Intervenção de Josué Caldeira, Debate «Políticas para o território – desenvolvimento equilibrado, uma visão estratégica»

O PNPOT e o Sistema de Planeamento Territorial

1.
A primeira nota é para sublinhar a importância, no quadro da formulação de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, de uma sessão com esta temática – Políticas para o Território. Será, creio, a primeira vez que o Território, com este enfoque preciso, é o tópico de discussão numa iniciativa do Partido com esta dimensão. Já tivemos inúmeros debates sobre Desenvolvimento Regional e Local, sobre Políticas Locais, sobre Planeamento Municipal, Regionalização e Descentralização, isto é, sobre temáticas que conjugam políticas de desenvolvimento com o território mas, nunca, sobre o Território, neste caso, sobre Políticas para o Território.

Do ponto de vista metodológico (e político) não se trata de apenas de uma questão de verbo. É que o Território permite/obriga a colocar os seus vários elementos - as cidades, as regiões, os municípios, o interior, o litoral, o centro, a periferia, … - em relação uns com os outros (isto é, o desenvolvimento de uns – os territórios ganhadores - em relação com o não desenvolvimento de outros – os territórios perdedores) (1). E com esta abordagem, digamos, relacional, os problemas territoriais deixam de ser em exclusivo dos territórios-problema e passam a ser não mais do que manifestações que decorrem do quadro de relações em que todos os territórios se integram.

O Território é hoje uma dimensão crítica do desenvolvimento, do desenvolvimento económico, social e ambiental e, por esta razão, uma dimensão crítica também de um programa político alternativo, patriótico e de esquerda.

(E neste caso a qualificação de “patriótico” é apropriada de forma redobrada. É que o território é um elemento fundamental do exercício da nossa soberania e, por esta via, as políticas para o território, alternativas e de esquerda, são intrinsecamente políticas de reforço da nossa soberania, políticas patrióticas).

2.
Porque ajuda na definição da importância política das políticas do território, vale a pena ir ao texto do Manifesto do Partido Comunista (de Marx e Engels, 1848). É um facto que Marx e Engels não reservam nenhum ponto particular do Manifesto para discutirem em especificidade as questões espaciais/territoriais do desenvolvimento do capitalismo. Mas não se pode dizer que as questões espaciais são alheias à análise e à crítica do capitalismo desenvolvidas por Marx e Engels, nomeadamente, no texto do Manifesto.

De facto, encontramos ao longo deste texto importantes referências à (inter)relação do desenvolvimento do capitalismo com a organização do território, as quais permitem sublinhar a importância que esta – a organização do território – tem para aquele – o desenvolvimento do capitalismo.

É conhecida a afirmação do Manifesto “a burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário”. E, seguindo as ideias expostas no Manifesto, não violaremos o pensamento dos seus autores se afirmarmos que foram também revolucionárias as transformações que a burguesia impôs à organização e dominação do território (pelo capital).

Vejamos:

“A grande indústria estabeleceu o mercado mundial [e este] deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este [desenvolvimento imensurável], por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais,…”;

“A necessidade de um escoamento sempre mais extenso para os seus produtos persegue a burguesia por todo o globo terrestre. Tem de se implantar em toda a parte, instalar-se em toda a parte, estabelecer contacto em toda a parte”;

“A burguesia submeteu o campo à dominação da cidade. Criou cidades enormes, aumentou num grau elevado o número da população urbana face à rural”;

“A burguesia (…) criou forças de produção massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. Subjugação das forças da Natureza, (…), navegação a vapor, caminhos-de-ferro, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão…” (pág. 41). E, questionam ainda Marx e Engels, “que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças de produção estavam adormecidas no seio do trabalho social?”

Estes curtos excertos do Manifesto permitem-nos identificar dois ensinamentos que Marx e Engels nos transmitem sobre a inter-relação do desenvolvimento capitalismo com a organização do território:

Em primeiro lugar – no processo de desenvolvimento do capitalismo, a burguesia está permanentemente a produzir novas formas de organizar o território, a estabelecer novas formas de dominar o território (designadamente, para garantir o “escoamento sempre mais extenso dos seus produtos”);
Em segundo lugar – a organização do território e a dominação do território não é apenas um efeito marginal da produção capitalismo. Ela é uma condição essencial para o próprio desenvolvimento do capitalismo e para a sua sobrevivência (foi com o “desenvolvimento imensurável” do mercado mundial, conseguido através da navegação e das comunicações por terra [duas formas de controlarem, organizarem e dominarem o território], que a burguesia se desenvolveu e multiplicou os seus capitais).

