O movimento das
Comissões de Trabalhadores



Membro do Comité Central do PCP

"E se algum dos membros CT se puser do lado da Administração, o que é que a gente faz?”

Ouviram-se, de imediato, sonoras gargalhadas.

A pergunta - pertinente - tinha sido feita por uma trabalhadora, entre as muitas que participavam no plenário geral.

Iam eleger, pela primeira vez, a sua Comissão de Trabalhadores.

Ano? 2001. Mês de Março; véspera da Jornada Nacional de Luta convocada pela CGTP-IN.

A conhecida multinacional do sector do vestuário emprega cerca de 900 trabalhadores. A maioria são mulheres. Muitas jovens; algumas não tinham ainda nascido em Abril de 74.

Não sabiam muito bem o que era uma Comissão de Trabalhadores, nem para que servia e muito menos entendiam como se aplicava aquela coisa do método de Hondt.

Sabiam, sim, que tinham duas listas para escolher no dia da votação.

Uma era formada por costureiras e por algumas administrativas.

Outra era formada por encarregadas e alguns chefes de secção.

Cada lista tinha o seu programa e as suas propostas.

A hora de votar, seria o momento de optar.

Mas aquela pertinente pergunta colocada após uma explicação inicial sobre a origem, a evolução e o papel das Comissões de Trabalhadores, demonstrava que o essencial já tinha sido entendido.

A evolução das CT’s

Nos anos mais recentes, com o prosseguimento e aprofundamento do processo de privatizações, com os desmembramentos e reestruturações a ele ligados, com o encerramento e falência de diversas pequenas e médias empresas, com a liquidação de importantes sectores produtivos e com a deslocalização de algumas multinacionais, o movimento das CT's sofreu um forte revés, não só em número, mas também na sua capacidade de organização e intervenção.

Somaram-se os despedimentos, muitas vezes camuflados por rescisões de “mútuo acordo” e reformas antecipadas.

Profundas alterações se verificaram nas empresas e serviços.

Cresceu fortemente a precariedade laboral, com os jovens trabalhadores a engrossar as admissões a termo, o trabalho temporário e os sub-contratados.
A forte ofensiva contra os trabalhadores e os seus direitos teve uma influência directa na capacidade organizativa das próprias Comissões e Sub- -Comissões de Trabalhadores.

E em simultâneo na organização sindical de base.

Também os núcleos e células do Partido nos diferentes locais de trabalho não ficaram imunes aos efeitos negativos sentidos.

Mas aos poucos e num cenário social e económico em recomposição, surgem sinais de mudança.

Invertendo uma tendência que se vinha verificando na última década, o número de Comissões de Trabalhadores recomeçou, nos últimos dois anos, a crescer.

Constituiram-se pela primeira vez em empresas já existentes. Surgiram novas CT’s em empresas recém-criadas. E foram eleitas em empresas reestruturadas ou desmembradas.

Novas Comissões foram eleitas, pela primeira vez, em locais de trabalho tão distintos, como são exemplo as CT’s da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, do Banco Mello Comercial, da Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, da Edipim Estúdios, da Edia/Alqueva, da Fundação para Divulgação das Tecnologias da Informação, da Formas & Conteúdos/Audiovisual, do ICEP, do Jardim Zoológico, da Prevenção Rodoviária Portuguesa, entre muitas outras.

Mas, simultaneamente, assistiu-se ao desaparecimento de algumas CT's que tinham uma vida e uma história longas de dedicação à grande causa da defesa dos direitos do trabalho: a CT da Lisnave, a CT da Manuel Pereira Roldão, as CT's da Companhia Portuguesa do Cobre, a CT da Ford Lusitana, as CT's da Siderurgia Nacional, foram apenas algumas das muitas cujo desaparecimento se deveu ao encerramento das empresas e, em alguns casos, à quase completa liquidação dos sectores, como o caso da indústria naval e da metalurgia e metalomecânica pesada.

Actualmente são quase 400 as CT's, mais de 50 as Sub-CT's, são 10 as Coordenadoras, num total de cerca de 3 500 eleitos e eleitas nos locais de trabalho, que mantém vivo este movimento de organização de base dos trabalhadores, que já demonstrou saber assumir o papel que lhe cabe na defesa dos direitos, nomeadamente, quando, ao lado do movimento sindical, lutou contra as privatizações, os pacotes laborias, os ataques ao sistema público da Segurança Social e as revisões da Constituição da República que visavam a fragilização e mutilação de direitos sociais e laborais fundamentais conquistados com o 25 de Abril.

Quando a direita, em 1996, numa revisão extraordinária da Constituição, pretendeu a liquidação de importantes direitos das CT's, centenas de representantes reuniram-se em Encontro Nacional e recolheram, em pouco mais de duas semanas, mais de 15 mil assinaturas de CT’s e trabalhadores e fizeram delas uma bandeira erguida junto da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e da Assembleia da República, conseguindo assim evitar um golpe profundo nos seus direitos constitucionais.

O 7º Encontro Nacional de CT's

Em Janeiro deste ano, as Comissões Coordenadoras regionais e sectoriais organizaram um Encontro de âmbito nacional.

Surpreendentemente, os participantes ultrapassaram as expectativas, com cerca de 530 membros de CT’s, Sub-CT’s e Coordenadoras presentes e oriundos de várias zonas do País. Muitos estavam ali pela primeira vez.

Foi o sétimo e o maior de todos os Encontros realizados, desde 1987 até hoje.

No entanto e apesar da sua dimensão e representatividade, o Encontro “passou despercebido” à Comunicação Social.

À excepção de uma rádio, que no dia do Encontro convidou a comissão organizadora para uma entrevista em directo e de seguida dedicou o seu espaço de fórum à temática das Comissões de Trabalhadores.

