Artigo de Vítor Dias no «Semanário»

«O dia 18 e o dia 28»

A votação de domingo impede-nos de assinalarmos, com a justa pompa e a merecida circunstância, esse dia maior na história da imprensa portuguesa, nem mais nem menos que o dia 18 de Junho de 1998, o dia em que Belmiro de Azevedo conseguiu publicar simultaneamente no «Público», no «JN» e no «DN» o mesmo artigo de opinião.

Engana-se quem pensa que exageramos. Os factos falam por si. Belmiro de Azevedo conseguiu o que até aqui só a publicidade ou as antigas notas oficiosas garantiam. E, não sendo de crer que tenha escondido de cada jornal que propusera o mesmo artigo aos outros dois, conseguiu aquilo que seria sempre recusado mesmo ao político nacional mais brilhante ou prestigiado, ao escritor mais famoso, ao comentador mais cintilante. Conseguiu aquilo que, com alta probabilidade, jamais se verificou em toda a história da imprensa escrita portuguesa.

É o atrevimento de quem propõe (ou talvez melhor a arrogância de quem manda) e a reverência de quem aceita (ou talvez melhor a dependência de quem obedece) que marcam esta nova situação na imprensa portuguesa e convidam imperativamente a preocupadas reflexões.

Mas, voltando ao referendo de domingo, só queríamos sublinhar que, como assinalou certeiramente Vicente Jorge Silva, os principais campeões do não quanto mais falam mais se lhes descobre a careca.

Como se demonstra, por exemplo, com o seu recurso particularmente insistente à oposição a que sejam os «nossos impostos» a financiar a IVG em hospitais públicos. Nem é preciso dizer que, entre outras perversões, esta lógica mesquinha da «objecção fiscal», em coerência, deveria então levar a que defendessem a recusa de tratamento no serviço nacional de saúde das mulheres atingidas por lesões causadas pelo aborto clandestino.

O que é preciso dizer é que estes falsos «moderados» do não (os da «Solidariedade e Vida») começaram por falar de fé, de altos valores espirituais e do «direito à vida» e acabam a falar de notas de conto. Parecem ter desistido de ganhar consciências pelo debate das ideias para passarem a apostar no raciocínio egoísta das algibeiras. É este o seu verdadeiro retrato moral e humano. E de classe, pois então.

Estes falsos «moderados» são, em boa medida, apenas a útil fachada dos «radicais» de que são cúmplices, como fica arrasadoramente demonstrado quando se vêem slogans e grafismos do «Solidariedade e Vida» a ser usados num repugnante tempo de antena do «Vida Norte» (com as crianças a ver, sai um V-Chip, dr. Portas?; e, Prof. Marcelo, sai uma pena de prisão para os que picam fetos com seringas só para obter filmes de propaganda?).

São muito bonzinhos estes e outros campeões do não. Eles não querem penalizar ninguém, ora essa. Só querem manter na lei a pena de prisão até 3 anos para as mulheres que recorram ao aborto.

Eles têm muita compreensão pelos dramas do aborto clandestino e pelos sofrimentos das mulheres que a ele recorrem, ora essa. Só querem que o aborto continue clandestino com todas as consequências que bem sabem.