Deputados em conversa
Entrevista com Joaquim Miranda e Ilda Figueiredo



Balanço de trabalho, iniciativas realizadas e perspectivas de futuro serviram de mote para juntar os dois deputados do PCP no Parlamento Europeu, Joaquim Miranda e Ilda Figueiredo para uma pequena conversa, onde temas como a Presidência Portuguesa, o alargamento, as pescas, a agricultura, as mulheres, Timor-Leste entre muitos outros, foram sendo abordados muito naturalmente.

P - Miranda, tu és considerado por alguns eurodeputados como um "decano" nestas andanças europeias, sendo tu por isso, um dos mais respeitados deputados. Que tens a dizer sobre isso?

JM - Sou, com efeito, o deputado português com mais tempo de permanência no Parlamento Europeu (PE). Esse facto e o conhecimento dos meandros do PE que daí decorre, não deixam de ter alguma importância. Porém, julgo que a respeitabilidade referida, se existe, decorrerá particularmente da coerência das posições assumidas e do trabalho intenso por todos nós realizado ao longo dos tempos. No PE e no próprio grupo parlamentar em que nos inserimos e para o qual muito contribuímos, quer para a respectiva constituição, quer, e em especial para a sua consolidação.

P - Que balanço é possível fazer após 14 anos de actividade, como eurodeputado? Há quem diga que são demasiados anos a "fazer e desfazer malas". Que tens a dizer sobre isto?

JM - Obviamente que 14 anos de actividade no PE, e em especial a distância que separa o país de Bruxelas e Estrasburgo, não deixam de produzir algum cansaço. Tanto mais que temos e sempre tivemos a preocupação de manter uma ligação estreita e permanente com o partido e com a realidade nacional, o que implica viagens semanais entre Portugal e aquelas cidades e deslocações constantes no país para realizar contactos com as mais diversas organizações.
Mas dessa longa permanência decorrem também aspectos positivos e gratificantes, que compensam aquele desgaste: particularmente o facto de o trabalho que temos desenvolvido ser, em larga medida, reconhecido por largas camadas da opinião pública como importante para a defesa dos interesses nacionais e, em especial, dos trabalhadores. Para além de se integrar num movimento mais vasto e em crescimento por uma outra construção europeia, mais democrática, com preocupações sociais e de real solidariedade.

P - Ilda, que balanço fazes destes primeiros meses de trabalho no Parlamento Europeu?

IF - Foi um tempo de muito trabalho durante o qual se deu particular atenção a Timor Leste, se trataram temas de interesse para Portugal como o orçamento, a pesca, a agricultura, a indústria naval, os têxteis, o emprego, a migração, programas e iniciativas comunitárias, o ambiente, a cultura, os direitos dos trabalhadores, das mulheres e das pessoas com incapacidade. Foi, igualmente, durante este período que se analisou o programa da nova Comissão Europeia e se acompanhou, de um modo especial, a Presidência Portuguesa.

P - Quais foram as maiores dificuldades sentidas nesta fase de adaptação?

IF - A adaptação ao trabalho não foi difícil. O mais complicado são as viagens semanais entre o Porto e Bruxelas ou Estrasburgo, e as constantes deslocações a que esta actividade obriga para também se manter uma ligação permanente aos problemas e às questões que se vivem no nosso País.

P - Miranda, nesta legislatura exerces o cargo de Presidente da Comissão de Desenvolvimento e Cooperação. Como está a correr esta nova experiência?

JM - Trata-se de uma experiência nova, bastante positiva, e só possível pela tal respeitabilidade que os deputados do PCP souberam obter no PE e no grupo que integram. Sendo uma área de actividade interessante e importante não se apresenta, contudo, de grande facilidade, já que a prioridade comunitária se concentra, em grande medida, no leste europeu. De qualquer modo, é minha particular preocupação chamar permanentemente a atenção para os enormes problemas que se colocam aos países de menor desenvolvimento e contribuir para alterar, na medida do possível, o tipo de relações que com os mesmos é estabelecido, muitas vezes com uma clara marca neocolonial, tudo isso a par de uma permanente denúncia da actual tendência para a Europa comunitária se transformar numa Europa-fortaleza.

P - Muito se questiona em Portugal sobre qual o trabalho de um deputado europeu. Afinal o que faz um deputado que trabalha em Bruxelas e quais os objectivos desse trabalho? Ilda?

