RESOLUÇÃO POLÍTICA 1. A SITUAÇÃO INTERNACIONAL 1.0. Introdução
O XVII Congresso do PCP realiza-se no contexto de uma violenta e generalizada ofensiva do imperialismo. Simultaneamente, estão em curso importantes processos de luta e de arrumação de forças. A instabilidade, a insegurança e a incerteza dominam as relações internacionais. Vivem-se tempos de grandes recuos e perigos de retrocesso histórico, mas também de forte resistência e potencialidades revolucionárias. Os últimos quatro anos confirmaram as análises e previsões fundamentais do XVI Congresso. As trágicas consequências da globalização capitalista estão à vista de todos. O mundo tornou-se mais injusto, menos democrático, mais inseguro e perigoso. Aí está o agravamento da exploração, o militarismo e a guerra, o ataque generalizado a direitos, liberdades e garantias fundamentais, a tentativa de criminalizar a resistência à opressão. Entretanto, afirma-se e diversifica-se a resistência e a luta das forças progressistas, dos trabalhadores e dos povos. Intensifica-se a luta da classe operária e dos trabalhadores. Os povos enfrentam com mais determinação as agressões imperialistas. O «movimento antiglobalização», contra o neoliberalismo e a guerra, apesar do seu carácter social e politicamente heterogéneo, é expressão objectiva do estreitamento da base social de apoio do capitalismo. Os tempos em que vivemos e lutamos são tempos muito difíceis, de resistência e acumulação de forças. Mas em que, como a experiência está a mostrar, são possíveis heróicas afirmações de resistência e soberania e inesperadas dinâmicas de progresso social. O imperialismo, nomeadamente a potência hegemónica, os EUA, não tem as mãos totalmente livres para realizar a sua política. É possível resistir, contrariar e finalmente derrotar o seu propósito de instaurar uma ditadura planetária do grande capital, uma nova ordem mundial totalitária, contra os trabalhadores e contra os povos. Pelo reforço dos partidos comunistas e revolucionários em cada país e o fortalecimento da sua cooperação internacionalista, pela construção de uma frente de luta anti-imperialista cada vez mais ampla, pela conjugação da acção das forças democráticas, progressistas e de libertação nacional, é possível travar com êxito a batalha contra a ideologia dominante, incutir nas massas uma maior confiança na sua luta e na possibilidade de vitória, alcançar profundas transformações progressistas e revolucionárias e, tendo em conta as lições da experiência, relançar o socialismo como a alternativa viável e necessária ao capitalismo.
1.1. O capitalismo e a sua crise A violenta ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo constitui o traço mais marcante e persistente da situação internacional nos últimos anos. Tal ofensiva, que conheceu após os atentados de 11 de Setembro de 2001, um novo e perigoso desenvolvimento, mergulha as suas raízes na própria natureza do capitalismo e constitui a resposta dos círculos mais reaccionários do grande capital à crise que o sistema capitalista atravessa. A prática confirmou no essencial a validade das análises e conclusões do XVI Congresso quanto aos principais traços, tendências e contradições da fase actual do desenvolvimento económico do capitalismo. Confirmou também os EUA como o principal factor de risco para a economia mundial, num quadro de grande incerteza, arrastando consigo, em graus diferenciados os outros pólos da «Tríade» (União Europeia e Japão) e o resto da economia mundial. O capitalismo continua a dispor de enormes recursos, de sofisticados meios de concertação e gestão das crises a nível mundial e regional e de possibilidades de aproveitamento e expansão de mercados. Mas a situação da economia mundial apresenta-se cada vez mais instável e continuam a ampliar-se as assimetrias e contradições do capitalismo. Aumenta a terciarização das economias capitalistas mais desenvolvidas e a sua progressiva desindustrialização, com a crescente deslocalização para a periferia capitalista das actividades de mão-de-obra intensiva. Aumentam as desigualdades de rendimento e a pobreza, deixando milhões de seres humanos longe da satisfação das suas necessidades básicas, empurrando-os para a emigração em condições desumanas. A crise económica de 2001-2003 é mais um episódio de uma crise de sobreprodução latente e de uma crise estrutural mais profunda do capitalismo. A «nova economia», ao contrário das expectativas dos seus apologistas, não foi um ponto de viragem para um novo ciclo de crescimento, sendo relevante que o esvaziar da bolha financeira se tenha verificado sobretudo nas empresas ligadas às novas tecnologias da informação e comunicação. Confirma-se o abrandamento das taxas de crescimento do produto mundial, ainda mais visíveis ao nível do produto por habitante, principalmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, verificando-se em 2001 a redução para metade do crescimento da economia mundial e, pela primeira vez, um decréscimo do comércio mundial. No plano económico e social a ofensiva imperialista fica marcada pela aceleração da resposta neoliberal do capitalismo à crise, assente nos objectivos traçados pelos chamados «Consenso de Washington» e «Estratégia de Lisboa»: maior liberalização da circulação de capitais e aplicação das mais-valias na esfera financeira e especulativa; crescente intensificação e exploração do trabalho; pressão para a redução da remuneração do trabalho e garantia de ganhos de produtividade para o grande capital. Uma ofensiva caracterizada: pelo ataque ao sector público e aos sistemas de segurança social em benefício dos grandes interesses privados; pelo aproveitamento da expansão a novos mercados, como é exemplo a restauração do capitalismo nos países do Leste da Europa e da ex-URSS ou o alargamento da UE; pela liberalização do comércio e do investimento a nível mundial, com o lançamento da ronda negocial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Doha, apesar das rivalidades inter-imperialistas e das contradições entre o centro e a periferia capitalista. Uma ofensiva que acelerou o processo de mercantilização de todas as esferas da vida social, do produto do trabalho ao trabalhador, passando pelo saber e até da própria vida. Avoluma-se a contradição entre os países capitalistas desenvolvidos - que concentram cada vez mais o consumo de bens, matérias-primas e energia (nomeadamente os EUA, responsáveis por 30% do consumo mundial de energia) - e outros países a braços com necessidades de energia para o seu desenvolvimento, nomeadamente a China, a Índia, os novos países industrializados do Sudeste Asiático e os países do Leste da Europa. Contradição em que se destacam os EUA, responsáveis por 40% da poluição mundial e 25% das emissões de CO2, expoente de um modelo de produção predador e delapidador do ambiente. Acentua-se ainda mais o grau de financeirização do capital e a hipertrofia da esfera financeira face à esfera produtiva. Os activos financeiros dos países mais desenvolvidos representam em cada país cerca de 300% do respectivo Produto Interno Bruto (PIB), e a capitalização bolsista ultrapassa o próprio PIB em países como os EUA e a Grã-Bretanha. As dificuldades de obtenção de taxas de lucro satisfatórias na esfera produtiva, que confirmam a lei sobre a baixa tendencial da taxa de lucro, contribuem para o predomínio e desenvolvimento do capital financeiro, com implicações directas negativas sobre o crescimento económico e o emprego. Os elevados volumes de fluxos financeiros, nomeadamente de curto prazo, assumem um papel crucial na crescente volatilidade e instabilidade dos mercados financeiros internacionais. Enquanto a concorrência entre o capital se agudiza a favor das grandes potências, os elevados graus de «financeirização» da economia e de interdependência mundial da chamada «globalização» potenciam a instabilidade do sistema e o surgimento de crises financeiras que, de 1975 a 1997 implicaram uma perda acumulada de cerca de 15% do produto mundial. Reforça-se o poder da oligarquia financeira sobre a economia em geral. Acumula-se o número de mega falências fraudulentas. Grandes escândalos financeiros de expressão mundial (Enron, Worldcom, Parmalat, entre outros) tiveram profundas repercussões sócio-económicas nos países afectados (desemprego, segurança social, etc.), mostrando os riscos do agravamento de dois traços do capitalismo actual: o predomínio da financeirização do capital e da especulação e o crescente peso das práticas criminosas na actividade económica. Aumentam os tráficos - de armas, de drogas e de pessoas - e o branqueamento de capitais deles decorrente. As práticas mafiosas e