Assinalando o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza
Declaração de Jerónimo de Sousa, Candidato à Presidência da República
Espaço Vitória, 17 de Outubro de 2005


Combater a Pobreza
Pelo Direito a ter Direitos

Ao decidir assinalar com a presente declaração o Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza quero afirmar com toda a convicção que a luta contra as desigualdades sociais e pela erradicação da pobreza e da exclusão social é um dos grandes objectivos que norteiam a minha candidatura e que se inscreve na perseverante intervenção e luta do PCP contra este grave flagelo que continua a alastrar na sociedade portuguesa.

Para a minha candidatura a denúncia das injustiças sociais não é um acto meramente simbólico para assinalar eventos, mas sim de firme oposição e combate.

Para a minha candidatura a pobreza e a exclusão social, tal como a riqueza excessiva têm causas imediatas mas também profundas, que é preciso combater e extirpar da nossa sociedade. Trata-se de um objectivo político que exige um combate quotidiano, uma luta árdua e sem tréguas para o qual é necessário canalizar o melhor do nosso saber e o máximo das nossas energias.

É neste quadro de pensamento e de acção que sublinhamos a importância do “combate à pobreza”, correctamente entendido no seu carácter integrado - político, económico e social - com uma definição de intenções e objectivos perfeitamente transparentes.

Queremos eliminar da prática política a actual injusta distribuição da riqueza nacional, o desvio de dinheiros públicos como forma de financiamento dos grandes negócios privados, as estratégias de inviabilização de eficazes sistemas públicos de saúde, de ensino, de segurança social, as privatizações que alienam serviços públicos essenciais para o bem-estar das populações. Queremos eliminar da prática política e da acção governativa, aquilo que origina, alimenta e faz alastrar as injustiças e desigualdades sociais e a pobreza em Portugal. Queremos acabar com a pobreza – o que é inverso de qualquer tentativa para transformar os deveres do Estado em simples prestações de caridade.

Portugal tem uma das mais elevadas taxas de pobreza da Europa. Os mais recentes dados do Eurostat confirmam que, no conjunto dos 25 países da União Europeia, o nosso país ocupa o 22º lugar quanto à taxa de pobreza, tendo como referência o ano de 2003. Uma dura realidade confirmada também pela observação dos dados estatísticos nacionais e que envolve cerca de 2 milhões de portugueses, homens e mulheres, crianças, jovens e idosos.

Pobreza que longe de estagnar se extende a novas camadas da população, sujeitas a um rápido e acentuado empobrecimento ou a fenómenos de exclusão social, em resultado, entre outros, do crescimento do desemprego de longa duração, da consecutiva marginalização das minorias étnicas, da desertificação do interior, da exploração desenfreada da mão-de-obra imigrante e da desvalorização dos rendimentos mais baixos do trabalho e das pensões.

A acrescentar a esta realidade refira-se que Portugal apresenta o mais cavado fosso de desigualdades sociais, como se pode verificar pela análise do critério dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres. É no nosso país que o fosso social entre estas duas realidades sociais é maior e em contínuo crescimento nos últimos anos, confirmando o papel da política de direita no agravamento das desigualdades e na promoção da concentração da riqueza.

Realidade confirmada de forma bem evidente também pela distribuição do rendimento nacional entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Em Portugal os 10% mais ricos dispõem de 29,8% do rendimento nacional, enquanto que os outros 10% dispõem de, apenas, 2% do rendimento nacional, ou seja os mais pobres.

Uma simples amostragem tendo como base os dados publicados relativos à fortuna pessoal das 10 famílias mais ricas, comparativamente àqueles que estão abrangidos pelo sistema público de segurança social mostra as profundas discrepâncias existentes.

A fortuna acumulada de Belmiro de Azevedo, Américo Amorim, José Manuel de Mello, Patrick Monteiro de Barros, João Pereira Coutinho, Joe Berardo e das famílias Violas, Queiroz Pereira, Moniz Galvão Espirito Santo e Alves Ribeiro, tal fortuna, avaliada em 7.552 milhões de euros, corresponde ao rendimento anual de cerca de 2 milhões de pensionistas e reformados do sistema público de segurança social.