IF - Como já referi, são discutidas propostas e medidas que têm cada vez maior importância para Portugal nos seus mais diversos aspectos. Muitas das políticas e acções desenvolvidas em Portugal resultam das
propostas aprovadas pelo Parlamento Europeu. Daí que seja fundamental a nossa participação para procurar influenciar as decisões e lutar para que tenham em conta as especificidades portuguesas nas mais diversas áreas.

Feitas as apresentações e satisfeitas as curiosidades, vamos falar de coisas mais sérias, ou seja, daquilo que vos faz passar dias e dias de trabalho intenso nesta instituição grande que é a União Europeia.

 

P - O PE conhece neste momento uma nova legislatura. O que significa, entre outras coisas, novos deputados e novas responsabilidades. Como é que encaram estes cinco novos anos de trabalho?

JM - Para nós, nesta nova legislatura e apesar de termos eleito menos um deputado, é questão essencial tudo fazer para dar continuidade ao importante nível de actividade que desenvolvemos no passado. O que implica, naturalmente, um grande esforço, já que são muitos os temas em agenda, alguns deles extremamente complexos, para além de que têm fortes incidências no nosso país: da Presidência portuguesa à implementação do novo Quadro Comunitário de Apoio; do alargamento à nova revisão dos Tratados; da militarização da UE às novas políticas para as migrações. E tudo isso acresce a necessidade de continuar ou mesmo reforçar os contactos no interior do país, de forma a não perdermos o pé relativamente às nossas realidades e, consequentemente, delas conseguirmos fazer eco nas instâncias comunitárias.

P - Também o Grupo Confederal Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL), a que pertencem os deputados comunistas, se reforçou. De 34 deputados passou para 42. Que alterações a nível do trabalho e da intervenção política trouxe este reforço?

JM - O reforço do grupo mede-se pelo aumento do respectivo número de deputados mas também pela acrescida capacidade de intervenção e afirmação que vem demonstrando nesta legislatura, fruto de uma consolidação inequívoca e de um mais aprofundado debate que internamente vem realizando em torno dos principais temas em agenda. Para além de que também a nova correlação de forças no PE - agora com a direita em clara maioria - exige uma acrescida intervenção do grupo. No essencial, podemos afirmar que o GUE/NGL constitui um bom espaço político e um instrumento que permite uma boa intervenção da nossa parte. Além disso, é ainda o único ponto de encontro permanente de comunistas e outras forças progressistas da Europa, facto que não pode deixar de ser tido em conta.

A Presidência Portuguesa (PP) é um assunto que está constantemente na ordem do dia. Como é do conhecimento de todos, ela definiu prioridades de acção, nomeadamente nas questões do alargamento, do emprego, da política externa comum, da economia e finanças, da agricultura, das pescas, da educação, etc, etc, etc… São tantas que nos levam a pensar se não será um exagero de ideias só para português ver!

P - Perante tanta abrangência de áreas, a questão que se coloca, essa é só uma e bem simples. O que seria de facto uma boa Presidência Portuguesa?

JM - Uma boa Presidência Portuguesa da UE seria aquela que, sem deixar de ter em conta a agenda comunitária, conseguisse imprimir-lhe, no entanto, uma marca própria e inequívoca e, simultaneamente, tivesse por objectivo e conseguisse introduzir-lhe novos espaços de reflexão e novas prioridades. Sendo certo que essa marca e essas prioridades deveriam reflectir preocupações e anseios do país. Isso mesmo decorre da natureza e é razão de ser da própria rotatividade da presidência. Não é, por isso, uma boa presidência aquela que se limita a gerir a agenda europeia previamente fixada. Mas isso foi o que, no essencial, aconteceu com a Presidência Portuguesa que agora finda: ao ponto de não ter inscrito como sua prioridade, nem sequer referido como elemento de preocupação importante, a questão da coesão económica e social. O que é particularmente grave já que esta, apesar de consagrada nos Tratados, é hoje completamente remetida para plano secundário nas instâncias comunitárias.

"A PP prosseguirá, com o maior empenho as negociações que tem vindo a ser empreendidas com o Chipre, a Eslovénia, a Estónia, a Polónia, a Hungria e a República Checa, com vista à abertura e encerramento provisório do número possível de capítulos negociáveis até ao final de Junho de 2000."

P - Que comentários vos reservam estas ideias e qual a vossa posição perante a questão do alargamento da UE e suas possíveis consequências para Portugal?