Para além do interesse em informar sobre um tema não muito habitual, os jornalistas sentiram uma curiosidade muito própria em relação ao Encontro, pois eles próprios tinham acabado de eleger a sua própria CT e nunca tinham ouvido falar dos outros seis encontros nacionais de CT’s já realizados ante-riormente...

As Comissões de Trabalhadores, hoje

Neste início de século, as Comissões de Trabalhadores continuam a ter do seu lado a Constituição da República e a Lei, que consagram amplamente o direito de informação, de intervenção e do controlo de gestão.

Continuam a ser um importante instrumento democrático nas mãos dos trabalhadores para a defesa dos seus interesses e direitos, para o reforço da sua unidade.

Continuam a ter como característica ímpar a representação de todos os trabalhadores da empresa ou serviço.

Continuam a ser a organização mais próxima dos trabalhadores, que conhecem o pequeno e o grande problema nos diversos níveis da vida da empresa.

Continuam a ser Comissões de e dos Trabalhadores, que a Constituição consagrou numa perspectiva de participação, intervenção e acção dos próprios trabalhadores, não para conciliar, mas para transformar; não para “estar no meio” entre os interesses e decisões dos detentores da empresa e os interesses e aspirações dos trabalhadores, mas para estar de um lado, do lado de quem as elege.

O capital de experiência, o grau de realização e criatividade das CT's, a sua natureza e a forma como exercem os seus direitos, apesar de muitas vezes sonegados e violados, são um património riquíssimo mas simultaneamente um projecto renovado e actual para a intervenção nos locais de trabalho mais diversos.

Para esta intervenção, cada vez mais se torna indispensável a ligação e a cooperação com o movimento sindical, com base na independência mútua e no respeito recíproco.

Igualmente e para evitar o isolamento, a “permeabilidade” e o desgaste face à ofensiva patronal, a existência e acção das Comissões Coordenadoras, quer de região, quer de sector, continuam a ser indispensáveis.

Os militantes comunistas nas CT's

Ser eleito para uma CT, é uma prova da confiança dos trabalhadores.

Para um militante do Partido, é uma prova de confiança acrescida.

Pertencer a uma organização não partidária não significa, de forma alguma, pertencer a uma organização apolítica.

As CT's, pela sua natureza e características, são organizações unitárias e de classe.

E os problemas com que os trabalhadores se confrontam, têm causas e responsáveis.

 

Dificilmente uma CT conseguirá informar, sensibilizar, esclarecer, denunciar, reivindicar e lutar, se não for à origem, à causa e aos responsáveis dos problemas com que os trabalhadores se debatem.

E os militantes do Partido nas CT’s, pelo Partido que somos, estão muito bem posicionados para denunciar as causas, identificar os responsáveis e apontar alternativas que satisfaçam os interesses e aspirações dos trabalhadores, sem que a CT se substitua ou se confunda com a célula ou núcleo organizado do Partido nas empresas e serviços.

Há espaço e formas diversas para as várias intervenções específicas.

O movimento das CT's continua a ser constituído por um número muito significativo de militantes do Partido.

Que os trabalhadores sabem reconhecer como tal e a quem dão o seu voto, porque confiam neles como representantes e porque confiam no seu projecto e no seu trabalho.

Chegam entretanto novos rostos -novos de idade e novos em experiência - ao movimento das CT's, que importa conhecer melhor.

Faz falta ao nosso colectivo partidário e à nossa organização, aprofundar a ligação e o acompanhamento aos militantes eleitos nas Comissões de Trabalhadores.

Para melhor conhecer e fortalecer a ligação às novas realidades e aos locais de trabalho, cada vez mais diferenciados, mas com muitos problemas comuns.

Por outro lado, esta renovação que se está a operar no movimento das Comissões de Trabalhadores permite, aprofundado o conhecimento e os contactos, perspectivar o reforço e reorganização de células e núcleos partidários nos locais de trabalho, que possibilitem ao Partido uma intervenção mais generalizada e mais próxima dos trabalhadores, aumentando a militância e os militantes.

“- A vida tem demonstrado que, quando os membros das CT’s não cumprem o mandato para o qual foram eleitos, ou seja, representar e defender os trabalhadores que os elegeram, são esses mesmos trabalhadores que lhes retiram a confiança, através do voto”.

Esta foi a resposta para a pergunta inicialmente colocada por aquela trabalhadora da multinacional de vestuário, no plenário geral.

A Administração convocou no dia seguinte, uma reunião geral com os trabalhadores, para lhes dizer, de forma bastante intimidatória, que a empresa não precisava de ter CT, pois os problemas seriam sempre resolvidos pela Administração e aproveitou para ir adiantando que o Sindicato também não fazia lá falta nenhuma.

Passados dois dias, realizou-se o acto eleitoral para eleição da CT.

Votaram 89% dos trabalhadores da empresa.

A lista A, apoiada pelo Sindicato, conquistou quatro mandatos e a lista B, três mandatos.

A multinacional passou assim a ter, em Portugal, para além das dirigentes e delegadas sindicais e das eleitas para a Segurança, Higiene e Saúde, também uma Comissão de Trabalhadores.

Entre as trabalhadoras, estão militantes do Partido. Entre as eleitas também.

A partir daqui, é possível ir mais além na organização.

É possível fortalecer e alargar a consciência social e política, para que as opções de voto daquelas e doutros trabalhadores ultrapassem as fronteiras da empresa e se reflictam noutras votações mais amplas, no PCP e na CDU, nos desafios que estão para vir.

Era disso que a multinacional tinha receio. De classe, claro.

«O Militante» - N.º 252 - Maio/Junho 2001