Perguntas e Respostas

8. Portugal não tem alternativa à moeda única?


Os adeptos da moeda única não têm dúvidas: ou a moeda única, um «desígnio nacional» ou o desastre!

E há os que são mesmo mais dramáticos: ou a moeda única ou a guerra! (Ernâni Lopes). Os mais «realistas», afirmando também que não há alternativas, consentem, no entanto, que haverá «sacrifícios» a fazer.

Sucessivos governos do PS e PSD (com ou sem o apoio do CDS), colocaram sempre as sucessivas fases do processo de integração comunitária como questões inelutáveis e inevitáveis, sem alternativa nem saída que não fosse aquela que perfilham. Um posicionamento do tipo: ou crês ou morres! Foi com a adesão à CEE, com a construção do mercado único e as suas consequências sobre o período de transição, com a reforma da PAC, com o Tratado de Maastricht, é agora com a moeda única e amanhã será com o alargamento e o federalismo. Tem que ser, é a palavra de ordem. Uma alternativa sempre coincidente com os interesses e as posições do grande capital nacional e das transnacionais!

É evidente que face ao processo da UEM e da moeda única estabelecidas por Maastricht (e a outras políticas comunitárias comuns), a margem de manobra de um país como Portugal é sempre muito pequena. Processos e políticas que, aliás, sempre poderão avançar quer o país o deseje ou não: temos uma capacidade muito limitada de influenciar e menos ainda de determinar o rumo dos acontecimentos. E não há dúvida que, dentro ou fora da moeda única, no primeiro pelotão, no segundo pelotão (SME II) ou no carro vassoura, as consequências para Portugal serão sempre muito más. (Mas essas são as inevitáveis consequências das decisões políticas de quem apoia e apoiou o percurso e as sucessivas mudanças de velocidade que o país vem percorrendo desde a adesão, em 1986. Não tem o PCP a responsabilidade). Mas umas são piores que outras!

Hoje, com os elementos, limitações e imposições conhecidos (a estrutura económica do país, as suas relações económicas externas, os critérios de convergência e o pacto de estabilidade, etc.) a resposta só pode ser uma: Portugal não deve integrar a moeda única e a UEM! E lutar politicamente nos órgãos comunitários por outra construção da Europa. Uma Europa de países soberanos cooperando entre si pelo emprego e bem estar dos povos, pelo seu mútuo desenvolvimento, afastando a lógica da rentabilidade financeira e da dominação do capital transnacional, e dos seus instrumentos neoliberais, como a moeda única, a liberalização, desregulamentação e privatização total das economias nacionais. Uma construção Europeia que tenha por objectivo central a concretização do princípio da coesão económica e social e a convergência real das economias. Uma construção Europeia diferente da estabelecida em Maastricht, que possa explorar, entre outras, a hipótese de uma moeda comum que, sem anular o papel das moedas nacionais, seja um instrumento para a cooperação e a convergência económica e social entre todos os países. Uma moeda comum que desenvolva algumas das potencialidades do Ecu (além de unidade de conta, possa servir, por exemplo, de meio de crédito e de regulação), mas sem o peso dominante que hoje tem, no cabaz de moedas que lhe serve de base, o marco e as outras moedas da zona do marco.

Fora do núcleo duro dos países que integrarem o chamado «primeiro pelotão», as dificuldades serão muitas. Mas, face às consequências para um país com as fragilidades estruturais económicas e sociais de Portugal, integrar uma zona económica de moeda única com economias muito mais poderosas, a solução é ficar de fora e usar os seus atributos de Estado soberano para defender e promover o seu desenvolvimento económico.