a corrupção que contaminam o poder capitalista tornam-se parte integrante «normal» do funcionamento do sistema. A economia paralela não pára de crescer. Continua a acentuar-se o processo de concentração e centralização do capital e o seu carácter cada vez mais «regional» e «transcontinental». Na medida em que se acelera a concorrência intercapitalista reforçam-se as tendências para a formação de monopólios e oligopólios em praticamente todos os sectores da actividade económica. As operações de fusão e aquisição de empresas representam hoje mais de 12% do produto mundial e tiveram um amplo aumento durante a década de 90. Reforça-se, por outro lado, a centralização do capital nacional («de bandeira»), nomeadamente nos EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Holanda. Aprofunda-se o papel subalterno do capital nacional das economias mais débeis e a tendência para a sua eliminação progressiva. Reforça-se, neste contexto, o peso das transnacionais, que controlam 2/3 do comércio mundial, representando hoje, as maiores, um peso económico superior a alguns Estados. Favorecer os grandes grupos económicos - abatendo fronteiras, instituindo a livre circulação de capitais, liquidando ou submetendo as produções nacionais, forçando a abertura dos mercados às suas actividades de rapina, pela guerra se necessário - tal é a missão fundamental dos Estados e das Organizações Internacionais do capitalismo. Os processos de cooperação e de crescente integração económica e política regional, decorrentes do desenvolvimento das forças produtivas e da divisão internacional do trabalho, são também uma consequência da crescente guerra económica entre blocos. Tais processos, favorecendo embora a concentração capitalista, desempenham um papel contraditório. Podem dificultar o avanço da hegemonia planetária das grandes potências, como no caso do Mercado Comum Sul Americano (Mercosul) frente aos EUA, ou facilitá-lo, como no caso da União Europeia, que surge como o exemplo mais avançado de criação de um bloco económico, político e militar imperialista. Por outro lado, multiplicam-se os espaços de concertação e regulação capitalista a nível mundial, baseados em organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a OMC ou em encontros «informais» como o «Grupo dos 8» (G8), ou o Fórum de Davos, ou mesmo o «Grupo de Bilderberg» e a «Trilateral». A incerteza continua a dominar as perspectivas da economia mundial. A prometida retoma não se confirmou em 2002. As previsões económicas indicam que pode estar em curso uma retoma, encetada no segundo semestre de 2003, liderada pelos EUA e nos países emergentes asiáticos. Mas estas previsões continuam a ser prudentes e a apresentar diversos factores de instabilidade decorrentes sobretudo dos fortes desequilíbrios estruturais da economia norte-americana, devido aos seus elevados défices público e da balança de transações correntes, que já ultrapassa os 5% do seu PIB. A desvalorização do dólar, e consequente valorização do Euro, que tem vindo a bater recordes históricos, cria fortes condicionalismos à retoma económica de vários países da Zona Euro. Importa acompanhar o crescimento e impacto da economia chinesa no plano mundial. O endividamento dos EUA, equivalente a um quarto do seu PIB, levanta o problema da sustentabilidade dos seus défices e do consumo privado e ameaça com um ajustamento abrupto dos fluxos financeiros de dimensão mundial. Os efeitos das políticas fiscais e monetárias expansionistas, assentes nas despesas militares e nas baixas taxas de juro, vão começar a dissipar-se, também no Japão, onde permanecem os efeitos deflacionistas após mais de uma década de profunda recessão. Persistem elevados níveis de desemprego e pobreza que, restringindo o acesso a bens essenciais, limitam o consumo privado. Por outro lado, o crescimento do endividamento das famílias está a atingir os seus limites. No mercado imobiliário, cujos preços têm vindo a subir a níveis demasiado elevados, subsistem riscos de um ajustamento abrupto com consequências de expressão mundial. Num contexto de oscilações, o forte aumento do preço de petróleo, devido às actividades especulativas, à invasão e ocupação do Iraque e ao aumento da procura mundial, contribuiu para esbater as pressões deflacionistas, mas condiciona a retoma económica e é um factor de risco adicional. Este aumento tem uma natureza estrutural, que decorre do aumento da procura mundial, mas deve-se também ao facto de estar a aproximar-se (ou ter-se já verificado) o pico da produção mundial deste recurso finito. Neste quadro, a gestão do controlo dos recursos petrolíferos e do gás natural é um problema grave que põe em causa o «modelo» energético das economias capitalistas e tende a tornar-se cada vez mais uma questão central de disputa das potências imperialistas, como foi evidente na agressão ao Iraque e ao Afeganistão ou na sua ingerência militar no Médio Oriente e no Cáucaso na mira do controlo do gás natural, do petróleo e do traçado dos principais oleodutos. Mas as dificuldades dos EUA em impor o seu controlo sobre o Iraque, associadas à instabilidade e imprevisibilidade geradas em toda essa região, tornaram-se noutro factor de peso para o agravamento do preço de petróleo e a volatilidade dos mercados financeiros. A restauração capitalista nos países do Leste da Europa e ex-URSS, na diversidade de situações e diferença de ritmos que a caracterizam, revela um quadro de subordinação aos interesses e estratégias do grande capital e de intensificação da exploração capitalista, indissociável do movimento de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e do alargamento da UE. Estes processos, se por um lado traduzem crescentes pretensões hegemónicas dos EUA e das grandes potências, por outro manifestam também a competição interimperialista. É particularmente significativa, neste contexto, a deslocação da máquina militar da NATO para junto das fronteiras russas (europeia e asiática), aumentando objectivamente a pressão - e ameaças sobre a Federação Russa - e convertendo os novos membros da aliança militar em «linhas da frente» de um novo mapa geopolítico do continente. Nos planos económico e social, depois da grande recessão provocada pelas derrotas do socialismo e a concomitante destruição dos aparelhos produtivos nacionais, os resultados desiguais de crescimento dos indicadores económicos verificados nos anos mais recentes na generalidade destes países atestam os elevadíssimos custos e as consequências da chamada «transição capitalista», com destaque para a explosão da pobreza e das desigualdades, a destruição dos sistemas de segurança social, de saúde e educativo, a emergência do desemprego e da emigração em massa, a aplicação de novos e mais regressivos códigos do trabalho, a acção criminosa na esfera económica (incluindo tráfico de pessoas em larga escala) que se tornam elementos estruturais do novo modelo económico, assente nas privatizações e na submissão ao capital estrangeiro. No plano político, num quadro de grande fluidez na arrumação das forças políticas, multiplicam-se os sinais de reforço de tendências securitárias e repressivas, a restrição de liberdades e garantias, a par da emergência de fenómenos de nacionalismo, xenofobia, apartheid social - como a discriminação extrema que afecta as comunidades eslavas, a quem são recusados os direitos cívicos na Letónia e Estónia. Em alguns países existem limitações constitucionais de carácter anticomunista e até a proibição legal da existência de partidos comunistas (como nos Estados bálticos), enquanto representantes do colaboracionismo nazifascista na II Guerra Mundial são publicamente reabilitados. O carácter explorador, injusto e desumano do capitalismo é patente não apenas na sua incapacidade de resolver os problemas da Humanidade, mas na tendência manifesta para o seu agravamento, sobretudo onde pode manifestar-se mais livremente. No plano da distribuição da riqueza aprofunda-se o fosso entre uma enorme massa de seres humanos e uma elite multimilionária. Ao mesmo tempo que: 1100 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia; o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza aumentou na maioria dos países em desenvolvimento; milhões de trabalhadores são empurrados para o desemprego (só na OCDE os números reais situam-se acima dos 50 milhões) - a riqueza combinada entre os 50 maiores milionários do mundo equivale à soma do PIB de todos os países da África Sub Saariana onde sobrevivem 688,4 milhões de pessoas. Nas mais diversas áreas sociais são extremamente dramáticas as consequências da polarização da riqueza, registando-se claras situações