A militarização da UE
Mais uma ameaça para a paz!


A concretização da Política Europeia Comum de Segurança e Defesa (PECSD - em diante designada por Política de Defesa) tem sido uma das principais prioridades da União Europeia, e do seu rosto da Política Externa de Segurança, Javier Solana.

Na opinião de altos responsáveis governamentais esta nova política comum progride de forma "rápida", "intensa" e "impressionante".

A Política Comum de Defesa, ou melhor, a militarização da UE ganhou um novo dinamismo após a realização da 21ª Cimeira franco-britânica (Saint-Malo, Dezembro de 1998), e da 73ª Cimeira franco-alemã (Toulouse, Maio de 1999), que antecederam as conclusões do Conselho Europeu de Colónia (Junho de 1999) e fundamentalmente as decisões do Conselho Europeu de Helsínquia (Dezembro de 1999).

De salientar que a implementação da Política Comum de Defesa verifica-se na sequência das conclusões da Cimeira da NATO, que se realizou em Washington, em Maio de 1999, por forma a concretizar o denominado "pilar europeu" desta organização militar. A definição e realização em ritmo acelerado desta política visa concretizar um dos instrumentos que implementam o novo "conceito estratégico" da NATO - novo conceito claramente ofensivo, decidido nesta sua Cimeira.

Embora com contradições, a Política Comum de Defesa não coloca em causa o papel da NATO, organização apontada como eixo fundamental da "defesa transatlântica". No entanto, alguns valorizam a Política Comum de Defesa como "um projecto que permite à Europa adquirir a sua verdadeira dimensão na regulação e equilíbrio das relações internacionais e de segurança" e salientam a necessidade da UE se dotar de uma capacidade de decisão autónoma quanto à utilização de meios militares convencionais clássicos a nível regional, em acções próximo das "suas" fronteiras. Ou seja, estar "lado a lado" com os EUA na procura do domínio mundial.

Tese também defendida por António Guterres em declarações a um jornal alemão, onde afirmou esperar que a UE no contexto da política externa e de segurança europeia, "seja um dia o pilar europeu da NATO, e que a Europa, enquanto unidade política, esteja em condições de intervir em crises internacionais de maior dimensão".

A Política Comum de Defesa é o instrumento que permitirá à União Europeia intervir com uma componente militar e/ou não militar, em situações onde os "seus" interesses estejam em causa.

Conscientes da complexidade deste processo, procuram garantir a sua rápida evolução, ultrapassando as diversas contradições, nomeadamente através de uma ligação regular à NATO, da não duplicação de meios e da indivisibilidade desta organização e da participação de todos os países europeus que integram a NATO e não integram a UE.

A preocupação em assegurar a coordenação UE/NATO/EUA traduz-se também na escolha de Javier Solana, anterior Secretário geral da NATO, para primeiro Alto representante da UE para a Política Externa e Segurança Comum e para Secretário geral da União da Europa Ocidental.

O objectivo central desta Política Comum de Defesa é a constituição de uma "força de reacção rápida", composta por 60 mil soldados (podendo ultrapassar os 100.000), que seja mobilizável em 60 dias e que tenha a capacidade de intervir durante o período de um ano, se necessário fora do espaço da UE (à semelhança da agressão à República Federal da Jugoslávia e da manutenção de forças militares no Kosovo). Esta força de intervenção militar deverá estar criada até 2003, e pressupõe toda uma estrutura e capacidades de comando, de controlo e informação, de logística e unidades de apoio ao combate, assim como meios, terrestres e essencialmente aéreos e navais.

Passos essenciais desta nova Política Comum de Defesa (que na realidade deveria designar-se por política de ingerência e intervenção militar) estão a ser concretizados, como a definição da configuração definitiva dos seus órgãos políticos e militares permanentes, que entrarão em funcionamento efectivo até ao final da Presidência sueca, em Junho, ou a definição objectiva da contribuição de cada Estado membro para a força militar, "obviamente" incluindo a do nosso país, realizada na "Conferência sobre os contributos para a capacidade europeia", que se realizou a 20 e 21 de Novembro último.

Para criar tal instrumento de intervenção militar, é por diversas vezes afirmada a necessidade do aumento das despesas militares de cada Estado membro, da reorganização das indústrias de armamento ao nível da UE e o aumento dos investimentos na tecnologia e investigação militar.

O ministro da defesa francês chegou mesmo a propor o compromisso de os quinze membros da UE elevarem em 0,7% do PIB a despesa para a defesa. Será oportuno recordar a proposta da ONU de disponibilizar 0,7% do PIB para a cooperação com os países com menor desenvolvimento e que tantos esquecem.

Por outro lado, os orçamentos nacionais destinados à defesa reorientarão as suas despesas para "obrigações" que resultam de compromissos assumidos com a NATO e na Política Comum de Defesa, afastando-se da atribuição dos meios que garantam uma verdadeira política de defesa que responda às suas reais necessidades, nomeadamente o caso de Portugal, de que a aquisição dos submarinos é um exemplo.

Tudo avança com a maior discrição possível face à previsível reacção de amplas camadas da população quanto ao aumento das despesas militares.

