaram centenas de milhar de outros. (...) Funcionários norte-americanos afirmaram que Washington deu centenas de milhões de dólares ao Sr. Habré e ajudou a treinar os seus serviços secretos, cujos membros são agora acusados de tortura. (...) O Sr. Habré subiu ao poder porque os Estados Unidos e a França procuraram a sua ajuda no combate ao seu vizinho do Norte, o Coronel Moammar Kadhafi, da Líbia. Porque o Sr. Habré estava disposto a lutar contra a Líbia, os Estados Unidos apoiaram o seu movimento rebelde com milhões de dólares em armas, apesar de provas generalizadas de que o Sr. Habré cometia massacres em larga escala”. Ainda haverá quem realmente acredite em “intervenções humanitárias” por parte da NATO?

«O Militante» - N.º 252 - Maio/Junho 2001