Este é, sem dúvida, um dos exemplos que melhor esclarece a natureza do sistema que faz drenar para meia dúzia de pessoas o esforço quotidiano de milhões de trabalhadores. O grande patronato maximiza a concentração de capital pelos baixos salários e, também, por uma política fiscal que beneficia os grandes rendimentos, cuja tributação em Portugal (globalmente considerada) é inferior em cerca de 26% da média da União Europeia, de acordo com um recente estudo da OCDE.

Enquanto os salários, pensões e reformas garantem a sobrevivência de cerca de 76,4% da população portuguesa, a estes rendimentos do trabalho é apenas atribuído cerca de metade da riqueza produzida no País e o restante alimenta, directa ou indirectamente, os cofres do grande capital nacional e multinacional.

Assim se entende que as mulheres tenham as mais baixas reformas e as mais baixas pensões, ainda que sejam elas a fornecer um importante contigente de mão-de-obra nacional. Mais de um milhão de reformados recebem pensões que oscilam entre os 30 mil e os 40 mil escudos em moeda antiga.

Assim se entende também que haja ainda mais de 16 mil barracas e de 16 mil habitações degradadas que albergam 78 mil e quinhentos seres humanos e que cerca de um milhão de cidadãos vivam em casas onde não existem água canalizada ou electricidade, esgotos ou instalações sanitárias.

Em contrapartida, nunca os grandes grupos económicos privados cresceram tanto como actualmente. Só no 1º semestre de 2005, os 4 maiores bancos privados portugueses lucraram 727 milhões de euros. A concentração dos bancos portugueses ocupa já a 6ª posição entre os países da União Europeia. Os financeiros nacionais desinvestem em Portugal e “deslocalizaram” os seus capitais para o estrangeiro.

As 500 maiores empresas portuguesas não financeiras, registaram em 2004 uma subida nos lucros líquidos de 42,1%.

Às desigualdades na distribuição dos rendimentos para quem vive do seu trabalho ou da sua pensão soma-se a crescente fragilização de importantes instrumentos de redistribuição do rendimento nacional, abrindo cada vez mais lacunas no sistema público de segurança social, na degradação dos sistemas públicos que deviam garantir os direitos fundamentais, como direito à saúde e à educação.

A verdade nua e crua é que em Portugal as políticas económicas e sociais realizadas nos últimos 29 anos, por diversos governos têm uma natureza de classe bem definida não estando em condições de garantir qualquer êxito na concretização do magno objectivo, mil vezes anunciado, de promoção de uma mais justa distribuição do rendimento nacional, do direito de participação das mulheres em igualdade em todas as esferas da vida nacional, de garantir uma sociedade inclusiva dos cidadãos e cidadãs portadores de deficiência. Nem tão pouco estas políticas estão em condições de “romper com o ciclo de pobreza” que amarram milhares de cidadãos desprovidos de meios de subsistência, nem de combater as situações de risco que continuam a afectar crianças e jovens, e muito menos conter outros flagelos sociais associados à pobreza e à exclusão como a toxicodependência, o alcoolismo ou a prostituição.

Conforme assumi no lançamento da candidatura, onde afirmei ser uma candidatura de ruptura com as actuais políticas, tudo farei para que estas questões estejam presentes no debate das eleições presidenciais. A questão central que se coloca nesta matéria não é persistir em meras medidas de cosmética, mas sim promover uma real mudança de orientação política e garantir uma verdadeira intervenção política transformadora.

Rejeitamos as concepções que objectiva e subjectivamente alimentam ditos populares “sempre houve e haverá pobres” ou “são pobres porque não têm cabeça”.

É por isso que combateremos as concepções ideológicas que apresentam a pobreza e exclusão social como uma fatalidade e que alimentam a ideia de que o combate à pobreza depende apenas da capacidade individual dos que se encontram nesta situação ou que basta dar comer a quem tem fome.

