Perguntas e Respostas

2. O que vai significar o estabelecimento da moeda única face às diferenças de produtividades existentes entre Portugal e os outros países aderentes à moeda única?


Segundo os dados estatísticos conhecidos, há uma diferença significativa entre as produtividades (aparentes) do trabalho, de Portugal e dos nossos principais parceiros da União Europeia: 61% face à Alemanha, 48% face à França, 21% face à Espanha...

Isto quer dizer que se, por exemplo, numa hora de trabalho se produzem 100 dólares de valor acrescentado em Portugal, na Alemanha produzem-se 160 dólares, 148 dólares em França, 121 dólares na Espanha,... (a)

Esta diferença de produtividades é a causa da acumulação de défices da Balança Comercial pelo país. Défices compensados, ao longo destes anos, pela sobre-exploração dos trabalhadores portugueses — que continuam a ser a mão-de-obra mais barata da União Europeia — pela redução drástica de rendimentos de outras camadas, como agricultores (desde 1986 a 1995 sofreram uma quebra de 25% no seu rendimento) e pequenos e médios empresários, pelas remessas de emigrantes, pelas receitas do turismo, pelo investimento estrangeiro (compra de empresas e terras) e também por algumas desvalorizações da moeda, feitas antes de se ter iniciado o processo de adesão à moeda única com a integração de Portugal no Sistema Monetário Europeu.

Pode a moeda única contribuir para Portugal (e outros países) vencer estas diferenças e dificuldades da sua estrutura produtiva? Os dirigentes alemães já responderam a esta questão: segundo eles, a moeda única não se destina a ajudar os países da União Europeia a vencer o seu atraso. Estes não têm outra solução que não seja a adaptação à realidade da moeda única. O que é que isto quer dizer?

Quando desaparecer a moeda nacional (logo, não haverá mais política cambial) os países que farão parte da União Monetária, privar-se-ão de decisivos instrumentos de política económica que lhe garantem alguma margem de manobra. A sua política monetária será conduzida ao nível Europeu pelo Banco Central Europeu e alinhada pelo país ou grupo de países dominantes. A sua política orçamental deverá visar o objectivo do equilíbrio orçamental (Despesas igual a Receitas) a partir da lógica de redução das despesas, nomeadamente das despesas sociais.

Em tais condições os factores de ajustamento (adaptação) serão os empregos, os salários, os impostos sobre os trabalhadores e outras camadas populares e as despesas sociais — educação, saúde, segurança social. É assim que os países se adaptarão à realidade da moeda única.

Os capitais — cuja circulação já livre será acelerada pela moeda única — dirigir-se-ão para os «nichos de produtividade» (países e áreas geográficas onde a produtividade é maior) para ganhar maiores lucros. Só se dirigirão para países como Portugal, caso aqui encontrem mão-de-obra «dócil» (pouco reivindicativa e pouco virada para os sindicatos) e sobretudo barata, com um mercado de trabalho flexível e fortes incentivos financeiros do Estado português. Guiados pela lógica ultraliberal da construção comunitária, os países devem melhorar a sua atractividade: via privatizações escandalosamente vantajosas para os compradores; através de benesses fiscais e outros apoios financeiros vultuosos (fundos comunitários e nacionais); aumentos da produtividade do trabalho por despedimentos massivos e pressões sobre os custos salariais. Os países e as regiões menos produtivos serão empurrados (na impossibilidade de proteger o seu mercado interno e de tempo para o desenvolvimento e modernização das suas estruturas produtivas) para o corte dos salários, a flexibilidade, polivalência e longas jornadas de trabalho, um mercado de trabalho à medida do grande capital. Esta política não cria condições de um verdadeiro desenvolvimento dos países atrasados, ela «congela» o subdesenvolvimento (relativo) dos mais débeis e arrasta os assalariados desses países para uma guerra económica impiedosa contra os seus camaradas dos outros países na concorrência salarial e na «venda de direitos sociais. Dentro da mesma lógica, esta política exacerbará as desigualdades regionais dentro de cada país e acentuará ainda mais em Portugal, um perfil produtivo assente na indústria intensiva em mão-de-obra pouco qualificada e de baixos salários, e na liquidação da pouca produção de média e alta tecnologia que o país tem.

Os adeptos da moeda única defendem (mais ou menos explicitamente) a velha tese liberal «deitam-se as empresas (há quem prefira os empresários) ao mar, as que souberem nadar, salvar-se-ão... e depois o país será reconstruído com unidades novas, modernas, tecnologicamente apetrechadas e economicamente competitivas... Não é por acaso que falam para o curto prazo de «sacrifícios» e «purgatórios» com a esperança de a médio prazo alcançarem o «paraíso»!