A Política Comum de Defesa tem ainda como aspecto central o desenvolvimento da indústria e do comércio de armamento, sendo de salientar a assinatura, a 27 de Julho de 2000, entre os principais países produtores de armamento na UE (Alemanha, Espanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Suécia) do acordo-quadro para a harmonização e simplificação das regras aplicáveis às indústrias de armamento, consideradas indispensáveis para a reestruturação desta indústria nestes países, nomeadamente a facilitação da fusão (e aquisição) de empresas e da regulação do mercado do armamento, entre outros aspectos.

Por exemplo, os governos francês e alemão avançaram já com diversos compromissos, como a constituição de uma frota europeia de aviões de transporte estratégico, através da aquisição comum de um novo avião militar de transporte, o Airbus A400M e a criação de um sistema de observação de satélite europeu autónomo. O avião militar Airbus A400M é fabricado por um consórcio de empresas da França, Alemanha, Grã-Bretanha e Espanha.

Por outro lado, aprofunda-se o desenvolvimento da Política Externa e Segurança Comum (PESC) e a sua conexão com a Política Comum de Defesa, através de uma maior coordenação ao nível da sua direcção política e na utilização dos meios, procurando-se ultrapassar ou minimizar, sempre que possível, todo o tipo de contradições internas, tendo em conta a existência de objectivos por vezes divergentes entre as grandes potências da UE.

No fundamental pretende-se alcançar uma estratégia de intervenção coerente e faseada (Javier Solana defende que esta deverá ser iniciada o mais cedo possível), aprofundando a eficácia das estratégias e acções comuns, reorganizando os meios existentes (na concepção do Comissário Patten, mesmo os meios não militares deverão estar integrados nos objectivos da Política Comum de Defesa, sendo perspectivados para poderem ser utilizados, se necessário, antes e depois de uma intervenção militar) e desenvolvendo parcerias com a ONU e a Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) nas denominadas intervenções de "gestão de crises".

A Política Comum de Defesa procura concretizar uma capacidade de intervenção militar ofensiva por parte das principais potências da UE, procurando-se transformar a UE num bloco político-militar que defenda os interesses das grandes potências e das multinacionais onde quer que estes sejam postos em causa.

Ou seja, concretiza-se um instrumento que tem como objectivo fundamental a intervenção e a ingerência. Promove-se a militarização da UE e das relações internacionais e o desenvolvimento da indústria dos armamentos. Pelo que a Política Comum de Defesa é mais uma ameaça à paz.

É fundamental ter consciência dos actuais perigos para a paz. Graves perigos que se desenvolvem em marcha acelerada.

É urgente informar, esclarecer e mobilizar. É necessário reforçar o movimento de todos aqueles que amam e lutam pela paz, que lutam pela desmilitarização e o desanuviamento das relações internacionais, pela abolição e destruição das armas nucleares e outras de destruição em massa, pela dissolução da NATO ou qualquer outro bloco político-militar, pelo desarmamento global, pelo reforço do papel da Organização de Segurança e Cooperação Europeia e da ONU como base para a garantia da paz, cooperação e solidariedade na Europa e no Mundo.

O Grupo Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica procura também contribuir para este movimento tendo realizado duas audições públicas e proposto o agendamento em sessão plenária de várias temáticas ligadas às questões da paz.

O Grupo realizou uma audição sobre a utilização pelos EUA/NATO de urânio empobrecido nos Balcãs, que contou com a participação de Rui Namorado Rosa, Professor da Universidade de Évora. Na iniciativa foi evidenciado o caracter ilegal e criminoso da utilização do urânio em munições pelos EUA/NATO, nomeadamente nos Balcãs e no Iraque, tendo em conta os seus efeitos de toxicidade química e de agressão radiológica. Foi ainda denunciada a enorme campanha de mistificação e silenciamento das reais razões que estão por detrás da utilização deste tipo de armamento, assim como das suas consequências. Foi ainda exigida a interdição deste tipo de armamento. O esclarecimento de toda a verdade sobre a utilização deste tipo de armamento contribui para clarificar os reais objectivos que estão por detrás das agressões ao Iraque e à República Federal da Jugoslávia.

O Grupo realizou uma outra audição sobre o "novo" Sistema de Defesa Antí-missil dos EUA (National Missile Defense - NMD), vulgo "Guerra das estrelas". Nesta audição foi evidenciado o enorme perigo que esta iniciativa representa, tendo sido apontadas as suas consequências como a ruptura de actuais acordos no âmbito do desarmamento nuclear e dos sistemas de mísseis antí-balisticos e do actual equilíbrio estratégico, o incremento de uma nova corrida aos armamentos (com a mobilização de enormes recursos) e a militarização do espaço, o aumento da desconfiança nas relações internacionais e da insegurança ao nível mundial. Tal iniciativa dos EUA, que visa reforçar a sua actual hegemonia militar, tem vindo a provocar vivas reacções por parte da Rússia e da China, mas também reacções cautelosas e de algum distanciamento por parte de responsáveis políticos de alguns países seus parceiros na NATO, como a Alemanha e a França.

Por iniciativa do Grupo foram ainda agendados debates na sessão plenária do Parlamento Europeu sobre a utilização de urânio empobrecido nos Balcãs e sobre o ataque ilegal dos EUA e Grã-Bretanha ao Iraque. Idêntica iniciativa, de agendamento de um debate, sobre o NMD não obteve o apoio do Grupo do Partido Socialista Europeu e do Grupo do Partido Popular Europeu.


Portugal e a CE - Nš 37 - Abril de 2001