Na tribuna do Congresso




A questão social e o PCP



Edgar Correia
Membro da Comissão Política do Comité Central


Como comunistas, portadores de um ideal e de um projecto político democrático, emancipador e revolucionário, assumimos a questão social como um problema maior na vida dos trabalhadores e do nosso povo. Nela concentramos permanentemente atenções e energias. E encontramos múltiplas razões de intervenção e de luta, seja numa perspectiva defensiva dos direitos sociais e dos sistemas públicos que os suportam, seja no da sua concretização num nível mais elevado e do seu constante aperfeiçoamento.

É conhecida a profunda degradação do quadro social nos últimos anos. O agravamento da exploração dos trabalhadores, das desigualdades e das assimetrias e o aprofundamento dos dualismos que fracturam a sociedade portuguesa. O crescimento em flecha do desemprego, do sub-emprego e da precarização do trabalho, expressões da desvalorização do trabalho enquanto direito social fundamental e condição da integrarão social e da realização humana. As discriminações de natureza classista que afectam o acesso universal aos benefícios das funções sociais do Estado. O alastramento dos fenómenos multidimensionais da exclusão social e da pobreza, que atingem um terço da população e colocam Portugal na cauda da União Europeia.

Outras importantes alterações na esfera social são igualmente de registar.

Elas resultam, nomeadamente, de alterações no tecido produtivo, em que é saliente a rápida queda da população agrícola e o desaparecimento ou redução de polos industriais, e o desenvolvimento da área dos serviços. Da quebra demográfica e da crescente concentração urbana que concorrem para a desertificação de muitas zonas do interior. E do abaixamento muito acelerado da taxa de natalidade, com a redução do peso do grupo etário com menos de 15 anos, a par do aumento significativo do da população mais idosa. E, por último, mas com consequências não menos graves na deterioração da situação social, refere-se a continuada ofensiva neoliberal contra os direitos sociais, associada à progressiva mercantilizaçao e submissão a critérios lucrativistas de áreas como as da saúde, da educação e da segurança social, que foi conduzida pelos sucessivos governos de direita e que agora o governo do PS aparece a prosseguir, em aspectos fundamentais.

Outro aspecto que importa destacar diz respeito à enorme distância social que nos separa da quási totalidade dos países da União Europeia, como pode observar-se através dos indicadores relativos às despesas com a saúde, a segurança social e a educação, em que Portugal ocupa um lugar no fundo da escala. A evolução das despesas sociais entre 1980 e 1991 foi também muito modesta no nosso país, passando de apenas 19,7% para 21,6% do PIB, bem distante do crescimento das despesas sociais em relação aos respectivos PlBs registado no mesmo período em países como, por exemplo, a Espanha (de 15,6% para 26,2%), o Reino Unido (de 20% para 30%) e os Países Baixos (de 31,8% para 38, 1%).

A correlação que se verifica em cada país entre a percentagem do produto atribuída às despesas sociais e o nível médio do produto por habitante evidencia que os países que têm gastos sociais mais elevados per capita são simultaneamente os que apresentam maior produto por habitante e vice-versa.

Apesar deste facto mostrar que para além de evidentes razões de justiça social o caminho para o desenvolvimento do nosso país passa necessária e obrigatoriamente, também, pelo crescimento das despesas sociais — que constituem a base do papel redistributivo inerente aos direitos sociais —, a verdade é que não tem sido esse o rumo seguido. E que os governos (anteriormente o do PSD, como agora e no mesmo sentido o do PS ) têm vindo a apostar numa política neo-liberal e progressiva desresponsabilização do Estado nas áreas sociais e de crescente mercantilização das necessidades da população na esfera da saúde, da segurança social e da educação.

Quando, por exemplo, dois terços do total de pensionistas de velhice e de invalidez do regime geral, contributivo, da Segurança Social, recebem menos de 30 contos por mês; ou quando o actual governo, na recente actualizarão das pensões, não aumentou o valor real das pensões acima dos valores mínimos; — como não ver nestes factos as consequências de uma política que levou o Estado, durante uma década, a acumular uma dívida à Segurança Social superior à astronómica quantia de mil e duzentos milhões de contos? E que permitiu às entidades patronais, a par de uma vastíssima evasão contributiva, constituírem dívidas ao sistema que se aproximam dos 500 milhões de contos ?

É compreensível e inteiramente justa, por tudo isto, a linha geral que o PCP vem assumindo nas áreas sociais, para travar e inverter o deteriorado panorama social da sociedade portuguesa. Dando combate à política neo-liberal de desresponsabilização do Estado. Defendendo os direitos sociais e os grandes sistemas que os suportam, tal como estão constitucionalmente consagrados, designadamente o Serviço Nacional de Saúde, o sistema público de Segurança Social, a Escola Pública. E combatendo pela sua concretizarão num nível mais elevado e pelo seu constante aperfeiçoamento, causas inseparáveis da luta pelo desenvolvimento integrado do nosso país, simultaneamente político, económico, social e cultural.

Não se trata de uma perspectiva utópica aquela que assumimos. Mas de uma política objecto de aprofundado exame e de detalhada elaboração a nível de orientações e medidas — constantes de diversos documentos que o PCP apresentou oportunamente para debate público — Novo Rumo para a Educação, Programa de Desenvolvimento do Ensino Superior, Por uma Reforma Democrática do Serviço Nacional de Saúde e Por uma Reforma Democrática da Segurança Social — e cujas linhas fundamentais o projecto de Resolução Política acolhe e que cabe agora ao XV Congresso decidir.