A Cimeira de Lisboa



Um dos acontecimentos mais marcantes da Presidência Portuguesa da União Europeia foi a realização da Cimeira de Lisboa, a 23 e 24 de Março, com o nome pomposo de " Emprego, reformas económicas e coesão social: para uma Europa do conhecimento", seja pelas expectativas que criou, seja pelas decisões aí tomadas no âmbito da aceleração da liberalização de sectores e serviços públicos essenciais, seja pelo adiamento de todas as questões sociais, com os consequentes protestos generalizados, com destaque para a grandiosa manifestação de 23 de Março.

No âmbito da preparação da Cimeira de Lisboa de 23 e 24 de Março, o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica, em que se integram os deputados do PCP, realizou umas jornadas de estudo em Lisboa, e, após um debate importante com Organizações de Trabalhadores e de Mulheres, tomou posição, através da divulgação pública do documento então aprovado "Emprego de Qualidade e com direitos".

Aí se afirma, designadamente, que é essencial pôr fim ao Pacto de Estabilidade e às políticas que lhe estão associadas, e adoptar políticas macro-económicas de desenvolvimento sustentado, que respeitem o ambiente, e tenham como objectivo atingir o pleno emprego nos próximos anos, passando do actual nível de 61% para, pelo menos, 75% de emprego em 2010, e acabando com o desemprego de longa duração até 2005. Mais se acrescenta que este emprego deve ser de qualidade e com direitos, sendo acompanhado do aumento de salários e das pensões e reformas, do relançamento de investimentos públicos e sociais nas áreas da educação, saúde, apoio à infância e pessoas dependentes, transportes, urbanismo e habitação social, com serviços públicos renovados, democratizados e dinâmicos.

Na Cimeira de Lisboa, a Presidência Portuguesa apareceu com a bandeira da sociedade da inovação e do conhecimento e uma referência acentuada às tecnologias da informação, mas, igualmente, com uma insistência na necessidade de adaptar as relações e instituições sociais ao novo potencial que essas tecnologias abrem, esquecendo o crescimento do trabalho precário, a subcontratação desregrada e o falso trabalho independente, demonstrando que se está a caminhar numa cada vez maior dualização do emprego, com um " centro" com trabalhadores mais qualificados e com uma forte intensificação do trabalho, e uma "periferia" constituída por trabalhadores com empregos precários e clandestinos, forte sinistralidade laboral, trabalho infantil, e por excluídos sociais.

A prioridade continuou a ser, de forma autista, a da política monetária dirigida à estabilidade dos preços, com insistência no cumprimento por parte das políticas orçamentais nacionais dos critérios pré-definidos de forma estrita, sem ter em conta as especificidades de cada Estado-membro e o seu desigual nível de desenvolvimento.

Assim, o objectivo da coesão económica e social continuou em segundo plano. As políticas sociais e de emprego continuarão subordinadas àqueles objectivos e poderemos assistir a novas tentativas de redução da massa salarial e da protecção social para impedir aumentos de custos, enquanto surgem novas benesses para o grande capital, com a aceleração da liberalização nas telecomunicações, transportes, energia e serviços financeiros sob o pretexto da necessidade do aumento da competitividade face aos EUA.

Afinal, toda a fraseologia da inovação e do conhecimento não passou de uma cortina de fumo para escamotear as reais intenções desta Cimeira. É que não basta falar de mais emprego.

Impõe-se uma mudança de rumo nas políticas europeias para conseguir criar mais empregos de qualidade e com mais direitos para os trabalhadores, o que não aconteceu em Lisboa, embora tenha surgido o objectivo de preconizar a subida da taxa de emprego para 70% até 2010, mas nada se diga sobre as taxas de desemprego e de pobreza, apesar de, neste caso, instar a Comissão a apresentar um programa até Junho, para ser aprovado no final da Presidência Francesa.

A verdade é que nas orientações gerais para as políticas económicas dos Estados membros e da Comunidade em 2000, a Comissão Europeia reconhece que, ao longo da última década, apesar de ter sido implementada uma política monetária orientada para a estabilidade, apoiada em políticas orçamentais sólidas e numa evolução salarial moderada, o crescimento económico foi relativamente ténue, não se registaram quaisquer ganhos líquidos em termos de emprego, sendo a actual taxa de desemprego ainda superior à do início da década. Ou seja, a Comissão reconhece que, com as actuais políticas, não se tem criado emprego.

No entanto, no Livro Branco Delors sobre "Crescimento, competitividade e emprego" de 1992, apontava-se como meta a criação de 15 milhões de empregos até ao fim da década. Noutras Cimeiras, foi, igualmente, revelada preocupação com o emprego, tendo sido apresentadas algumas estratégias e medidas, como na do Luxemburgo, em 1998, que aprovou as linhas directrizes de emprego para a elaboração dos planos nacionais de emprego, insistindo na necessidade de coordenação das políticas de emprego no plano comunitário, e o próprio Tratado de Amsterdão apareça com o seu novo capítulo sobre o Emprego, que entrou em vigor em Maio de 1999. Daí a pouca credibilidade de novas metas de emprego sem alterar políticas económicas.

Como se afirma na Resolução que o nosso Grupo apresentou em Estrasburgo, e que subscrevi, "lamenta-se que não tenham sido adoptados os objectivos quantificados, vinculativos e verificáveis que permitiriam aferir a concretização de compromissos dos Estados-membros em matéria de combate ao desemprego e requer que tais objectivos sejam retomados na futura " Agenda Social Europeia". Continuaremos a lutar por novas políticas económicas e sociais que, efectivamente, criem emprego de qualidade e com direitos, combatam a exclusão e promovam a inclusão social e a coesão económica e social.

Ilda Figueiredo


Portugal e a CE - Nš 35 - Janeiro/Junho de 2000