Ao Estado e ao governo de cada momento do nosso empobrecedor rotativismo não cabe aliviar a consciência individual e colectiva dos cidadãos face a este flagelo social, apelando permanentemente à solidariedade de todos e de cada um perante estas situações, ao mesmo tempo que vão subvertendo o papel do Estado e as suas responsabilidades assumindo-se cada vez mais como “gestores” das situações extremas de pobreza que as suas políticas criam através de medidas de cariz assistencialista.

O governo do PS/ José Sócrates estabeleceu no seu programa “Uma nova fronteira do combate à pobreza e à exclusão social” assente em pressupostos e medidas, que designam ser os novos pilares de uma “terceira geração de políticas sociais”.

Mas, em abono da verdade, por detrás do léxico usado como “diferenciação positiva,”, “diferenciação das respostas”, respeito “pela equidade” na distribuição de recursos, “contratualização” das soluções assegurando que todos os intervenientes, cidadãos, famílias, instituições públicas e privadas sejam mobilizadas e assumam compromissos estão bem presentes uma concepção neoliberal e uma clara aposta de aprofundar as políticas de Governos anteriores, e do Governo do PSD/CDS-PP nestas áreas.

A aprovação recente de alterações ao rendimento de inserção social ( que contou com os contributos do projecto-lei do PCP) não pode iludir as gravosas intenções e medidas que estão em curso por parte deste Governo e que objectivamente agravam as causas e consequências da pobreza em Portugal.

Apenas, alguns exemplos:

As notícias que dão conta da privatização das creches e infantários sob tutela do Ministério da Segurança Social, prosseguindo a acção do governo anterior cria novos factores de desigualdade e de exclusão de acesso de crianças e idosos a estes equipamentos sociais. Porque o que é necessário é o alargamento de uma rede pública de apoio à criança e à família.

Do mesmo modo que ficaram na gaveta as promessas de medidas de reforço efectivo dos meios técnicos e humanos necessários às comissões de protecção de menores em risco anunciadas no passado dia 1 de Junho, Dia Mundial de Criança.

A redução das comparticipações nos medicamentos é uma medida profundamente lesiva do direito à saúde dos sectores da população que se encontram mais empobrecidos e em situação de pobreza.

Se fosse efectiva a intenção de abrir uma nova fronteira de combate á pobreza, o PS teria que assumir, desde já, em sede de Orçamento de Estado, para além das medidas políticas visando a concretização do central objectivo de promover o crescimento económico e o emprego, opções radicalmente opostas às que vem praticando, nomeadamente:

1.º Aumentar o salário mínimo nacional o qual foi degradado ao longo dos anos, degradação transversal a todos os governos, com especial destaque para os governos de Cavaco Silva.

O aumento salarial é um imperativo não só para reparar a já referida degradação como, igualmente, para evitar o risco de pobreza tendo em conta que, de acordo os dados do Eurostat “População e Condições Sociais 5/2005”, 12% dos trabalhadores portugueses (cerca de 600.000) correm tal risco, dada a magreza da sua remuneração;

2.º Aumentar o valor das pensões e, simultaneamente, recuar na sua intenção de proceder à alteração da fórmula de cálculo das pensões.

Portugal é um dos países que menos atenua o risco de pobreza por via das várias vertentes das funções sociais do Estado. Uma das mais importantes devia assentar na dignificação do valor das pensões e reformas sabendo-se como se sabe que, dos 2 milhões de pobres, a maior quota-parte desse universo resulta da existência de mais de 1 milhão de pensionistas e reformados com rendimentos mensais inferiores a 300 euros.

A propósito deste valor (300 euros) importa salientar que o mesmo correspondia ao limiar da pobreza mas reportado ao ano 2001.

O actual governo anunciou que no fim da actual legislatura esse valor devia corresponder à pensão mínima, ou seja, o Partido Socialista quer, no plano do discurso, atribuir, em 2009, aquilo que, na prática, devia estar em vigor em 2001.

3.º Aumentar o valor das prestações sociais tendo em conta a sua importância na redução das assimetrias sociais e na atenuação do risco de pobreza.

Dessas prestações assumem especial importância o subsídio de doença, o subsidio de desemprego, o rendimento de inserção social e o abono de família. Quanto a este último subsídio, abrangendo cerca de 1.700.000 crianças e jovens, o seu valor é meramente simbólico, cerca de 29 euros mensais, em termos médios.

