Reforma da Política Agrícola Comum (PAC)
A Agenda 2000 e a reforma da PAC


A Comissão Europeia apresentou uma proposta de quadro financeiro para o período de 2000-2006, tendo em conta as necessidades financeiras de um futuro alargamento da Comunidade. Este quadro implica novas perspectivas financeiras, a reforma da PAC e a reforma dos fundos estruturais.

Na agenda 2000 defende-se um aprofundamento da reforma da PAC de 1992, ou seja, a redução do papel dos mecanismos de intervenção do mercado e a sua substituição por ajudas directas ao rendimento, i.e reduções brutais dos preços agrícolas, compensando os agricultores com um aumento parcial das ajudas ao rendimento.

O objectivo central da reforma é promover as explorações agrícolas produtivas e eficientes, ou seja, aquelas que sejam competitivas internacionalmente. Os mecanismos de ajuda propostos e os prémios adicionais para medidas agro-ambientais e para a extensificação, aliados à manutenção do pousio voluntário e obrigatório (agora com uma taxa zero) (1), provam isso mesmo.

Em Março de 1998 a Comissão aprovou os documentos relativos à reforma da PAC, i.e a reforma das OCM com maior peso orçamental — ao todo oito regulamentos. De fora ficaram as OCM mediterrânicas: vinho, azeite e tabaco. As frutas e legumes ficaram de fora deste quadro, com uma reforma que impôs o co-financiamento dos mecanismos de intervenção, por parte das organizações de produtores. O processo da sua reforma segue numa perspectiva de auto-financiamento destas OCM que representam menos de 10% do orçamento agrícola comunitário.

Estas propostas de regulamentos dão tradução prática aos objectivos centrais anteriormente anunciados na Agenda 2000. Objectivos antagónicos com os vitais e necessários interesses de desenvolvimento da agricultura portuguesa e, de uma forma geral, das agriculturas mediterrânicas.

A reforma da PAC esquece em absoluto a agricultura familiar e os pequenos e médios produtores. Não são criadas nenhumas ajudas especiais ou modificados os sistemas de ajudas das OCM para ter em conta a especificidade da agricultura familiar, indispensável para a manutenção do emprego e impedir a desertificação do mundo rural. As pequenas explorações e a agricultura familiar, fazem parte do cimento humano e territorial, ajudando a manter e dinamizar o mundo rural e a sua característica indispensável: a produção agrícola. Estas explorações têm problemas de eficiência, apesar de usarem as mesmas tecnologias de produção agrícola, mas contribuem para a criação de produtos de qualidade e utilizam modos de produção não intensivos. Estes não recebem nenhumas ajudas adicionais, apesar de terem custos de factores de produção mais elevados e serem os principais a sofrerem dos dissabores da liberalização do mercado mundial ao nível agrícola no âmbito da OMC.

Não se desenvolve a faceta de abastecimento dos mercados locais e o contributo que estas explorações aí podem ter. Não se apoiam conjuntamente as pequenas cooperativas que carecem de dimensão para poderem ser consideradas organizações de produtores.

Por outro lado, permanecem os desequilíbrios, pois as ajudas irão para os agricultores com explorações de maior dimensão, e dentro destes para os mais competitivos. Um esquema de ajudas por hectare, premeia as explorações de maior dimensão. Os esquemas para a extensificação produtiva, através do número de cabeças de gado por hectare, premeia quem tem maior dimensão. Mantém-se a figura do pousio obrigatório e permite-se o pousio voluntário, até 10% da superfície agrícola comunitária beneficiando, mais uma vez, quem tem maior dimensão. O prémio por vaca leiteira vai ser baseado na quota nacional e no rendimento comunitário por vaca leiteira (já conhecido pelo sistema da vaca virtual), logo vão ganhar aqueles que têm maior produtividade. As explorações de maior dimensão e mais eficientes, podem usar todas estas formas para aumentarem o nível de ajudas que recebem, adicionando ainda as medidas agro-ambientais. A Comissão não propõe nenhum tecto máximo de ajudas por exploração.