(E, se quisermos prosseguir na biblioteca do marxismo-leninismo, não será abusivo, creio, chamarmos à discussão da inter-relação do desenvolvimento do capitalismo com a organização do território, o clássico Imperialismo - fase superior do capitalismo, que não é mais do que o capítulo seguinte ao Manifesto e relativo à fase, que Marx e Engels sinalizavam, da necessidade incessante de expandir mercados e conquistar territórios para produzir e realizar lucro. O Imperialismo é também uma forma de, à escala global, organizar e dominar o território para alimentar o processo de produção do capital).

3.
Serve o ponto anterior para concluir o seguinte:

A organização do território, o domínio do território é, sem qualquer dúvida (nomeadamente para os clássicos do marxismo-leninismo), uma necessidade vital para o processo de produção do capital e para a sobrevivência da burguesia.

A questão (política), contudo, decorre do facto de o território não ser apenas uma necessidade vital para o desenvolvimento da burguesia e para o processo de produção do capital. O território é, também, uma necessidade vital para a produção da (qualidade de) vida das comunidades e para a produção da (qualidade de) vida da classe operária e de todos os trabalhadores. Isto é, o território é também uma necessidade vital para a (qualidade da) produção e reprodução da força de trabalho.

É no território e assente numa determinada organização territorial que os trabalhadores e as comunidades dão respostas às suas necessidades básicas (e não básicas), e às suas necessidades sociais e coletivas… A vida e a qualidade de vida dos trabalhadores e das comunidades locais dependem de uma organização territorial equilibrada, que garanta, designadamente, a acessibilidade à habitação, a acessibilidade aos locais de trabalho em tempos compatíveis com uma adequada organização da vida pessoal/familiar, a acessibilidade aos equipamentos coletivos, aos transportes, …

A necessidade das políticas de ordenamento do território decorre, do facto de, com muita frequência, no quadro de uma sociedade capitalista, a forma de satisfação destas duas necessidades – a necessidade do território para o capital e a necessidade do território para a forças do trabalho – entrar em conflito. E daqui resulta que as lutas pelo território – na habitação, no acesso à terra, na organização dos transportes, não são mais do que uma outra dimensão das lutas de classes (são, creio, em muitas circunstâncias, a expressão territorial da luta de classes).

O Alentejo e os alentejanos, por exemplo, têm marcado na sua pele e na sua história coletiva o significado da luta de classes no território, na terra, ou pelo território, pela terra. O movimento dos Sem Terra no Brasil, da mesma forma. Mas os habitantes de Alfama e do Centro Histórico de Lisboa também têm atualmente um conhecimento muito particular do significado da contradição da necessidade de utilização do território pelo capital financeiro (de pequena e grande escala) e da utilização do mesmo território pelos residentes trabalhadores, reformados e pensionistas, … E os exemplos concretos desta contradição no uso e na ocupação do território são infinitos e tão velhos quanto velha é a história do capitalismo.

4.
É verdade que a política de ordenamento do território definida pela burguesia pode ser vista como uma forma de resolução técnica, temporária, desta contradição.

Mas, por outro lado, pela importância nuclear que o Território, e a sua organização, têm para a (qualidade das condições de) produção e reprodução das comunidades locais e da força de trabalho, um programa alternativo, patriótico e de esquerda não pode dispensar uma política para o território como componente fundamental da sua política global.

Esta pode ser, na minha forma de ler esta questão, a justificação política da necessidade de colocar no centro dos nossos programas políticos, independentemente do âmbito territorial a que dizem respeito (urbano, local/municipal, regional, nacional), as políticas de ordenamento e de organização do território e, consequentemente, a função do planeamento territorial (2).