de regressão civilizacional. No campo alimentar, é a própria Organização das Nações Unidas (ONU) que reconhece já o bloqueio da política de redução da fome no mundo com a inversão da tendência registada no início dos anos 90, apontando agora o impressionante número de 36 milhões de mortos por ano, ou seja, quase 70 seres humanos que sucumbem em média por minuto à falta de alimentos. Na área da saúde, ao mesmo tempo que se conhecem autênticos crimes ligados ao negócio de medicamentos e patentes, reaparecem doenças praticamente erradicadas num passado recente (como o caso da tuberculose), e mais de 30 mil crianças morrem por dia devido a causas evitáveis, sobretudo nos países em desenvolvimento. Em várias zonas do globo a esperança média de vida decresceu, destacando-se a África Sub Saariana e os territórios da ex-URSS. O alastramento do vírus do SIDA infecta em todo o mundo mais de 60 milhões de pessoas, das quais 95% nos países em desenvolvimento. A corrupção e o crime organizado, características intrínsecas do sistema capitalista, constituem factores acrescidos de exclusão e degradação humanas. Realidades particularmente chocantes são as das crianças usadas nos negócios criminosos da exploração sexual e trabalho infantil. Mais de 10% das crianças de todo o mundo entre os 10 e os 14 anos são exploradas no trabalho infantil e cerca de 2 milhões de crianças são exploradas e violentadas na «indústria do sexo» a cada ano que passa. A guerra, a desigualdade económica e o subdesenvolvimento do Terceiro Mundo estão inexoravelmente ligados à sistemática degradação do planeta e das condições de vida dos povos do mundo. As questões de natureza ambiental tornaram-se muito agudas. Fenómenos como a destruição da camada de ozono e as alterações climáticas, a perda da biodiversidade e a extinção das espécies, a desflorestação tropical e a destruição das zonas húmidas, a erosão e desertificação dos solos e a poluição dos mares e estuários que, representando uma séria degradação das bases ecológicas da existência humana e das condições de vida na Terra, são inseparáveis de causas sociais e históricas enraizadas nas relações de produção capitalistas da dinâmica de crescimento ditadas pelas transnacionais e pela lógica do lucro rápido que as caracteriza. Aspecto particularmente grave consiste na mercantilização e tentativa de submissão à propriedade privada de factores básicos e essenciais para a existência da Humanidade, com implicações ainda mais ameaçadoras ao nível da dominação de povos e Estados pelo poder de grupos económicos transnacionais. Tal é o caso da água e produção de alimentos, do patenteamento de códigos genéticos e programas informáticos (software), ou da produção em larga escala ou sem a necessária avaliação dos riscos, de organismos geneticamente modificados (OGM) - sem esquecer os crimes ligados com o negócio dos medicamentos, questão que está a adquirir uma dimensão política internacional muito séria. A utilização pelo capitalismo das conquistas da ciência e da técnica cerceia o seu potencial libertador, constitui factor acrescido de exploração, opressão e guerra, é portadora de uma lógica de desperdício e destruição que ameaça a própria vida humana. O peso crescente do capital financeiro especulativo e da «economia criminosa» que lhe está associada em relação ao capital produtivo, assim como o papel do complexo militar-industrial no funcionamento do capitalismo e com ele a corrida aos armamentos, a guerra permanente e a chantagem nuclear, atestam bem a irracionalidade e perigosidade do sistema. Tudo isto põe em evidência a contradição fundamental do capitalismo, ou seja, a contradição entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção e a exigência histórica de fazer corresponder ao impetuoso desenvolvimento das forças produtivas novas relações de produção, de carácter socialista, capazes de libertar todo o potencial emancipador das extraordinárias aquisições do trabalho e do pensamento humano, colocá-las ao serviço da Humanidade e afastar definitivamente o espectro da miséria, da guerra e da própria destruição do planeta. A abordagem marxista-leninista da questão do poder é de decisiva importância na análise do capitalismo contemporâneo. O carácter essencialmente coercivo e a natureza de classe do Estado, os seus prolongamentos multi e transnacionais, a subordinação (e crescente fusão) do poder político ao poder económico, o papel cada vez maior do Estado e das estruturas supranacionais do capitalismo no sistema de reprodução do capital e no processo de centralização e concentração do capital e da riqueza, são questões que necessitam estudo atento já que, a conquista do poder e a sua transformação classista permanecem como questões centrais da luta emancipadora. Ao contrário do que apregoam os ideólogos do neoliberalismo, o poder não se dispersa, concentra-se; o Estado não se dilui na chamada «sociedade civil», reforça-se nas suas vertentes de classe imperialista; os «espaços» de liberdade e participação não se alargam, restringem-se, crescentemente golpeados por medidas securitárias e crescentes ataques a direitos, liberdades e garantias fundamentais; a soberania nacional recua diante das exigências do poder das multinacionais, transformando governos dos países periféricos em simples instrumentos da «boa governação» imperialista. São cada vez maiores os ataques à democracia mesmo na sua dimensão política formal. É evidente a crise do sistema de representação liberal-burguês, subjugado pelo poder económico e descredibilizado pelo sistema de alternância entre a direita e a social-democracia. Direitos e conquistas históricas estão a ser sistematicamente postos em causa. O revisionismo histórico, encorajado pelas derrotas da construção do socialismo, branqueia os mais monstruosos crimes do capitalismo, deforma e denigre a Revolução de Outubro e o empreendimento de uma nova sociedade a que deu lugar, insiste na tentativa de criminalizar o comunismo e os comunistas. Os meios de comunicação social de massas e outros instrumentos ao serviço da manipulação ideológica da grande burguesia promovem os valores mais reaccionários e banalizam a violência e as facetas mais perversas do capitalismo: desde a miséria extrema à utilização de armas nucleares, desde a violação da soberania dos povos à tortura, desde as detenções arbitrárias e ilegais ao recurso permanente à guerra, desde o «choque de civilizações» à acção de subversão e ingerência da CIA e outros serviços secretos; um retrocesso no plano cultural que promove o obscurantismo, a ignorância, ideias anticientíficas e místicas, o egoísmo e a intolerância racial e cultural, a degradação de valores e do ser humano. Cresce a ameaça do populismo, do racismo e da extrema-direita. Como bem mostra o comportamento de governos como o dos EUA ou de Israel, e a montanha de ilegalidades, crimes e práticas terroristas contra povos como o palestiniano e o iraquiano, estão em acelerado processo de desenvolvimento tendências autoritárias, repressivas e fascizantes. A tentativa de instaurar uma nova ordem totalitária, hegemonizada pelos EUA, contra os trabalhadores e contra os povos, encerra os maiores perigos para toda a humanidade.
1.2. A ofensiva do imperialismo A ofensiva global do imperialismo, e em particular do imperialismo norte-americano, pela hegemonia mundial foi repetidamente prevista e fundamentada pelo PCP nos seus Congressos realizados após 1991. Esta ofensiva tem a sua causa próxima na alteração radical da correlação de forças no plano internacional, resultante da desagregação da URSS e das derrotas do socialismo no Leste da Europa e do enfraquecimento das forças do progresso social no plano mundial. A nível mais profundo, a ofensiva global do imperialismo é resultado da própria dinâmica do sistema capitalista, cuja natureza exploradora e agressiva não se alterou nas suas características fundamentais. Uma ofensiva que é determinada pelas exigências de reprodução do capital e a corrida ao máximo lucro; pela necessidade de intensificar a exploração dos trabalhadores, tanto nos países periféricos como nos centros do poder imperialista, a fim de satisfazer as exigências da acumulação capitalista e enfrentar a baixa tendencial da taxa de lucro, reduzindo o preço da força de trabalho e enfraquecendo a capacidade reivindicativa de quem trabalha; pela necessidade de alargar o seu domínio a novos mercados, abolindo as restrições à circulação do capital financeiro e à pilhagem por parte das empresas transnacionais; pela necessidade de dominar novas fontes de matérias-primas baratas, com destaque para as energéticas, cujo controlo é decisivo