Numa altura em que se fala da necessidade de aumentar o número de nascimentos tendo em atenção o rejuvenescimento da sociedade é perfeitamente ridículo atribuir valores inadequados àquilo que são os encargos com a infância e a juventude.

A modéstia de tais subsídios não se compadece com o facto de, segundo a Unicef, haver em Portugal cerca de 320.000 crianças pobres, universo que tem vindo a aumentar nos últimos dez anos, o que constitui a prova provada da insensibilidade social dos governos, quer eles sejam do PSD, quer sejam do PS.

4.º Desenvolver as estruturas de apoio à infância e aos idosos. O Estado não deve lavar as mãos quanto à sua responsabilidade nestas duas áreas.

O acompanhamento das crianças e os cuidados a ter com os idosos devem decorrer do cumprimento da Constituição e não, como quer o governo do PS, remeter tais funções para o “deve” e “haver” da iniciativa privada, entregando a esta, numa primeira fase, a gestão de cerca de 70 equipamentos, como se, na Administração Pública, não houvesse pessoas qualificadas para o fazer, ou seja: ataca-se a Administração Pública pelo seu excesso de pessoal, ao mesmo tempo que se lhe esvazia as funções remetendo-as para a iniciativa privada.

A Constituição da República assegura às crianças, entre outros, o direito à protecção da sociedade e do Estado e às pessoas idosas o direito à segurança económica e a condições de habitação.

É tempo de se cumprir e efectivar a Constituição da República. O governo do PS tem essa obrigação e esse dever, a não ser que em sintonia com a direita queira, como fez na parte económica, continuar a desfazer o que resta nos Direitos e Deveres Sociais expressos nos Artigos 63.º a 72.º da nossa Constituição.

Portugal não está condenado a ser uma sociedade assente em dois pólos antagónicos: Num pólo uma minoria que crescentemente acumula riqueza e noutro um crescente número de seres humanos depauperados.

A minha candidatura assume clara e frontalmente uma opção política de combate a este modelo de desenvolvimento e reafirmaremos que o respeito pela Constituição Portuguesa é parte integrante do combate à pobreza e à exclusão social.

Uma opção política que no combate à pobreza e à exclusão social reconhece o direito a ter direitos e que assume na luta pela erradicação da pobreza uma política de esquerda, na qual cabe uma forte intervenção do Estado e cujos eixos centrais devem estabelecer um vasto conjunto de medidas integradas, de curto, médio e longo prazo visando a prevenção, combate e erradicação da pobreza e claramente dirigidas à eliminação dos factores que geram e alimentam a pobreza e exclusão social.

Medidas que promovam uma mais justa repartição do rendimento nacional, a concretização do direito ao trabalho com direitos, a revalorização dos salários e das pensões, o fortalecimento e valorização do papel dos sistemas públicos de segurança social, do ensino e da saúde como factores decisivos no combate às injustiças sociais, à pobreza e na promoção da igualdade de direitos e de oportunidades.

Medidas que efectivamente valorizem também os instrumentos específicos de intervenção junto de grupos sociais de risco ou em situações de pobreza, dotando-os de meios financeiros e técnicos que permitam uma intervenção mais eficaz no diagnóstico precoce de situações de pobreza e adequadas soluções preventivas.

Neste quadro a criação de um “Fundo de Solidariedade” a partir do Orçamento de Estado que permita garantir recursos continuados e suplementares é uma necessidade para desenvolver estratégias de combate às situações de pobreza nas suas mais diversas especificidades, nomeadamente: crianças e jovens em risco, vitimas de tráfico e prostituição e visando a sua inserção social; idosos em situação de dependência; famílias com crianças portadoras de deficiência, entre outros.

Para a minha candidatura o combate à pobreza e á exclusão social, às suas causas e consequências é parte integrante de um movimento transformador que visa alargar a esperança e unir todos aqueles que pela sua condição da classe social, de sexo, raça, ou por serem portadores de deficiência- são explorados e excluídos do direito a ter direitos.