JM - O alargamento não nos suscita objecções de princípio. Mas tão pouco entendemos a sua concretização de forma cega. Isto é, a nossa avaliação definitiva do alargamento dependerá das condições em que for realizado e das incidências que dele resultarem a vários níveis, nomeadamente para o nosso país. O que nos parece inaceitável, para já, é que não existam ou se escondam os estudos dessas incidências, tanto mais porque elas são previsíveis e algumas mesmo graves.

P - Outra das questões a que a PP confere prioridade é ao reforço da Política Externa de Segurança Comum (PESC) através da edificação de uma Política Europeia Comum de Segurança e Defesa (PECSD). Reacções a esta ideia? Será esta uma das formas para ver realizado o objectivo da UE de se tornar um bloco político, económico e militar?

JM - Somos profundamente contrários às ideias de militarização da União Europeia, de reforço do pilar europeu da NATO, de transferência da UEO para o seio da União Europeia e, em geral, recusamos a concepção duma UE como bloco político-militar. E a tais orientações contrapomos o fim dos blocos, a renovação da Organização de Segurança e Cooperação Europeia e, em particular, uma concepção de Europa como espaço de cooperação aprofundada, de solidariedade e de paz.

P - O emprego é talvez das áreas em que os deputados comunistas têm maior intervenção, não só pela dimensão social desta questão como também pelo elevado nível da taxa de desemprego. O que mais tencionam fazer para inverter esta situação?

IF - Actualmente, em Portugal, tão grave como o desemprego é a precariedade do emprego a que acrescem os baixos salários e o incumprimento da legislação laboral, pondo em causa direitos conquistados pelos trabalhadores. Mas é verdade que na Europa se mantêm níveis muito elevados de desemprego, pelo que consideramos prioritário criar emprego de qualidade e com direitos.

P - Como?

IF- Promovendo políticas que avancem na coesão económica e social, com o objectivo de fazer do progresso social e do emprego, os motores de um novo tipo de desenvolvimento no quadro de uma Europa social, solidária e democrática, de responder às aspirações dos cidadãos e ter em conta as reivindicações dos trabalhadores e das suas organizações de classe.

P - Mas isso não significa alterar as actuais políticas?

IF - Exactamente. É fundamental que se abandone o modelo do capitalismo neoliberal e se adoptem políticas macro-económicas de desenvolvimento económico sustentado, que tenham como objectivo atingir o pleno emprego de qualidade e com direitos nos próximos anos.
Pode-se fazê-lo, por exemplo, através da dinamização da procura pelo reforço do poder de compra da população e do relançamento de investimentos públicos e sociais nas áreas da educação, da saúde e habitação, o que pressupõe pôr fim ao pacto de estabilidade. Importa também proceder a uma revisão das perspectivas financeiras da UE para reforçar, designadamente, os fundos estruturais e o fundo de coesão tendo em vista combater a exclusão social e avançar mais rapidamente para a coesão económica e social. Podia acrescentar muitos outros exemplos de políticas e medidas que considero essenciais.

P - Por exemplo?

IF- Controlar os apoios às empresas de forma a assegurar a sua contribuição para a criação de empregos de qualidade e com direitos e não para facilitar reestruturações e deslocalizações acompanhadas de despedimentos. Proceder a uma repartição de rendimentos mais favorável aos trabalhadores de forma a corrigir as crescentes desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, acompanhada do combate à fraude e à evasão fiscal e da tributação dos movimentos especulativos de capitais. Reduzir o tempo de trabalho sem diminuição do salário e sem flexibilização nem precarização do trabalho, com o objectivo de favorecer a criação de empregos, de melhorar as condições de vida, de investir na formação profissional e na educação contínua ao longo da vida para melhor adaptação às inovações tecnológicas e ao desenvolvimento do conhecimento. Pôr fim às políticas baseadas na desregulamentação, privatizações, baixos salários e desprotecção social, flexibilização e precarização do emprego. Apoiar as pequenas e médias empresas. Iremos continuar a lutar por estes objectivos.

P - No mês de Março, realizaram-se em Lisboa umas Jornadas de Estudo sobre o tema do emprego, organizadas pelo grupo GUE/NGL, onde se integra o PCP. Quais foram os principais objectivos desta iniciativa? Será que serviram somente para fazer uma analise colectiva da situação ou também para a realização de algum documento de trabalho?