A livre disposição da moeda nacional é, para o país, uma condição imperativa e indispensável para se proteger e cooperar. Ela dá-lhe certa margem de manobra (ainda que limitada) enquanto a moeda única o entrega de mãos e pés amarrados nos braços dos mercados financeiros. Por exemplo, para reduzir os seus défices externos, um país pode tentar relançar as suas exportações e reduzir as suas importações, pela gestão cuidadosa das suas taxas de câmbio. Isto não será mais possível com o Euro. Com uma moeda nacional, podem facilitar-se os créditos ou taxar os rendimentos financeiros e a especulação. Isto será interdito com o Euro. Seria desnecessário dizer que esta opção política nada terá a ver com uma qualquer autarcia económica (manifestamente uma impossibilidade nos dias que correm) ou com uma desregrada e desequilibrada gestão das contas públicas e do Orçamento do Estado, se não fosse essa a identificação que os adeptos da moeda única farão, com a alternativa daqueles que a ela se oponham. Oposição que pode, aliás, ter diversas razões: uma avaliação negativa dos prazos e ritmos do processo da UEM, a ausência de um suficiente orçamento comunitário, ou razões que se prendem com o conteúdo político e económico do processo da união monetária.

É uma evidência que continuarão fora da moeda única países que agora integram a União Europeia (Grécia, Dinamarca, Reino Unido), e outros países da Europa (Suíça, Noruega, etc.). E isto acontecerá quer perante um primeiro núcleo de países que venham a criá-la, quer perante um eventual e posterior alargamento do núcleo inicial do Euro a outros países.

A tese divulgada por António Guterres e outros de que a presença de Portugal no primeiro pelotão dos países que vão criar o Euro é de grande importância, porque passaríamos (contra o que sucederia hoje em que com boa ou má vontade se tem de alinhar com o marco), a ter capacidade política de intervir sobre a gestão do Euro e das políticas económicas associadas é pura demagogia e argumentação balofa. Hoje não influenciamos nada ou quase nada (é ver o número de decisões comunitárias tomadas contra os interesses portugueses) e amanhã nesse primeiro pelotão nada influenciaríamos.

Não é por acaso que a Alemanha condiciona a sua participação a uma gestão do Euro por um BCE «independente» dos poderes políticos e vem sendo desenvolvida toda a «filosofia» dos bancos centrais «independentes» dos governos (mas, naturalmente, dependentes dos mercados financeiros). O que deve ser articulado com as propostas para a revisão do Tratado de Maastricht na CIG, em que se pretende o reforço do peso em votos dos grandes países no Conselho de Ministros e a generalização das decisões por maioria qualificada, pondo fim à obrigação da unanimidade que ainda vigora em determinadas matérias.

É fácil perceber esta política de classe. Para os banqueiros e grandes capitalistas as vantagens decorrentes da maior e mais fácil mobilidade dos capitais, do acesso a capitais a bom preço e de um mais amplo espaço para a especulação bolsista e financeira é a possibilidade de bons negócios e maiores lucros. Por outro lado, as desvantagens do desemprego, de pior segurança social, de baixos salários e pensões, de manutenção de longas jornadas de trabalho, não lhe dizem nada. É lógico que quando põem na balança as vantagens e desvantagens, o fiel se incline decididamente para o lado das suas vantagens. É lógica e natural a sua opção pela moeda única.

Para os trabalhadores e a grande maioria do povo português a situação é matematicamente a simétrica.

 

«Não estamos em condições de competir numa zona de moeda forte. A nossa estrutura produtiva não aguenta uma moeda forte». «Não digo que a estratégia (do caminho para a moeda única) seja suicida. Mas é muito perigosa. Pode agravar a situação de perifericidade do país. Não é por adiarmos, em cinco ou dez anos, a adesão à moeda única que nos vamos tornar mais periféricos. Tornamo-nos mais periféricos se não tivermos uma estrutura produtiva que possa competir dentro do espaço Europeu. Não foi pelo facto de ter a mesma moeda de Lisboa que o nordeste transmontano se tornou menos periférico».