De facto, e pelo exposto nos pontos anteriormente, creio podermos chegar à seguinte conclusão:

Para o PCP, e no âmbito de uma política alternativa, patriótica e de esquerda que o Partido propõe para o país, as políticas de ordenamento territorial (urbanas, municipais, regionais ou nacionais), definidas na base de princípios de justiça social, solidariedade/cooperação territorial, e de sustentabilidade ambiental, não podem ser vistas como uma obstinação deste ou daquele grupo profissional, não são respostas estéticas ou culturais sobre o território e os recursos territoriais (ainda que uma política de ordenamento do território seja, em si, um ato de desenvolvimento social/coletivo e, como tal, uma manifestação de desenvolvimento cultural). Pelo que acima foi dito, há matéria para defender o seguinte:

Para o PCP as políticas de ordenamento do território, as políticas de desenvolvimento do território e, consequentemente, o planeamento do território, são elementos fundamentais da composição de uma política alternativa, patriótica e de esquerda que o partido propõe para o país.

Aliás, numa situação de falhas de ordenamento do território, na perspetiva da justiça social, coesão territorial e da qualidade de vida, há, pelo menos, quatro variáveis macroeconómicas e sociais que suportam os custos:

1. Os salários – o mau ordenamento do território obriga o salário a pagar, por exemplo, mais custos de transportes e deslocações, mais custos de habitação, mais custos no acesso a equipamentos e serviços coletivos, …

2. As finanças públicas – o mau ordenamento do território obriga os orçamentos nacionais ou locais a suportar, por exemplo, mais elevados custos de produção de redes e manutenção de redes, …

3. Economia urbana, nomeadamente, as PME – o mau ordenamento do território gera com frequência ineficiências na criação de economias de aglomeração e desta forma não cria áreas de mercado com dimensão necessária ao suporte das PME,

4. Qualidade de vida social e coletiva - …

5.
O PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território - constitui o instrumento cimeiro da estrutura de planos territoriais de que o país dispõe, estrutura composta por um conjunto articulado de planos de escalas geográficas diversas – da nacional à urbana – e no âmbito dos quais as políticas de ordenamento do território, do urbanismo e de solos se definem e se implementam.

Organização do Sistema de Planeamento Territorial

Planos de âmbito nacional

PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território;
PEOT – Programas Especiais de Ordenamento do Território (por exemplo: programas de ordenamento da orla costeira, programas de ordenamento das áreas protegidas, programas de ordenamento das albufeiras),
PS – Programas Setoriais (p. ex: PROF,…).

Planos de âmbito regional

PROT – programa regional de ordenamento do território.

Planos de âmbito municipal

PDM – Plano Diretor Municipal,
PU – Plano de Urbanização,
PP – Plano de Pormenor.

O PNPOT, cuja primeira edição data de 2007, foi sujeito recentemente a um processo de revisão estando a nova proposta em fase de apreciação parlamentar com vista à aprovação de um novo PNPOT.

6.
O desenvolvimento do quadro normativo do sistema de planeamento territorial em Portugal teve uma trajetória longa que, já depois de abril de 1974, inclui os seguintes pontos de passagem (sem ser exaustivo):

1976 – (nova) Lei de Solos,
1982 – criação dos PDM (Planos Diretores Municipais);
1988 – criação do PROT (Planos Regionais de Ordenamento do Território),
1990 – regime jurídico (unificado) dos PMOT (Planos Municipais de Ordenamento do Território; trata-se da fusão de todos os planos de âmbito municipal (PDM, PU e PP) num único diploma),
1995 – regime jurídico unificado dos PEOT (Planos Especiais de Ordenamento do Território) (3).

Esta trajetória tem um ponto cimeiro, alcançado em 1998, com a aprovação da Lei de Bases do Ordenamento do Território e Urbanismo e, consequentemente, com a institucionalização de um efetivo Sistema Nacional de Planeamento Territorial.

A aprovação da Lei de Bases ofereceu a este domínio das políticas públicas – o ordenamento do território - o devido estatuto normativo decorrente da sua definição como Tarefa Fundamental do Estado tal com é definido no art.º 9 da CRP.