IF - Nesta iniciativa ouvimos organizações de trabalhadores e de mulheres sobre os problemas laborais e as discriminações que persistem em Portugal e na UE. Procedemos também a uma análise colectiva da situação na UE e das propostas que a Presidência Portuguesa apresentou para a Cimeira do Emprego em 23 e 24 de Março. E foi com base neste debate que aprovámos um documento com a posição do GUE e a política alternativa que defendemos, com as propostas que consideramos essenciais para inverter as políticas actuais.

P - Por falar em Cimeira do Emprego, Ilda, quais as conclusões que é possível tirar do que aconteceu em Lisboa?

IF - Os resultados da Cimeira de Lisboa demonstram que não passou de uma grande mistificação tudo o que previamente foi apresentado pela PP como prioridade ao emprego e combate à exclusão social.
Assim em vez de uma Cimeira sobre o emprego, tivemos a Cimeira do liberalismo económico, com a introdução de novos mecanismos de controlo do processo de trabalho da Comissão e dos Estados - membros. Deste modo, em vez de mais emprego de qualidade e com direitos, de redução do horário de trabalho com manutenção dos salários e sem flexibilização, o que a Cimeira decidiu vai, na prática, contribuir para pior emprego, mais precário, com menos direitos e sem uma protecção social eficaz.
Em vez de serviços públicos de qualidade que dêem resposta às carências dos utentes, que protejam os sectores mais vulneráveis da população e criem empregos de qualidade, o que se decidiu foi acelerar o processo das privatizações e colocar a "nova economia" do progresso tecnológico ao serviço dos grupos económicos sacrificando a qualidade do emprego, as condições de trabalho, o ambiente e o ordenamento do território.


P - Os 135 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) reuniram-se em Seattle (EUA) no fim de Novembro de 1999 para lançar uma nova ronda de negociações que se traduziu num verdadeiro fracasso. Quais as consequências para a UE e nomeadamente para Portugal, o facto de não se ter chegado a nenhum acordo?

JM - Particularmente grave seria que um acordo, nos termos em que esteve quase firmado, tivesse sido efectivamente concluído em Seattle.

P - Achas que a pressão popular teve influência para não se ter chegado a acordo? E quais os interesses económicos que estiveram em jogo para não se ter chegado a acordo?

JM - Estava especialmente em jogo - e continua a estar - o papel e a dominação da economia globalizada pelas grandes potências económicas, em particular pelos Estados Unidos, pelo Japão e pela União Europeia (em particular as grandes potências europeias). Acontece que neste caso - como já havia acontecido, de certa maneira, com o AMI - algumas contradições de interesses entre essas potências, acrescidas pela proximidade das eleições norte-americanas, mas também o papel inconformado desenvolvido pelos países de menor desenvolvimento - já particularmente afectados na sequência do Uruguay Round - e ainda a pressão popular que se fez sentir através de manifestações permanentes, sobrepuseram-se à vontade das grandes potências em avançar a todo o vapor com essa globalização e de fixar as regras que à mesma querem conferir. O falhanço de Seattle não pode, por isso, ser desvalorizado, o que não significa que possa ser motivo para ilusões excessivas.

Uma outra questão muito abordada na ultima legislatura foi a de Timor. A atribuição do prémio Sakharov a Xanana de Gusmão, o convite ao CNRT para participar na Assembleia parietária ACP/UE, a resolução sobre o embargo de armas à Indonésia, e agora, mais recentemente, a deslocação a Timor de uma delegação da UE em, assim o comprovam.

P - Sendo assim, a questão que se coloca é: Quais foram as consequências das iniciativas realizadas pela UE em Timor Leste?

JM - Ninguém negará a acção decisiva que, no plano comunitário, temos desenvolvido em favor de Timor. Desde sempre e também e de forma marcante já no decorrer desta legislatura: o grupo que integramos foi o primeiro, por nossa iniciativa, a propor a atribuição do prémio Sakharov a Xanana Gusmão, que o viria a receber em Estrasburgo. Ainda por proposta nossa foi inscrita no orçamento comunitário para o ano 2000 uma rubrica específica para a reconstrução de Timor e também por nossa iniciativa foi convidado e participou na Assembleia Paritária UE/ACP, que se realizou em Nassau, nas Bahamas, um representante da resistência timorense; para além de que integrei, em Abril, juntamente com outros cinco deputados do PE, uma delegação que se deslocou a Timor e à Indonésia.