para impor a sua hegemonia; pela vontade de esmagar formas autónomas de produção, comercialização e consumo, não integradas nos circuitos controlados pelas grandes empresas dos centros do imperialismo, quer sejam de natureza familiar, pública ou mesmo capitalista. É neste contexto que se assiste a violentas ofensivas para liquidar avanços históricos e direitos dos trabalhadores, à regressão social e ao agravamento das injustiças e desigualdades, à privatização de serviços sociais e do sector público empresarial, transferindo para o domínio do capital privado sectores e funções cruciais para um desenvolvimento social mais justo (saúde, educação e cultura, segurança social, transportes e comunicações, habitação, água e electricidade). O esvaziamento das funções sociais do Estado que foram conquistadas pela luta do movimento operário (sobretudo na correlação de forças favorável após a II Guerra Mundial), é um traço relevante da actual situação internacional. O capitalismo sente-se mais livre para funcionar sem condicionamentos nem concessões, e procura privilegiar e sofisticar as tradicionais funções repressivas do Estado enquanto instrumento de dominação de classe. Além do desemprego e da precariedade das relações laborais que invadem o mundo do trabalho, o imperialismo fomenta uma cultura de insegurança e medo como factor de desmobilização da luta e manutenção do seu poder. São expressões particularmente graves desta ofensiva do imperialismo: o militarismo e o recurso à guerra e o afrontamento sistemático do Direito Internacional; a inquietante generalização de ataques a direitos, liberdades e garantias com a criminalização e mesmo a tentativa de identificação com o terrorismo da resistência à opressão; com o reforço em quase todos os países de legislação e de mecanismos repressivos (Patriot Act nos EUA), as detenções arbitrárias e sem qualquer respeito pelas Convenções internacionais, e o sistemático recurso à tortura; a utilização implacável de estruturas supranacionais como o FMI, BM, BCE, OMC, OCDE, para a imposição de políticas favoráveis ao grande capital; o regresso de formas clássicas de dominação colonial, através dos «protectorados» (Bósnia, Kosovo), ou da ocupação militar directa (Afeganistão, Iraque); a tentativa de subverter e destruir a ONU e o seu sistema de agências internacionais, cuja função original de garante da paz e de promotor do desenvolvimento se pretende substituir por um papel de «legitimador» e de «almofada» das agressões imperialistas; o reforço da NATO e de outras alianças militares agressivas (como o Tratado nipo-norte-americano), com a adopção de novos conceitos estratégicos abertamente ofensivos e «preventivos», ao mesmo tempo que se desenvolvem processos de remilitarização da Alemanha e do Japão e de militarização da UE e se intensifica o intervencionismo militar para controlar e influenciar países soberanos (R. D. Congo, Costa do Marfim, Sudão, etc.). O que está em curso é uma resposta de força imperialista às dramáticas e explosivas contradições do mundo contemporâneo. E com ela a tentativa de desmantelar a ordem jurídica e institucional, fundamentalmente pacífica e democrática, resultante da derrota do nazifascismo e a sua substituição por uma nova ordem mundial totalitária contra os trabalhadores e contra os povos, hegemonizada pelos EUA, ao serviço do grande capital e do imperialismo. Uma tal tentativa tem exacerbado e agravado todas as contradições, injustiças e desigualdades, incluindo no próprio campo do imperialismo. Concertação e rivalidade interimperialista são duas facetas inseparáveis da dinâmica do sistema capitalista, às quais é necessário prestar grande atenção, analisando em cada momento o que predomina e o quadro concreto de arrumação de forças. Do petróleo aos sistemas de comunicação, da produção e comércio de armamento ao sistema de espionagem Echelon, são inúmeros os agudos conflitos de interesse. Prossegue a disputa pelo controlo económico, político e militar de vastas regiões como o Leste da Europa, o Médio Oriente, a Ásia Central, a África e muitas outras. A tendência conjuntural é para o compromisso em nome dos interesses de classe mais gerais do grande capital e para o sistemático recuo das outras grandes potências da «Tríade» diante das pretensões hegemónicas dos EUA. É o que se tem verificado nomeadamente no quadro da NATO, nas vergonhosas posições da UE em relação a Cuba ou à Palestina, e o que expressa a inquietante resolução 1546 do Conselho de Segurança da ONU sobre o Iraque. Entretanto, tal como o desencadeamento pelos EUA da guerra do Iraque e o processo de militarização da UE revelam, tais arranjos de interesses coexistem com a luta por esferas de influência e domínio, que a arrogância do imperialismo norte-americano tende a agudizar. Os quatro anos decorridos desde o XVI Congresso ficaram marcados pelo reforço das rivalidades entre os vários pólos do imperialismo. Estas rivalidades, assentam em bases objectivas, ligadas ao grau diverso de poder económico, político e militar dos vários pólos e à sua evolução a ritmos desiguais. Uma evolução que quebra anteriores equilíbrios e cria novas correlações de força, cuja resolução levou no passado, por mais de uma vez, a grandes enfrentamentos militares. O grande capital norte-americano, confrontado com um gradual enfraquecimento económico relativo, no decurso das últimas décadas, e um crescimento dos pólos europeu e asiáticos, aproveitou a alteração da correlação de forças para passar à ofensiva no plano mundial e procurar reforçar a sua posição hegemónica no seio do capitalismo mundial através dos meios nos quais dispõe ainda de uma clara superioridade qualitativa: o controlo dos mercados financeiros, o papel da sua moeda, a informação, a produção e propaganda ideológicas, mas sobretudo o poderio militar. Respondendo a interesses das classes dominantes e situando-se claramente numa linha de continuidade do governo Clinton e outros, esta estratégia conheceu um salto qualitativo com o reforço no poder dos sectores mais reaccionários do grande capital, ligados de forma particular às indústrias militar e petrolífera, de que o governo Bush é um fiel representante e com as quais está particularmente comprometido. A pretexto dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 (cujos contornos não estão ainda completamente apurados) o imperialismo norte-americano conduz uma ofensiva onde são de destacar: duas guerras de agressão de grandes proporções (Afeganistão e Iraque), ou intervenções militares de menor envergadura (Haiti); um salto qualitativo no processo de subversão da ordem internacional, da Carta da ONU e do Direito Internacional, com a revogação formal de Tratados e Acordos existentes (Tratado ABM), a recusa em assinar Acordos como o das Armas Biológicas ou o Protocolo Ambiental de Quioto; admissão da utilização de armas nucleares e o financiamento de programas para o seu desenvolvimento; a militarização do espaço com o programa da «guerra das estrelas»; o estabelecimento de novas bases militares dos EUA, e da NATO, nomeadamente em território dos antigos países socialistas, sendo de realçar o prosseguimento de um cerco à Rússia e à China, encaradas como potenciais rivais; o aumento significativo das despesas militares, que rondam actualmente os 450 mil milhões de dólares no Orçamento dos EUA, cerca de metade dos gastos militares do planeta; a insistência na criação de novos mecanismos agressivos, tais como o Plano Colômbia ou a força militar de intervenção rápida propostos na recente Cimeira dos G8; recurso às mais violentas formas de terrorismo de Estado, como os terríveis crimes do governo israelita contra o povo palestiniano, e bombardeamentos de populações e instalações civis, frequentemente com recurso a armas não convencionais; a violação sistemática de acordos e garantias visando a protecção de cidadãos, tais como o princípio do habeas corpus ou a Convenção de Genebra sobre o Tratamento de Prisioneiros de Guerra; o recurso sistemático às mais descaradas mentiras e falsificações como forma de procurar legitimar a política de agressão e os crimes perpetrados; a agressão e a guerra como meio de gerar em curto prazo fabulosos lucros para o grande capital, quer pelo controlo de recursos e empresas dos países agredidos, quer pelas encomendas de armas e equipamento militar, quer através dos negócios de «reconstrução» das destruições provocadas pela guerra. Três anos passados sobre o 11 de Setembro tornou-se uma evidência que a chamada guerra ao terrorismo constitui, no essencial, cobertura política e ideológica para os objectivos estratégicos de domínio mundial do