A Comissão não propõe nenhuma modulação das ajudas, modulação que devia ser degressiva, i.e quanto menor a dimensão da exploração maior devia ser a ajuda. A Comissão propõe algo diferente, dentro de um novo regulamento de medidas horizontais para a PAC que irá reger os envelopes financeiros entregues aos Estados-membros, numa perspectiva de descentralização das ajudas. Os chamados tectos máximos de ajuda são no fundo um sistema de escalões que não impõem nenhum limite de ajudas por exploração. No fundo, impõem reduções dos montantes de ajuda por exploração dentro de determinados tectos máximos escalonados. Até cerca de 20 mil contos não existe nenhuma penalização, entre 20 mil e 40 mil contos sofrem uma redução de 20% nos valores que ultrapassem o limiar mais baixo e a partir dos 40 mil contos uma redução de 25%. Ora, o grande bolo dos pequenos e médios agricultores encontra-se no primeiro escalão e continuarão a receber o mesmo, os grandes um pouco menos por escalão, mas como aumentam os meios de ajuda e não é posto nenhum limite máximo, irão receber o mesmo ou até mais.

A poupança efectuada pelos Estados terá uma ligação com a implementação de medidas agro-ambientais, voltando por portas e travessas o dinheiro ao mesmo destino. A proposta apresentada de modulação pelo emprego é também de pouco alcance, assim como é perigosa a ligação entre o agricultor a tempo inteiro e o recebimento das ajudas, quando são exactamente os pequenos agricultores que têm de encontrar outras formas de complementar o rendimento agrícola, atingindo profundamente a agricultura familiar.

Outro desequilíbrio que permanecerá é o existente entre as produções do norte e as mediterrânicas. No período de 2000 a 2006 os gastos orçamentais com as três principais OCM vão aumentar: as culturas arvenses 14%, o leite 64% e a carne de bovino 70%. As culturas mediterrânicas mantêm as mesmas dotações, descendo, contudo, ligeiramente a OCM das frutas e legumes em cerca de 3%. Isto quer dizer que os desequilíbrios norte/sul não só não se reduzem, como vão aumentar.

O novo instrumento de desenvolvimento rural, que vai integrar medidas financiadas pelo FEOGA-Orientação, apesar da sua possível contribuição para tornar a política da PAC uma política mais virada para a coesão que para o mercado, representa apenas 10% do orçamento agrícola, indo mais de 60% para medidas agro-ambientais. O investimento e a modernização das estruturas agrícolas e da respectiva produção fica apenas no campo das intenções, enquanto se continuam a premiar medidas de pré-reforma, reflorestação e abandono produtivo.

Com o argumento de atender às especificidades regionais, a Comissão propõe uma descentralização de parte do sistema de ajudas, distribuindo envelopes financeiros por Estado-membro, que serão distribuídos aos agricultores consoante os critérios estabelecidos pelos Estados-membros e em ligação com os regulamentos comunitários. Esta medida representa, no fundo, um primeiro passo com vista à re-nacionalização da PAC, pondo em causa os seus princípios orientadores.

As descidas de preços de intervenção e uma substituição destes por sistemas de ajudas ao armazenamento, vão pôr em causa a garantia de um rendimento mínimo aos agricultores e deixar o sistema de intervenção apenas na mão de organizações de produtores reconhecidas. Os preços de intervenção descem 15% para o leite em pó desnatado, 30% na carne de bovino (10% anuais em três anos) e 20% nos cereais (anulando o mecanismo de acréscimos mensais).

Ao nível do financiamento a Comissão prepara-se para fazer poupanças na linha directriz e 520 milhões de ecus anuais em 7 anos irão para ajudas de pré-adesão ao leste.

Estas propostas, a serem implementadas, irão pôr em causa a prazo a viabilidade da agricultura portuguesa, deixando apenas espaço de manobra para um pequeno número de grandes explorações competitivas. O consumidor poderá ganhar no preço, mas perderá de certeza na qualidade do produto. A pequena exploração sofrerá enormes pressões para manter a sua sobrevivência, com todas as consequências para o futuro do mundo rural português.

Pelo teor negativo destas propostas, os agricultores europeus manifestam-se por esta Europa fora. No dia 17 de Abril, em Lisboa, houve a maior manifestação de sempre de agricultores, mais de 5 mil. Esperemos que o descontentamento tenha eco junto aos respectivos governos e junto das instituições comunitárias.


Nota:
1. Ao nível das culturas arvenses era estabelecido um pousio obrigatório, ou seja, uma percentagem da superfície agrícola de uma exploração ficava por ser cultivada, muitas vezes servindo para pastagem de gado. Existia uma ajuda ao pousio, que geralmente beneficiava as grandes explorações, visando um melhor controle da oferta de produtos cerealíferos. A Comissão na nova proposta propõe uma a manutenção do pousio obrigatório a uma taxa zero, i.e não existe pousio obrigatório apenas voluntário. Contudo, ao permanecer a figura, esta taxa poderá ser aumentada tendo em conta as condições do mercado agrícola comunitário.