João Ferreira do Amaral, Professor do ISEG e militante do PS — Público, Economia — 11 de Dezembro de 1995

«Portugal não se pode isolar da Europa. O que temos é de reconhecer que nem o nosso aparelho produtivo nem a nossa mão-de-obra estão à altura de poder competir num mercado totalmente liberalizado, pelo que se terão de pensar formas de proteger esse aparelho produtivo até que a nossa produtividade tenha atingido os níveis médios Europeus.»

Nuno Cardoso da Silva, Professor auxiliar da ULHT — Expresso — 21 de Dezembro de 1996

«(...) mesmo se um País pode actualmente escolher seguir o Bundesbank, resta-lhe ainda a possibilidade de decidir em definitivo e com toda a soberania, não o fazer, como o fizeram a Suécia, a Finlândia, a França e outros, no decurso dos últimos anos, quando as taxas de juro estiveram submetidas a uma muito forte pressão. Na UEM, uma tal possibilidade será excluída».

Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa — 13 de Dezembro de 1996

«Pensar que um país sozinho como Portugal, será capaz de influenciar o conselho executivo do BCE com argumentos políticos e desculpas para não viver de acordo com os rígidos critérios monetários impostos pelo Tratado de Maastricht é uma ilusão. O controlo político está fora de questão, como foi tornado absolutamente claro pelo antigo presidente do Bundesbank, Karl Otto Pöhl, num artigo recente no Frankfurter Allgemeine Zeitung».

Patrick Blum, ex-correspondente do «Financial Times» — Público — 24 de Janeiro de 1997

«(...) Esta história da Moeda Única não vai correr bem. Ou porque, uma vez entrados, a penúria continua ou até se acentua, ou mesmo porque nem chegamos a entrar na data pretendida. Esta última hipótese, dado o nível de expectativas, algo primárias, que foi sendo criado no cavaquismo e que Guterres, após breve hesitação inicial, ainda mais acentuou (de forma que me parece politicamente imprudente), pode conduzir a uma situação de grande desânimo e desorientação, com reacções de pânico a nível dos aforradores, dos mercados e dos cidadãos em geral. Criou-se, com a superficialidade que nos caracteriza, uma tal ideia de que só vale a pena viver se estivermos no "primeiro pelotão", que qualquer alternativa vai parecer o abismo.

Leonardo Ferraz de Carvalho — Independente (sem data)

«A moeda única é uma revolução e em todas as revoluções se aproveita para proceder a uma redistribuição da riqueza: as economias mais fortes ficarão mais fortes e as mais pobres, mais pobres. E nós sabemos em Portugal que as assimetrias são gritantes. Os monopólios aproveitarão para aumentar os seus preços e a banca repercutirá os seus custos no cliente.»

Godinho de Almeida (quadro da terceira maior produtora mundial de máquinas domésticas de café expresso, a empresa nacional Briel) — Público — 17 de Maio de 1996

«Esta pressa de construção Europeia, feita apenas por interesses económicos, custa a entender. A Europa é cada vez menos uma construção de povos e cada vez mais uma construção dum outro mundo de negócios.»

J. Vicente Ferreira, Consultor e docente universitário — Expresso — 5 de Abril de 1997

«Mas não, o "Euro" não é o cimento da Europa moderna, mas a dinamite que a fará explodir. E é para tomar à letra, porque com a UEM a Europa será dividida em três como a velha Gália: os países que têm a Euro-moeda, os países com moedas diferentes, pois o fosso alargar-se-á entre eles e nós, e os "fora de jogo" da Europa de Leste que não entrarão pois os obstáculos monetários são demasiado elevados para eles.

É por isto que Maastricht não será o derrota da Europa mas o fim de um projecto estúpido. E é por isto que aquele que está contra este projecto absurdo não é nem um anti-Europeu, nem um "nacionalismo do marco alemão". Quem quer verdadeiramente uma Europa integrada deve reflectir em relação a todas as outras coisas, que não o dinheiro, a economia e os mercados, que comunicam entre eles sem ajuda da política — como o demonstra a economia mundial.»

Wilhelm Hankel, professor de Economia Política na Universidade de Frankfurt