imperialismo. O terrorismo, historicamente contrário aos interesses dos trabalhadores e dos povos, é um problema real que precisa de ser firmemente combatido. Mas a «guerra ao terrorismo» conduzida pelos EUA e seus aliados, com métodos de autêntico terrorismo de Estado, em lugar de o reduzir e isolar, alimenta-o e amplia-o. O combate ao terrorismo faz-se fundamentalmente lutando contra as suas raízes sócio-económicas e ideológicas - exploração, miséria, aprofundamento das injustiças e desigualdades sociais, pilhagem e opressão nacional, perseguição cultural e religiosa - e não com o afrontamento do Direito Internacional, o ataque sistemático a direitos, liberdades e garantias, o racismo e a guerra que a seu pretexto promovem. A ofensiva do imperialismo norte-americano entrou numa fase de grandes dificuldades durante a primeira metade de 2004 devido, em primeiro lugar, à resistência do povo iraquiano à invasão do seu país pelos EUA e seus aliados. A ocupação militar directa saldou-se por um estrondoso fracasso político e uma forte resistência armada. A consciência, no seio dos centros do imperialismo, dos perigos de uma clara derrota da aventura iraquiana dos EUA para a sua estratégia de dominação planetária está a conduzir a rearrumações de forças no campo do imperialismo e à procura de estratégias de recuo que preservem o fundamental do sistema de dominação imperialista, quer no Iraque quer no plano mais geral. Trata-se de um processo que se encontra em desenvolvimento, passível de surpresas e sobressaltos, tendo em conta a importância das questões em jogo e a natureza objectiva das contradições: a relação de forças entre os vários centros do imperialismo e entre as respectivas moedas, o controlo dos limitados recursos energéticos fósseis (em particular do petróleo) do planeta, a distribuição das concessões necessárias para sair da crise e para a solução dos enormes problemas económicos dos EUA e do capitalismo mundial, a repartição dos recursos e mercados. O novo mandato de Bush à frente do governo dos EUA confirma e reforça a opção de sectores importantes do grande capital norte-americano pela estratégia de confrontação e agressão a nível mundial. Essa opção encerra os maiores perigos para a Humanidade. É tarefa das forças progressistas e revolucionárias lutar para impedir que as dificuldades da ofensiva imperialista a nível mundial se saldem quer por uma escalada aventureirista de desfechos trágicos, quer por acordos e soluções que salvem a essência da política de dominação, exploração e guerra do imperialismo. Pelo contrário, é necessário incrementar a resistência generalizada dos trabalhadores e dos povos às políticas que conduziram o mundo a uma crise de grandes proporções, a fim de criar as condições para transformações revolucionárias que possam erradicar a causa de fundo dessa crise: o capitalismo. Neste contexto, e independentemente das contradições que prosseguem com os outros pólos da «Tríade», são de combater as ilusões de que uma União Europeia sob o comando do grande capital possa representar uma alternativa ao imperialismo norte-americano e devem ser combatidas as actuais tendências para o reforço do militarismo e do federalismo no seio da União Europeia. A derrota do imperialismo será obra da luta dos trabalhadores e dos povos, e resultará da nova correlação de forças mundial que essa luta venha a criar.
1.3. A resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos A ofensiva do imperialismo é global e particularmente violenta. Procura arrebatar conquistas alcançadas por muitas décadas de duras lutas, destruir até aos alicerces as realizações do socialismo e perverter a sua memória, semear entre as massas o derrotismo, o conformismo e a desesperança. Tudo isto cria sérios problemas e dificuldades à acção dos comunistas e outras forças progressistas e revolucionárias. Mas os povos não se submetem. O imperialismo encontra crescente resistência. Por toda a parte prossegue a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos. A resistência do povo iraquiano à guerra de ocupação do Iraque reveste-se de uma grande importância e significado político, mostrando que, mesmo na ausência de uma força nacional aglutinadora e de uma clara perspectiva revolucionária (que fizeram a força da resistência, por exemplo no Vietname), é possível enfrentar os exércitos mais poderosos, confirmando que a defesa da soberania e da independência nacional permanece um factor da mais alta importância na luta pelo progresso social. A luta contra o imperialismo, e em primeiro lugar contra o imperialismo norte-americano e a sua política de agressão e de guerra, é de crucial importância. É necessário prestar-lhe ainda mais atenção e intensificar por todas as formas possíveis a solidariedade anti-imperialista para com os povos vítimas da ingerência e agressão dos EUA e de outras grandes potências. No Iraque, na Palestina, em Cuba e na Venezuela, assim como na Colômbia, nos Balcãs, no Afeganistão, na R. D. P. da Coreia, em Chipre e noutros países travam-se batalhas de primeira linha cujo resultado terá grandes repercussões e consequências para o futuro da humanidade. As grandes mobilizações mundiais pela paz e contra a guerra no Iraque revestem-se por isso de uma excepcional importância, sendo necessário promover a sua continuação, organização e carácter anti-imperialista. É de sublinhar também o significado da crescente resistência às ruinosas políticas do FMI, BM ou OMC e ao domínio avassalador das transnacionais. A ampla luta popular contra a privatização de serviços e empresas públicas, nomeadamente na Europa e América Latina onde, como na Bolívia, assumiu formas insurreccionais; a luta contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), projecto recolonizador da América Latina pelos EUA; a emergência na Cimeira de Cancun do «Grupo dos 20» integrado por importantes países que resistem às imposições económicas do imperialismo - são acontecimentos relevantes que importa valorizar. A contradição antagónica entre o capital e o trabalho continua no centro da luta de classes e pela superação revolucionária do capitalismo. Tanto no centro como na periferia do mundo capitalista tiveram lugar importantes lutas da classe operária e dos trabalhadores assalariados, e o movimento sindical onde continua a luta em defesa do seu carácter de classe, confirmou-se como o mais estável, massivo e influente movimento social. O ascenso da luta de massas, embora irregular, foi o traço mais significativo da luta dos trabalhadores desde o último Congresso. O movimento grevista, incluindo greves gerais e nacionais de grande impacto político, teve forte expressão em numerosos países de todos os continentes, envolvendo a classe operária e restantes trabalhadores de grandes empresas públicas ou privadas e de sectores e ramos de actividade muito diversos. Grandes jornadas de luta, manifestações, mobilizando em diversos países da América Latina, da Europa e da Ásia centenas de milhar e mesmo milhões de manifestantes, associaram frequentemente reivindicações económicas a reclamações directamente políticas, de carácter democrático e progressista. A resistência à ofensiva exploradora do capital e destruidora de direitos e conquistas históricas dos trabalhadores, de que é exemplo a luta contra as privatizações, em defesa dos postos de trabalho e contra o desemprego, em defesa dos serviços públicos, do direito à educação, da segurança social, das reformas e pensões, contra a precariedade e a desregulação das relações laborais, pela valorização dos salários e a redução do horário de trabalho, a luta pelos direitos das mulheres, dos jovens trabalhadores e dos estudantes, contra a exploração do trabalho infantil e em defesa do meio ambiente, contribuiu para limitar o alcance dos objectivos do grande capital. A problemática da imigração tornou-se em muitos países (Portugal incluído) uma questão incontornável, não apenas de carácter sócio-económico, mas de classe e de internacionalismo. É necessário intensificar a luta para que os trabalhadores imigrantes usufruam os mesmos direitos e regalias dos outros trabalhadores. A construção da unidade internacional dos trabalhadores e da aliança da classe operária dos países capitalistas desenvolvidos com os povos oprimidos dos países do «Terceiro Mundo» passa também por aqui. Defender o movimento sindical da violenta ofensiva do capital, aumentar a sindicalização, libertar os sindicatos da influência reformista e de colaboração de classes que o domina em muitos países, nomeadamente na Europa, é da maior importância para o avanço da resistência e da luta contra a ofensiva do grande