P - Qual foi o objectivo da ida de uma delegação a Timor, tendo em conta o actual momento político que se vive no território?

JM - A delegação a Timor resultou, antes de mais, de um compromisso assumido pelo PE no momento em que Xanana Gusmão se deslocou a Estrasburgo, para receber o prémio com que foi distinguido. Nessa altura foi-lhe prometido que o PE seguiria com toda a atenção e desenvolveria todos os esforços no sentido de que o processo de transição e de reconstrução de Timor fosse devidamente acompanhado e apoiado pela União Europeia. E foi nesse contexto que foi também decidido que uma delegação se deslocaria a Timor para efectuar contactos com o CNRT, com as forças da ONU e com as autoridades da Indonésia, com vista a melhor conhecer a situação, as perspectivas que se desenham e para avaliar as necessidades e a forma como está a ser concretizada a ajuda entretanto decidida.

P - Quais foram as conclusões que tiraste desta visita?

JM - Julgo, fundamentalmente, não existirem razões para excessivos optimismos e muito menos para euforias.

E assim é porque na Indonésia se verifica uma evolução positiva, mas lenta e ainda susceptível de sobressaltos; porque é tremenda a situação que se vive nos campos de refugiados, em Timor Ocidental, onde as populações, para além de subsistirem em condições de vida degradantes, são ainda obrigadas a um convívio forçado com milícias e com antigos servidores do estado indonésio, nomeadamente militares; e, especialmente porque é praticamente nula a reconstrução no território de Timor Leste.

P - A agricultura é um sector particularmente importante para Portugal. Durante estes primeiros meses de legislação ele foi especialmente visado. Aos agricultores portugueses interessa acima de tudo compreender de que forma é que o dinheiro da UE é aplicado. Ilda?

IF - É importante que os agricultores portugueses saibam que, em média, recebem dez vezes menos que os agricultores de alguns países europeus e menos 4 vezes que a média europeia. Aí reside uma das principais injustiças da Política Agrícola Comum. Mas há outras como a de, em Portugal, cerca de 90% dos apoios comunitários serem recebidos por menos de 10 % dos agricultores portugueses. A pequena e média agricultura e a agricultura familiar são profundamente discriminadas e poucos apoios recebem.

P - O que está afinal de contas a ser incentivado com o novo orçamento destinado à agricultura, a produção ou a não-produção?

IF - Na agricultura portuguesa, tal como nas pescas, tem havido mais apoios para abandonar a produção do que para modernizar e incentivar a produção.

P - Também a pesca, após diversas orientações restritivas adoptadas pela UE, se tornou num sector de difícil e complicada intervenção. Que propostas estão determinados a realizar neste domínio?

IF - É urgente alterar a política europeia de pescas. Mas é também essencial que, em Portugal, melhorem as condições de vida e de trabalho dos pescadores e haja um apoio especial à modernização da frota e à pesca artesanal, pondo fim ao abate de barcos.

P - Ilda, como é, com toda a certeza do teu conhecimento, inúmeros pescadores portugueses têm vindo a emigrar para países como a França e a Espanha em busca de um melhor nível de vida que em Portugal lhes é negado. O que é que na tua opinião poderia ter sido feito ao nível da UE para evitar esta situação?

IF - Tal como já denunciámos, o governo português, na sua ânsia de ser bom aluno das políticas europeias, transformou Portugal no país da UE que, percentualmente, mais barcos abateu e mais reduziu a capacidade de pesca nacional, ultrapassando em 38% os
próprios objectivos comunitários, enquanto a França e a Holanda aumentaram a capacidade de pesca. Agora, os nossos pescadores vão para lá. Assim, precisamos de modernizar a nossa frota de pesca e melhorar os salários dos pescadores.

A participação de deputados comunistas na Comissão dos Direitos das Mulheres e Igualdade de oportunidades corresponde à perspectiva de que a defesa dos direitos da mulher, da igualdade social entre homem e mulher, é uma luta contra uma inaceitável discriminação social.

P - O que é que pode ser feito a nível da UE para atingir o objectivo de ver os direitos das mulheres respeitados?

IF - É essencial que se promova, em todas as políticas e em todos os sectores de actividade, a efectiva igualdade de oportunidades e o combate a todas as discriminações, nomeadamente no acesso ao emprego, nas relações laborais, na promoção profissional e nos salários. É, igualmente, essencial valorizar a importância social da maternidade e da paternidade e desenvolver políticas de apoio às crianças e à família.