O «Argumentário Euro» (b) é transparente nos objectivos e análises que faz das consequências da moeda única: «Um mercado único dotado de uma moeda única permitirá mais transparência, mais concorrência e uma melhor divisão do trabalho». E depois explica, utilizando como exemplo concreto Picasso a braços com a pintura da sua casa.

Isto é, o Argumentário diz, de forma franca e acessível a toda a gente (que ele julga estúpidas) qual é a divisão de trabalho que vai resultar da moeda única: uns (os alemães, os holandeses,...) serão Picassos, que farão obras-primas que «valem milhões» (em linguagem económica: a produção de alto valor acrescentado) e ainda «enriquecem por acréscimo o património artístico da humanidade»; e os outros (os portugueses, os gregos, alguns espanhóis,...) serão os pintores da construção civil (em linguagem económica: o trabalho não qualificado) que, muito contentes, vão «ganhar o seu» a pintar as casas dos Picassos. Resta-lhes a consolação de, quando emigrantes, poderem visitar as obras-primas dos Picassos nos museus... Portugal pode ter ainda a esperança de se transformar numa enorme Casa de Repouso para a terceira idade pois, segundo a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (c), com o tempo é possível que «mais reformados do Norte optem pelos céus mais clementes do Mediterrâneo».

Esta é de facto a divisão eficaz para o grande capital, para os mercados financeiros! A divisão que torna o capital mais eficiente na produção de lucros...

Esta eficácia não terá contemplações com a actividade produtiva, com a cultura, com os trabalhadores e o povo de um país como Portugal.

 

Produtividade do trabalho e afastamento português (em %),
face a outros países da União Europeia, em 1993

Países Nível em dólares Índice (Alemanha=100) Afastamento
[(P-X) x 100] / X
Portugal 30946 39,4 -
Bélgica 54523 69,4 -43,24
Dinamarca 50447 64,2 -38,66
França 59012 75,1 -47,56
Alemanha (Ocidental) 78580 100 -60,62
Alemanha (Oriental) 24308 30,9 27,31
Grécia 31820 40,5 -2,75
Irlanda 86128 109,6 -64,07
Itália 44788 57 -30,91
Luxemburgo 63013 80,2 -50,89
Países Baixos 65132 82,9 -52,49
Espanha 38980 49,6 -20,61
Suécia 53371 67,9 -42,02
Grã-Bretanha 52081 66,3 -40,58
Áustria 58680 74,7 -47,26
Finlândia 50474 64,2 -38,69

Nota:
Este quadro, construído a partir do Relatório da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), refere-se à produtividade aparente do trabalho (valor acrescentado/número de assalariados) na indústria.

Se se integrasse a produtividade aparente do capital, as diferenças de produtividade global dos factores (capital e trabalho) seriam ainda maiores.

 


 

«Uma divisão do trabalho mais eficaz permite:
assegurar que cada um se especialize no domínio onde dispõe de vantagens comparativas mais significativas.

Imaginemos, por exemplo, que Picasso tinha um dia querido renovar a pintura da sua casa.

É evidente que o podia perfeitamente fazer, e que o teria certamente feito, talvez menos rapidamente, mas com mais bom gosto que um pintor da construção civil. Mas não é menos evidente que isto lhe tomaria muito tempo, e que ele tinha objectivamente muito mais que fazer. A divisão do trabalho é, então, em primeiro lugar, um elemento de eficácia.

libertar um rendimento suplementar que poderá ser repartido entre os parceiros da troca. Retomemos o exemplo de Picasso. Entregando a pintura dos seus muros a um pintor da construção civil, Picasso fica com tempo livre. Durante este tempo, ele pode pintar um certo número de obras-primas. Cada uma valendo vários milhões, ele aumenta muito mais a riqueza colectiva do que se ele próprio pintasse a sua casa. Não prejudicando ninguém, ele enriquece por acréscimo o património artístico da humanidade.

Com toda a lógica, não somente Picasso, mas a colectividade no seu conjunto, tem interesse em que ele contrate alguém para pintar a sua casa e que ele se concentre no que sabe fazer melhor.»

Argumentário Euro

 


 

«O principal problema é este: ver como um país dispondo de uma menos boa produtividade poderá manter a sua competitividade com a moeda única. As únicas variáveis de adaptação serão então o emprego e os salários».