capital e do imperialismo. À centralização e concentração do capital e ao domínio das relações económicas internacionais por um punhado de transnacionais corresponde a acelerada proletarização das camadas sociais intermédias e o alargamento do campo das forças antimonopolistas. Esta realidade coloca a necessidade do reforço do internacionalismo e da unidade da classe operária e dos trabalhadores em todo o mundo. As lutas das massas camponesas, proletariado agrícola e produtores independentes, pela terra, pela soberania alimentar e o direito de produzir, contra as imposições da OMC e das multinacionais da indústria e comércio agro-alimentar, por preços compensadores à produção, envolvem centenas de milhões de pessoas por todo o mundo e que, em muitos casos, como na Índia ou no Brasil, estão fortemente organizadas em experientes movimentos de classe. Lutas que, contra a demagogia assistencialista, colocam por toda a parte a exigência da Reforma Agrária, de profundas transformações da estrutura e da propriedade da terra e do comércio agro-alimentar, assim como os direitos das comunidades indígenas e a defesa do meio ambiente contra as brutais agressões das transnacionais. A luta das massas camponesas continuou no primeiro plano em numerosos países apesar da sua quase nula visibilidade mediática salvo quando, como no Equador, no Peru ou na Bolívia, explodiu em poderosos movimentos de massas de carácter insurreccional com grande expressão no plano político, ou como em Bombaim, onde os sindicatos e organizações camponesas contribuíram decisivamente para o carácter popular combativo do 3.º Fórum Social Mundial. Devem também ser valorizadas: as lutas da pequena e mesmo média burguesia urbana, nomeadamente dos micro, pequenos e médios empresários; as lutas dos intelectuais e quadros técnicos, uma camada cada vez mais proletarizada e numerosa; as lutas das mulheres, cujos movimentos pela promoção dos seus direitos e pela efectiva igualdade nos planos económico, político, social e cultural têm uma importância cada vez maior na sociedade; as lutas dos jovens e estudantes, cujo peso social aumenta em muitos países, com grandes lutas pelo emprego, pela escola pública e a democratização do ensino, por um futuro melhor, sendo justo valorizar a acção da Federação Mundial da Juventude e dos Estudantes (FMJD) e o movimento dos festivais mundiais da juventude e dos estudantes, com o seu carácter de massas e conteúdo anti-imperialista. Com o brusco agravamento da política agressiva do imperialismo norte-americano o movimento pela paz conheceu grande desenvolvimento, aglutinando em grandes acções de massas de dimensão mundial um amplo leque de organizações unitárias, movimentos sociais e forças políticas. Perante o anúncio do ataque ao Iraque, dezenas de milhões de pessoas saíram à rua para tentar impedir a agressão e protestar contra a sua concretização, apontando o governo norte-americano como o principal inimigo da paz. As poderosas mobilizações de 15 de Fevereiro e 20 de Março de 2003 contra a guerra no Iraque, realizadas simultaneamente em numerosos países, constituem um facto novo de grande relevo na luta dos trabalhadores e dos povos, contra o imperialismo e contra a guerra. Embora com graus e aspectos diferenciados, deve ser valorizado na resistência à nova ordem imperialista, o papel dos países que definem como orientação e objectivo a construção de uma sociedade socialista - Cuba, China, Vietname, Laos, R. D. P. da Coreia. Para além de apresentarem profundas diferenças entre si, estes países constituem importantes realidades da vida internacional, cujas experiências é necessário acompanhar, conhecer e avaliar, independentemente das diferenças que existem em relação à nossa concepção programática de sociedade socialista a que aspiramos para Portugal, e de inquietações e discordâncias, por vezes profundas e de princípio, que nos suscitam. Não é por acaso que, combinando pressões de ordem política, económica e militar, que vão do bloqueio económico à ameaça de agressão armada, o imperialismo tem estes países como alvo permanente das suas campanhas de desestabilização e agressão. Isto acontece tanto para tentar destruir a força do exemplo revolucionário e patriótico, como no caso de Cuba e da sua revolução socialista, vítima de um bloqueio criminoso e ilegal, como para conter e se possível subverter a poderosa realidade geostratégica que a China representa. É do interesse das forças do progresso social e da paz que fracassem tais objectivos do imperialismo e que os povos destes países, como todos os povos do mundo, possam decidir sem pressões e ingerências externas a sua própria via de desenvolvimento. O alargamento da frente social de luta contra o capital e o agravamento dos problemas das massas populares conduziram nos últimos tempos a uma explosão de reivindicações, causas específicas e movimentos do mais variado tipo. Valorizando o que de positivo esta realidade contém como vontade de participação cívica e intervenção democrática, é necessário contrariar a atomização e dispersão do movimento social e pressões para a sua despolitização e recuperação reformista. A luta pela convergência de todas as classes e camadas antimonopolistas numa vasta frente de luta anticapitalista e anti-imperialista é uma tarefa fundamental no momento actual. A erupção do chamado «movimento antiglobalização» (nas suas diferentes expressões, desde acções de massas de contestação da política das organizações internacionais do imperialismo, aos Fóruns Sociais Mundiais ou Regionais) constitui uma nova e importante realidade da vida internacional. Representa a entrada na luta de camadas sociais duramente atingidas nos seus interesses e aspirações pelo rolo compressor do neoliberalismo. Significa uma brecha profunda aberta na teoria do «pensamento único» que prega o conformismo e a impotência. Expressa o estreitamento da base social de apoio do capitalismo na sua forma actual e tem uma forte componente anticapitalista e anti-imperialista que importa acentuar. Em torno do conteúdo e significado do «movimento antiglobalização» trava-se uma intensa luta política e ideológica. Entre aqueles que o situam no terreno concreto da luta de classes e do combate anti-imperialista, e os que dele fazem uma abstracção em conformidade com as suas teorizações especulativas. Entre os que procuram salvaguardar e acentuar o seu carácter anticapitalista e os que, pretendendo apenas «humanizar» a globalização capitalista, se empenham na sua recuperação e institucionalização reformista. Entre os que defendem a necessidade do partido revolucionário e do sindicalismo de classe e aqueles que a negam e combatem, reduzindo a acção transformadora a um movimentismo anarquizante inconsequente. Entre os que consideram incontornável e determinante o marco nacional de luta necessariamente articulado com a solidariedade internacionalista, e os que o consideram ultrapassado e defendem um «novo internacionalismo» sem raiz de classe e conteúdo anticapitalista. Entre os que vêem nos Fórum Social Mundial e Europeu um ponto de encontro e convergência na acção de organizações, partidos e movimentos diversificados, e aqueles que procuram criar estruturas e redes supranacionais e impor a partir «de fora e de cima» agendas políticas, que não só não têm correspondência com a dinâmica real da luta de classes em cada país, como tendem a alienar as lutas populares. O PCP tem participado e continuará a participar activamente nas principais acções do «movimento antiglobalização»: valorizando uma realidade que é expressão da crescente resistência ao imperialismo; com a afirmação das suas posições e identidade própria; coordenando a sua intervenção com a de outros partidos comunistas e revolucionários de modo a conseguir, a par da mais ampla unidade contra o neoliberalismo e a guerra, a projecção dos valores e do projecto comunista. A participação do PCP nesse «movimento» é necessária para que, como noutras ocasiões históricas, se não frustre o crescente descontentamento, contestação e radicalização, principalmente da juventude, e se reforcem as forças consequentemente anticapitalistas e revolucionárias. A frente anti-imperialista, muito ampla e diversificada, apresenta um grau de dispersão de objectivos e formas de intervenção que é importante superar. É necessário precisar os grandes eixos de acção comum ou convergente que ajudem a unificar e a dar maior eficácia à luta. Como contribuição para este objectivo, o PCP destaca nomeadamente: a luta contra o militarismo e a guerra e o recurso à força nas relações internacionais; pela dissolução da NATO e de outras alianças militares