P - Que intervenções têm sido feitas nesta área por vocês? Existem iniciativas futuras com vista a demonstrar o desrespeito pelos direitos das mulheres?

IF - Imensas. Estamos a desenvolver todo um conjunto de contactos e reuniões com organizações de mulheres tendo em vista uma troca de opiniões, incluindo a preparação da Cimeira Intergovernamental
" Pequim +5" e do próximo programa comunitário. Na reunião do Grupo, em Lisboa, estiveram também em cima da mesa propostas nesta área, que continuaremos a defender no Parlamento Europeu.

A situação em Angola esteve sempre presente na actividade dos deputados do PCP no PE e na Assembleia parietária ACP/UE. Resoluções importantes foram aí adoptadas por sua iniciativa ainda que por vezes tivessem que lutar contra a oposição de outras forças políticas portuguesas.
Os deputados comunistas reclamam apoios para o povo angolano e condenam a UNITA pelas suas posições e acções.

P - Miranda, o que é que na tua opinião poderá ser feito a nível da UE para alterar a situação dramática que se vive neste continente? Chegará somente realizar a tão falada Cimeira UE/África?

JM - Está tudo ou quase tudo por fazer. É necessário, acima de tudo, desenvolver uma verdadeira política de cooperação, sem marcas neocoloniais e verdadeiramente orientada para o desenvolvimento desse imenso continente. O que passa pela resolução do problema da dívida, pelo fim da espoliação das suas riquezas minerais, florestais e outras, pela fixação de preços justos às matérias primas, pelo acesso às novas tecnologias, pelo apoio à educação e à saúde ...
A questão, entretanto, é que não só não existe vontade política de dar concretização a tais orientações, como se assiste ainda à concessão de total prioridade às relações com o leste ... com o próprio sacrifício das pequenas ajudas que vinham sendo prestadas aos países de menor desenvolvimento.

P - E achas que a realização da tão falada Cimeira UE/África, no Cairo, contribuiu de alguma forma para que essa verdadeira política de cooperação se iniciasse?

JM - No presente contexto e com os objectivos que atrás referimos, sempre afirmámos que tudo deveria ser feito com vista à concretização duma tal cimeira Europa-África, nomeadamente como forma de terminar com esta exclusiva concentração das atenções no leste europeu. Mas dissemos igualmente que não bastava realizá-la. Era essencial dar-lhe conteúdo, procurar respostas para os problemas reais e graves que subsistem e se agravam e, assim, abrir novas perspectivas para as relações norte-sul. Ora é patente que tal não se verificou, por manifesta falta de vontade política da parte europeia. Foi, ao fim e ao cabo, mais uma oportunidade perdida.

P - Uma ultima questão mais geral. Quais são as vossas perspectivas de trabalho para o futuro ?

IF - Em relação ao futuro, procuraremos continuar a dar resposta às várias frentes de trabalho em que estamos inseridos e, naturalmente, reforçar as ligações com a realidade portuguesa. Lutaremos pela revisão das políticas comuns nas áreas da agricultura e das pescas, para que tenham em conta as especificidades portuguesas.
Continuaremos a defender uma Europa mais solidária, de paz e não de guerra. Daremos particular atenção à luta pela criação de mais emprego de qualidade e com direitos.
Continuaremos a acompanhar as negociações do Acordo de Pescas com Marrocos, a concretização do Acordo com a África do Sul e a dar particular atenção ao Estatuto das Regiões Ultraperiféricas tendo em vista as situações específicas dos Açores e da Madeira.
Enfim, todas as questões do desenvolvimento de Portugal terão a nossa maior atenção.

JM - Vamos continuar a trabalhar com afinco, em grande articulação com o país, particularmente orientados para a defesa dos interesses nacionais, muito atentos às questões sociais e em particular ao mundo do trabalho e empenhados numa nova concepção da construção europeia, como atrás referimos. E, nesse sentido, vamos continuar atentos e intervenientes sobre as mais importantes questões em discussão, queremos particularmente desenvolver uma intensa actividade em torno das questões sociais e seremos especialmente activos no âmbito dos debates relacionados com a coesão económica e social. Lutaremos pela revisão das políticas comuns nas áreas da agricultura e das pescas, para que tenham em conta as especificidades portuguesas.


Portugal e a CE - Nš 35 - Janeiro/Junho de 2000