Editorial
É inevitável outro rumo para a União Europeia

Agostinho Lopes




Henrique Sousa A dupla condição de Portugal como país de emigração e de imigra ção, que constitui também um sinal da sua especificidade na União Europeia, deveria reforçadamente justificar uma orientação governativa que, nesta área, por um lado fosse marcada pelo acolhimento e integração dos imigrantes na sociedade portuguesa com respeito pelos seus direitos cívicos, sociais e culturais e pelo reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento de Portugal e, por outro, se caracterizasse por uma efectiva e firme política de apoio e defesa dos direitos dos nossos emigrantes espalhados pelo Mundo.

Mas não é assim.

O actual Governo, procurando embora promover uma imagem de maior abertura e de boas palavras, é na sua prática política adepto e cúmplice das orientações dominantes na União Europeia, que favorecem o fechamento do espaço europeu e a discriminação dos imigrantes como cidadãos de segunda.

É disto (mau) exemplo o projecto de convenção elaborado pela Comissão Europeia sobre a admissão de cidadãos nacionais de países terceiros nos estados membros da União Europeia, a merecer viva condenação e combate, não só por parte dos comunistas como por todas as forças progressistas e cidadãos empenhados na construção de uma Europa dos povos mais solidária e mais democrática.

Vê-se como estavam enganados os que se iludiram com a inclusão no Tratado de Amesterdão da imigração como política comum como sendo positiva para os imigrantes, quando os factos revelam que isso foi feito para impor normativos e orientações à escala europeia mais restritivos dos direitos dos imigrantes. Na senda das soluções construídas com os Acordos de Schengen, aliás significativamente integrados nos tratados europeus. Não sendo também casual que no dito Tratado a origem nacional não tenha sido considerada como fonte de discriminação a combater, ao lado da raça ou da origem étnica.

É aliás significativo que nas instituições da União Europeia coexista um discurso oficial, embora carente de medidas efectivas, de combate à xenofobia e ao racismo, com uma orientação crescentemente repressiva em relação à imigração, de que é exemplo um relatório da presidência austríaca cessante propondo como remédio para o controlo dos fluxos migratórios mais controlos policiais e supressão de direitos, como denunciou o Forum dos Migrantes da UE. Não é com esta hipocrisia e duplicidade dos poderes da UE que é possível fazer recuar de facto os sentimentos racistas e xenófobos fortemente manifestados por um terço dos cidadãos europeus que responderam a uma sondagem oficial sobre o assunto.

Em sintonia no fundamental com este quadro, o Governo português não descola decididamente da orientação autoritária contra os imigrantes que caracterizou os anteriores Governos do PSD, antes prosseguindo em aspectos essenciais as mesmas opções e praticando nesta matéria a política do «pau e da cenoura». Um discurso de boas palavras para as comunidades imigrantes instaladas em Portugal, contrastante com a evidente falta de meios e de poderes que caracteriza o órgão criado para esta área — o Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas — e com iniciativas e actos repressivos e discriminatórios que marcam negativamente o quotidiano dos imigrantes. Como uma nova lei de estrangeiros (que o PCP tomou já a iniciativa de chamar a exame parlamentar e para a qual propôs numerosas alterações), inspirada na ideia de uma Europa fechada com os pobres à porta e com Portugal servindo de guarda de fronteira. E em que usa como alibi um processo extraordinário de regularização de imigrantes ilegais cujo prazo fechou há 2 anos, mas que ainda se arrasta penosamente sem ter concluído a apreciação de milhares de casos e sem ter sido enquadrada a resolução de muitos outros milhares de situações irregulares que persistem na sociedade portuguesa.

Uma opção política que, promovendo a marginalização e a exclusão, vai ao encontro dos grandes interesses económicos interessados no uso sem escrúpulos de trabalhadores fragilizados e sem direitos fornecidos pelas redes da imigração ilegal.

E provando que isto anda tudo ligado, a orientação do Governo em relação à emigração portuguesa na Europa e no Mundo é reveladora de uma grande distância entre o excesso de propaganda e de operações de promoção do Governo e a nudez crua do insuficiente apoio oficial e consular aos emigrantes, do baixo investimento no ensino da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro, da deficiente resposta da Segurança Social quanto ás reformas, da ausência de estímulo e apoio à aplicação das poupanças em Portugal e de ajuda à integração nas situações de regresso, da falta de consideração pelos representantes eleitos das comunidades portuguesas, do défice de intervenção combativa nas instituições da União Europeia e junto dos Estados de acolhimento em defesa dos direitos dos emigrantes.

Em ano de eleições europeias e legislativas, é por tudo isto oportuno sublinhar que uma verdadeira alternativa quanto à construção europeia e uma diferente e autêntica política de esquerda para Portugal contêm também a exigência de uma outra atitude em relação aos imigrantes e à imigração. Que valorize a fusão de povos e culturas que faz parte da génese de Portugal e foi e é determinante para a riqueza e vitalidade das civilizações europeias. Que proclame convictamente, como tem feito o PCP e os seus deputados na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, com uma intensa iniciativa política e legislativa nesta matéria, que é também pelo reconhecimento dos direitos de cidadania dos imigrantes, pelo diálogo entre culturas, pelo trabalho com direitos sem discriminações fundadas na etnia ou origem nacional, que se distingue uma política consequente de esquerda e é possível edificar um Portugal melhor e mais democrático e uma Europa de progresso, paz e cooperação. Onde o euro não valha mais que o trabalho e a dignidade das pessoas!


Portugal e a CE - Nº 35 - Janeiro/Junho de 2000