agressivas; contra o processo de transformação da União Europeia num bloco político-militar imperialista; pelo desarmamento, pela abolição de todas as armas de destruição massiva e pela proibição das armas e da chantagem nucleares; pelo respeito da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, pela democratização da ONU e o reforço do seu papel, incluindo das suas Agências especializadas, na promoção da paz e do desenvolvimento; por relações económicas internacionais mais equitativas e mais justas, contra as políticas do FMI, BM, OMC e outras organizações internacionais ao serviço do capital financeiro e das transnacionais, pela anulação da Dívida Externa dos países do chamado Terceiro Mundo; pela taxação do capital especulativo; contra as políticas neoliberais de desmantelamento de conquistas e direitos dos trabalhadores, em defesa dos serviços e sector públicos e contra a mercantilização de todas as esferas da vida social, pelo pleno emprego e estabilidade das relações laborais; contra a destruição ecológica do planeta; solidariedade com todos os povos vítimas da ingerência imperialista e que lutam pela sua soberania, a começar pelos povos da Palestina, do Iraque, do Afeganistão, de Cuba, do Saara Ocidental. A resistência à violenta ofensiva do imperialismo manifesta-se sob formas muito diversas e nem sempre é fácil identificar, caracterizar e arrumar, de um ponto de vista de classe, as suas várias componentes sociais e políticas. Pode entretanto afirmar-se que os partidos comunistas e outros partidos revolucionários, o movimento operário e sindical de classe, os Estados de orientação socialista e anti-imperialista, os povos que lutam pela sua libertação nacional e desenvolvimento independente, o movimento contra as guerras imperialistas e pela paz, constituem as grandes forças progressistas de transformação social cuja aliança é necessária para conter e derrotar o imperialismo. O PCP tem isso presente na sua política de relações internacionais, agindo para que se reforce a sua cooperação e amizade, combatendo as tentativas, tanto do imperialismo como de sectores oportunistas, de semear a divisão e a desconfiança no campo das forças do progresso social e da paz. A evolução da situação internacional coloca com toda a evidência a exigência de fortalecimento dos partidos comunistas, do reforço da sua cooperação e solidariedade internacionalista, da afirmação convicta e confiante do seu projecto de edificação de uma sociedade socialista, do combate a velhas e novas linhas de ataque aos fundamentos ideológicos e organizativos do partido revolucionário. Vencer as grandes debilidades actuais e construir fortes partidos comunistas é indispensável para o êxito da luta. Os problemas e dificuldades que se erguem no caminho do relançamento do movimento comunista e revolucionário internacional são muito grandes e de diversa natureza e a sua superação exige firmeza de princípios, resposta criativa às novas realidades, tenacidade revolucionária. Entre eles salienta-se: a ofensiva global do imperialismo com os violentos ataques a direitos, liberdades e garantias democráticas e criminalização das forças que lhe resistem; a desestruturação e instabilidade das relações sociais com profundas incidências na composição e arrumação das forças de classe e na formação da consciência de classe; e ainda as repercussões no plano objectivo e subjectivo da desagregação da URSS e das derrotas do socialismo na Europa. Existem partidos comunistas com forte influência de massas e mesmo institucional. Entretanto, o enfraquecimento do movimento comunista deixou campo livre ao relançamento de concepções e práticas de raiz pequeno-burguesa, radical-reformista, anarquizante e anticomunista. Continuam a manifestar-se em importantes partidos fortes tendências para a descaracterização e para o abandono de elementos constituintes de um partido comunista (teoria revolucionária, natureza de classe, forma de organização, objectivo do socialismo) e sua diluição em ambíguos projectos de «esquerda». A complexa luta pelo reforço dos partidos comunistas e a sua afirmação como instrumento insubstituível da resistência e da alternativa passam pela sua capacidade para se ligarem à classe operária, aos trabalhadores e ao povo, encabeçar as suas lutas, formular uma clara perspectiva transformadora e revolucionária. Implica simultaneamente a crítica sistemática de concepções oportunistas e capitulacionistas, e em particular de teorizações utópicas pré-marxistas ou neobernsteinianas que ignoram, negam e combatem a luta de classes e as aquisições históricas do pensamento e da prática marxista-leninista. E implica também a crítica a posições sectárias e dogmáticas. Não basta a um partido afirmar-se comunista para realmente o ser. A agressividade do grande capital e do imperialismo, a par do estreitamento da sua base social de apoio, torna particularmente necessário o alargamento da cooperação e solidariedade dos partidos comunistas e demais forças revolucionárias e de esquerda anticapitalistas. É muito urgente vencer os atrasos existentes, sem o que o descontentamento e a ampla contestação das políticas neoliberais e de guerra poderão frustrar-se ou serem recuperados por uma qualquer variante de reformismo estruturalmente comprometido com a reprodução do sistema de exploração capitalista, como é o caso da social-democracia. Mas para avançar com eficácia e segurança é necessário pôr de lado preconceitos ideológicos, valorizar o que une reconhecendo e respeitando as profundas diferenças existentes (de situação, de perfil político-ideológico, de projecto, de organização, de influência) entre as forças que se propõem cooperar, pôr o acento na unidade na acção e para a acção em torno dos problemas e aspirações mais sentidos pelas massas. É indispensável a vinculação com os interesses dos trabalhadores e a clara demarcação da social-democracia. É necessário respeitar os princípios consagrados da igualdade de direitos, soberania, não ingerência nos assuntos internos. Partindo destes critérios básicos, o PCP tem dado e continuará a dar o seu contributo para o fortalecimento da cooperação e da solidariedade das forças de esquerda em todo o mundo, nomeadamente na Europa, com a sua permanente abertura ao diálogo e a sua participação activa e empenhada, tanto em acções conjuntas em torno de problemas comuns, como em encontros, conferências, seminários, fóruns de variado tipo. Dando prioridade à acção comum ou convergente por objectivos concretos e à organização de iniciativas internacionais contra o neoliberalismo e a guerra, o PCP, ao mesmo tempo que discorda de partidos supranacionais, defende há muito a necessidade de caminhar para formas mais estáveis de articulação entre partidos comunistas e outros partidos revolucionários. Mas os atrasos neste domínio, nomeadamente na Europa, não se resolvem precipitando soluções e com lógicas de tipo federalista, com «maiorias» e «minorias», ignorando a grande diversidade de situações existentes. São necessárias soluções unitárias, respeitadoras da soberania e identidade de todos, que unam e não que possam criar dificuldades e fracturas suplementares. O «Partido da Esquerda Europeia» que, na sua origem, na sua lógica federalista, no seu relacionamento com as instituições da UE, no enquadramento político e ideológico que lhe é atribuído por alguns dos seus principais protagonistas, está em contradição com as concepções que temos defendido de cooperação, autonomia e soberania. Ao que acresce o facto de ser concebido, por alguns, em contraposição com critérios básicos que o PCP considera serem os que melhor servem a agregação de forças progressistas e os de um partido revolucionário. Nas circunstâncias actuais, de tempestuosas mudanças e rearrumação de forças e de reflexão sobre experiências positivas e negativas, o movimento comunista e revolucionário não é inteiramente separável de um quadro mais amplo de cooperação de forças progressistas, revolucionárias e anti-imperialistas. Mas isso não pode significar perda de identidade ou diluição. As relações de amizade, cooperação e solidariedade entre partidos comunistas, forças com afinidades de história, ideologia e projecto, são indispensáveis para afirmar e relançar os valores e o projecto do socialismo e do comunismo.