Karl Otto Poehl, presidente do Bundesbank Conferência de Janeiro de 1997, na Companhia financeira Eduard Rothschild

«O Euro reforçará a concorrência entre os países e os mercados e suprimirá o instrumento das taxas de câmbio, que podiam servir até aqui de almofada. Mais precisamente: a competitividade das nossas economias não será ferida de novo se fizermos um esforço de flexibilidade sobre o mercado do trabalho.»

Hans Tietmeyer, presidente do Bundesbank — Humanité Dimanche, n.o 359, 30.1.97

«(...) Ao mesmo tempo, as exigências da convergência nominal permitem eliminar pelo caminho as empresas marginais mais obsoletas de tecnologias mais antigas e essa limpeza da destruição criadora facilita o processo espontâneo e fácil de convergência real.»

Vitor Constâncio — Cadernos de Economia — Abr./Jun. 1994

«Os defeitos que aponta na construção da moeda única de que modo nos vão atingir? Poderão ser potencialmente importantes para nós, porque a economia portuguesa tem uma estrutura produtiva diferente e certos choques económicos atingem-nos particularmente.»

Vitor Constâncio — Diário de Notícias — 9 de Abril de 1997

«DN — O uso do Euro causará choques nas empresas?

JFA — Portugal possui uma estrutura produtiva que, em grande parte, é concorrencial com países fora da Europa. São países num processo de liberalização acelerada do comércio externo, o que, sendo positivo a prazo, não deixa de ser um choque adicional, se entrarmos para uma zona de moeda forte como o Euro. Julgo que não temos condições para absorver estes choques.

João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Diário de Notícias/Negócios — 27 de Maio de 1996

«A nossa situação, inseridos numa zona de moeda forte, longe de ser incentivadora, será, pelo contrário extremamente difícil. É o que sucederá quando entrarmos na zona da moeda única, pois tudo leva a crer que, por pressão alemã, esta será a moeda mais forte a nível mundial. Isso significa que a nossa produção de bens transaccionáveis terá uma dificuldade extrema em competir com as produções dos países fora da moeda única, sejam eles Europeus, asiáticos, ou, até americanos, para não falar do norte de África.

E esta competição irá sendo cada vez mais intensa à medida que for progredindo o processo de liberalização das trocas internacionais acordado no âmbito do Uruguay Round.»

João Ferreira do Amaral, Professor Catedrático do ISEG — Boletim do Grupo BFE — Março de 1996

«É possível que o pior esteja ainda para vir, com a liberalização do comércio mundial em curso, intensificada pelos acordos comerciais externos de uma União Europeia que tem revelado pouca condescendência para com as nossas dificuldades. No passado, de uma forma ou de outra, o ajustamento acabaria por ser realizado por via cambial — uma desvalorização da taxa de câmbio que faria regressar a maior parte das empresas marginais acima da linha de água. Voltariam a respirar.

É isso que acaba. É aí que residirá o essencial dos sacrifícios. No maior número de empresas que poderão falir. Nas falências que poderão surgir mais depressa. No maior número de postos de trabalho que poderão ser perdidos..»

Daniel Bessa, ex-ministro da Economia — Público — 10 de Outubro de 1996

«Com a União Monetária desaparece a possibilidade de recorrer à valorização ou desvalorização da moeda nacional para corrigir assimetrias entre os diferentes países. Ora isto significa que quando surgirem problemas, outros sectores serão chamados para os resolver. Concretamente, a política salarial ou a financeira.»

Otmar Issing, Administrador do Bundesbank — Diário de Notícias — 29 de Janeiro de 1996

«(...) algumas reformas estruturais como as dos sectores sociais e da Segurança Social terão necessariamente que ser feitas, de outra forma não é possível cumprir o Pacto de Estabilidade.»

Abel Mateus, administrador do Banco de Portugal — Diário Económico — 17 de Abril de 1997

 


a) E não é por os trabalhadores portugueses trabalharem menos, até porque, por exemplo, para os 148 dólares de produtividade na França contribuem decisivamente os emigrantes portugueses...

b) Livro de receitas editado pela Comissão para nos convencer a todos da bondade da moeda única...

c) Relatório, sobre as consequências para a Europa de uma união económica e monetária, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 13 de Dezembro de 1996, onde foram relatores: M. Mikko Elo, Finlândia, Grupo Socialista; e M. John Townand, Reino Unido, Grupo Democrático Europeu.