A Censura de Salazar e Marcelo Caetano |
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A Censura constituiu, na verdade, uma peça central da estrutura orgânica
do Estado Novo, do seu aparelho repressivo, propagandístico e de
enquadramento político-ideológico da população,
de tal modo relevante para a ditadura que não nos podemos dar por satisfeitos
com o que já a seu respeito conhecemos. Com efeito, a intervenção
da Censura ultrapassava, em muito, os cortes, as suspensões e proibições
a nível da imprensa e do livro, a que habitualmente a associamos. Além
disso, a Censura abrangia, igualmente, a rádio, a televisão,
o cinema, os espectáculos, as artes plásticas, a música,
o ensino. As suas consequências, na esfera do ensino, da formação
das mentalidades, e no condicionamento político-ideológico dos
portugueses foram tão importantes que não duvidamos da necessidade
de se aprofundarem as investigações neste campo.
Por outro lado, se é certo que por uma questão até de
comodidade a ela nos referimos, habitualmente, no singular, como se de uma
só entidade ou instituição se tratasse, a verdade é
que a Censura assumiu várias faces, tendo cada uma delas a sua estrutura
organizativa específica, os seus censores, as suas formas próprias
de intervenção. Isto no domínio da Censura oficial.
Com efeito, a par da existência da censura institucional, quotidianamente
omnipresente em todos os sectores da vida social, política e intelectual
portuguesa, e que originava, inevitavelmente, reflexos individuais de automutilação
criativa, ou autocensura individual, há que considerar, também,
as consequências - que não são negligenciáveis
- das várias espécies de censuras paralelas, de carácter
individual ou colectivo, que voluntariamente se foram manifestando ao longo
de quase meio século.
Na origem desta censura paralela, de natureza voluntária, estiveram
as razões mais diversas, desde a identificação política
e ideológica dos denunciantes individuais com o regime, até
ao simples sentimento, ou o espírito de subserviência e de oportunismo
político de quem a praticava.
As autocensuras voluntárias, a nível colectivo - associações
culturais, boletins associativos, Academias de Ciências, bibliotecas
e boletins de empresa -, foram particularmente gravosas, quer pelo carácter
colectivo que assumiam, atingindo por isso um vastíssimo número
de cidadãos quer porque partiam de entidades que desenvolviam, em alguns
casos, uma muito significativa actividade de natureza cultural. Essa censura
não visava apenas uma proibição, fosse ela de que natureza
fosse. Ela inseria-se, de facto, no objectivo mais vasto que o regime perseguia,
que era o da modelação das mentalidades, do enquadramento cultural
e ideológico dos cidadãos, no âmbito dos princípios
doutrinários do regime, ou simplesmente, da «Verdade Nacional»
por ele definida.
(...)
Algumas palavras, apenas, sobre a actualidade deste tema, 25 anos depois da
revolução do 25 de Abril de 1974.
Ao invés do que alguns, menos atentos, poderão pensar, o estudo
e o debate da censura - a que havemos de juntar as práticas da manipulação
da informação e da contra-informação -, nas variadas
formas em que se tem manifestado nos regimes ditatoriais, estão longe
de ter um interesse meramente histórico, ou, neste caso, uma revelância
confinada ao Estado Novo.
A um observador atento do mundo da comunicação e da realidade
política pós-25 de Abril não escapará, com certeza,
as manifestações não já de uma censura institucional,
como no salazarismo, mas de formas de censura, por vezes insidiosas e ocultas,
no Portugal de Abril. Umas, claramente emanadas do Poder ou de centros de
Poder Político do momento; outras, noriamente provindas do Poder Económico.
Em relação a este último caso, afigura-se-nos por de
mais evidente o reforço, neste período, do controlo da
comunicação social pelo poder económico, no sentido de
uma limitação nem sempre evidente para a generalidade das pessoas,
por encapotada, da liberdade de imprensa e, particularmente, da liberdade
dos jornalistas. Mas também do direito dos cidadãos à
Informação. Terá isto a ver com a privatização
dos meios de comunicação social do Estado? É uma problemática
para aprofundar, tanto mais que idêntico fenómeno não
tem sido menos grave nas estações de rádio e de televisão
estatizadas. Seja como for, quando as auto-estradas da informação/comunicação
nos entram cada vez mais pela vida/casa dentro, através da imprensa,
da rádio, da televisão, da internet, substituindo-se de forma
crescente às famílias no desempenho natural do papel de educadores,
o estudo e o debate deste tema não pode ser mais actual e necessário.
Não é esse, porém, o objectivo a que aqui nos propomos.
De qualquer modo, cumpre-nos chamar a atenção para esta realidade.
Quanto à censura propriamente dita, pode-se hoje legitimamente concluir
que se trata de um fenómeno cada vez mais complexo, a que nem um Estado
de Direito está imune. Daí a actualidade e a relevância
deste tema.* Extractos da Introdução do livro de Cândido
de Azevedo, A Censura de Salazar e Marcelo Caetano, Editorial Caminho, Lisboa,
Setembro de 1999.
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000