1.4. A alternativa. Um outro mundo é possível, um mundo socialista Face à desumana realidade do capitalismo, o socialismo, uma sociedade nova, livre da exploração do homem pelo homem, impõe-se como uma necessidade cada vez mais premente. É necessário agir em cada país e no plano internacional para conquistar e mobilizar as massas para essa necessidade. O capitalismo não se revela apenas incapaz de dar solução aos problemas dos trabalhadores e dos povos, está a agravá-los numa escala sem precedentes. A agudização das suas contradições e a crise sistémica em que se debate arrastam consigo uma crise global de dimensão planetária e civilizacional. Acentua-se a contradição entre os extraordinários avanços científico-técnicos e o agravamento das chagas sociais e dos problemas ambientais. A concentração da propriedade e da riqueza atinge níveis inéditos enquanto os fossos entre o capital e o trabalho, entre ricos e pobres, entre o «Norte» e o «Sul» não param de crescer. A anarquia e a natureza predadora do sistema de produção capitalista e a gula das transnacionais está a esgotar recursos naturais, a esterilizar áreas imensas aptas para a produção agro-pecuária e a ameaçar equilíbrios ecológicos e ambientais vitais. A subversão do Direito Internacional, a desestabilização das relações internacionais, a violência e a guerra como instrumentos permanentes do domínio imperialista, a ameaça do recurso à arma nuclear (todas elas praticadas a pretexto da defesa dos «direitos humanos» e da «democracia»), configura uma terrível ameaça à liberdade, à democracia, à soberania dos povos, à própria existência humana. A luta para conter e inverter tão perigoso rumo exige a convergência de todas as classes e camadas sociais atingidas, a aglutinação unitária de forças, organizações e movimentos muito diversificados - sindicais, democráticos, de direitos humanos, ecologistas, juvenis, de mulheres, pela paz - no combate contra o neoliberalismo, o imperialismo e a guerra. Exige simultaneamente uma clara perspectiva anticapitalista e anti-imperialista que só fortes partidos comunistas e um combativo movimento operário e sindical de classe podem assegurar. Seria errado negar o valor da luta por objectivos concretos e imediatos, de vitórias parciais ainda que temporárias, de reformas democráticas mesmo quando não tocam a essência do sistema de exploração capitalista. Nunca é indiferente a forma de poder e a natureza do regime político. Mas a aliança da social-democracia com a direita para assegurar a sobrevivência do capitalismo, o apoio da generalidade das direcções dos partidos socialistas e social-democratas, particularmente europeus, ao militarismo, ao «atlantismo» e à guerra, contrariando a vontade da maioria da sua base de apoio, ilustra bem os limites e os perigos do reformismo. Para deter a corrida para o abismo, pôr fim às guerras de agressão e à sistemática ingerência nos assuntos internos dos povos, solucionar os mais importantes conflitos e problemas internacionais e superar as mais gritantes injustiças e desigualdades sociais são indispensáveis profundas transformações progressistas e revolucionárias dirigidas contra o sistema de poder e de propriedade do grande capital, pondo em causa os seus mecanismos de exploração e reprodução. Tais transformações, que respondem à exigência de resolver a contradição central do capitalismo entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção, estão há muito inscritas nas contradições e limites do sistema e na nova época histórica que a Revolução de Outubro inaugurou. O grande problema é que o amadurecimento das condições materiais objectivas não tem actualmente correspondência no plano subjectivo. As derrotas do socialismo desequilibraram a correlação de forças em favor do imperialismo, possibilitaram um novo fôlego ao capitalismo, repercutiram-se no enfraquecimento dos partidos comunistas e de outras forças revolucionárias, influenciaram negativamente a confiança e o ânimo combativo das massas. Dispondo de um imenso poder económico, militar, ideológico, o imperialismo retomou temporariamente a iniciativa e está na ofensiva apesar da crise que o corrói. Os tempos são ainda de resistência e acumulação de forças. Mas são também tempos de reais possibilidades revolucionárias. As políticas de exploração, opressão e guerra encontram por toda a parte a crescente resistência e luta e estão em curso batalhas cujo resultado terá uma grande importância na correlação e arrumação de forças no plano mundial. Como noutros períodos de transição histórica, grandes dificuldades e perigos coexistem com grandes potencialidades para o desenvolvimento da luta e o crescimento das forças revolucionárias. É tão necessário rejeitar ilusões de facilidade e estar preparado para combates duríssimos e eventuais recuos e derrotas, como para desenvolvimentos positivos surpreendentes que só forças e projectos profundamente enraizados na sociedade e nas massas poderão acompanhar e dirigir. Nas actuais circunstâncias de grande instabilidade, só uma coisa é realmente certa quanto ao futuro: as transformações progressistas e revolucionárias que a alternativa ao actual estado de coisas reclama não serão fruto de esquemas e modelos pré-concebidos a que a realidade tenha de conformar-se, antes resultarão necessariamente da dialéctica da luta revolucionária nos planos nacional, regional e mundial, irrompendo lá onde o feixe de contradições for mais denso e mais fortes as forças revolucionárias, num processo irregular e acidentado em que, à resistência da reacção e do imperialismo, será necessário opor cada vez mais a força da solidariedade internacional e internacionalista. Nada pode substituir a luta em cada país. As teses que negligenciam ou mesmo consideram «esgotado» o marco nacional como espaço de luta transformadora e revolucionária são tão erradas e prejudiciais como as que subestimam a necessidade da solidariedade internacionalista e a luta no plano internacional. A defesa da soberania nacional e a afirmação por cada povo do seu direito a determinar o seu próprio destino continua a ser um factor fundamental de resistência à globalização imperialista e às tentativas dos EUA imporem a sua «nova ordem» mundial. O enraizamento entre a classe operária, os trabalhadores e as massas do seu próprio país é a primeira e incontornável tarefa dos comunistas e de todos os revolucionários e condição indispensável para a necessária resposta no plano internacional à ofensiva concertada do grande capital e das grandes potências. A caracterização das dramáticas regressões e dos perigos que a situação internacional actual comporta em resultado da política do imperialismo e dos seus sectores mais reaccionários e terroristas não deve confundir-se com pessimismo. Para a eficácia da luta libertadora é indispensável enfrentar a realidade tal e qual ela é. O internacionalismo que o PCP defende e pratica é inseparável do patriotismo, mergulha as suas raízes nos interesses universais do proletariado. Há fortes razões de confiança nos resultados da luta. Mostra-o a história do movimento operário e comunista (que é cada vez mais necessário conhecer e valorizar e não esquecer e rejeitar como se de um fardo se tratasse). Mas mostram-no sobretudo as grandes lutas da classe operária e dos trabalhadores, o movimento pela paz e contra a globalização capitalista, a persistência de vários países no caminho e objectivo do socialismo, a heróica resistência do povo palestiniano e do povo iraquiano, significativos sucessos de alguns influentes partidos comunistas, a luta revolucionária na Colômbia ou a revolução bolivariana na Venezuela, as vitórias das forças de esquerda no Brasil, África do Sul, Uruguai e outros países, poderosas explosões de descontentamento e contestação populares, como na Argentina, na Bolívia ou no Peru, mesmo quando derrotadas ou subvertidas pela demagogia populista, e muitos outros exemplos. De capital importância é a confiança nos trabalhadores e nas massas populares, na sua organização e na sua luta, rejeitando o elitismo e o culto da espontaneidade e o movimentismo inconsequente de clássica raiz pequeno-burguesa, em que a impaciência, a busca do sucesso imediato, a teorização especulativa separada da vida constituem traços que é necessário contrariar pois tendem a frustrar grandes lutas e a facilitar a recuperação reformista e capitalista de processos que conseguem influenciar. A firmeza de princípios e convicções e a consciente inserção da luta por objectivos imediatos no projecto por profundas transformações anticapitalistas, implicando permanente e firme combate ao pragmatismo sem princípios e à adaptação oportunista à lógica do sistema, são de capital importância para dar todo o sentido às potencialidades revolucionárias que a perigosa situação actual comporta e para relançar o socialismo como a alternativa ao capitalismo. Sim, um outro mundo é possível e necessário, um mundo socialista!
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