Por outro lado, deve sinalizar-se um importantíssimo avanço que foi dado ao conceito de Ordenamento do Território (e que ainda hoje é despercebido por inúmeros atores políticos com tutela sobre esta matéria). O Ordenamento do Território, como política pública, deixa de estar circunscrito à organização física do território (à organização de redes de infraestruturas e à delimitação de áreas urbanas e rurais) e passa a integrar uma dimensão de desenvolvimento e de coesão económica e social territorial, fundindo, desta forma o Ordenamento Territorial com o Desenvolvimento Territorial.

De facto, constituem fins da política de ordenamento do território, diz a Lei de Bases (de 1998) no seu artigo 3.º, entre outros, os seguintes:

- Reforçar a coesão nacional, organizando o território, corrigindo as assimetrias regionais e assegurando a igualdade de oportunidades dos cidadãos no acesso às infraestruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas,

- Promover a qualidade de vida e assegurar condições favoráveis ao desenvolvimento das atividades económicas, sociais e culturais.

Retomando a trajetória da evolução do Sistema de Planeamento criado pela Lei de Bases, destaquei a data do Lei de Bases, para sublinhar o seguinte:

A institucionalização do novo SISTEMA DE PLANEAMENTO TERRITORIAL exigindo o reforço da função de Planeamento e o robustecimento das Administrações Públicas, é contemporânea (estamos, relembro, no início da década de 90) de um novo ciclo do neoliberalismo na União Europeia, reforçado com a criação da União Económica e Monetária (o Euro é criado em 1999 e entra em circulação em 2002), e contemporâneo também de todo um novo quadro regressivo de desenvolvimento das políticas públicas e da intervenção do Estado na economia. A palavra de ordem defendida passou a ser: todo o poder aos mercados! As políticas e as administrações públicas sofrem uma significativa retração. E como consequência direta, a função de Planeamento perde espaço, força e adesão política, técnica, social e cultural. Fator determinante para esta retração do Planeamento foi, também, não podemos esquecer, a derrota do Socialismo na Europa de leste e na União Soviética (a outra face da moeda da ascensão do neoliberalismo) e que arrastou consigo, por esse mundo fora, a degradação do Planeamento como forma de intervenção e de gestão pública da economia.

A evolução da vida (ainda curta) do nosso SISTEMA DE PLANEAMENTO TERRITORIAL é vítima deste ciclo histórico e reflete a contradição entre a necessidade da sua consolidação e o contexto nacional e europeu fortemente contrário a esta nova função.

Contudo, hoje, uma coisa podemos dar como certa atendendo ao grau de desenvolvimento e de maturidade que o Sistema de Planeamento Territorial já atingiu após a publicação da Lei de Bases e da consequente regulamentação: o problema do ordenamento do território (do urbanismo e de solos) é cada vez menos um problema de instrumentos de intervenção (globalmente subutilizados, registe-se) e cada vez mais – decisivamente - um problema de práticas administrativas, de opções estratégicas e das consequentes opções de políticas (municipais, regionais, nacionais e, também, europeias) (4).

7.
A discussão da proposta de PNPOT 2018 beneficia de uma leitura da avaliação oportunamente realizada ao PNPOT 2007.

Há um elemento dessa avaliação que merece apreciação. Trata-se de um Inquérito que contou com mais de 7.000 respostas, fundamentalmente de autarcas, técnicos da Administração Central e Local, e de outros profissionais (do setor privado, investigadores,…).

Tendo o PNPOT 2007 definido 24 principais problemas de Ordenamento do Território que o país verificava na altura, o Inquérito, realizado 10 anos após a publicação do Plano, procurou saber qual a perceção dos inquiridos relativamente a resolução/não resolução destes 24 problemas (5).

Os resultados são expressivos:

- Um primeiro conjunto de 10 problemas, são avaliados como problemas que pioraram a sua situação no período de vigência do PNPOT;

- Um segundo conjunto de 10 mantiveram ou pioraram;

- E apenas 4 são classificados com problemas que mantiveram ou melhoram a respetiva situação.

Ainda que fruto de uma avaliação de natureza qualitativa, pela via da perceção coletiva, os resultados do Inquérito não deixam de ser expressivos relativamente à sensibilidade que diferentes atores (aparentemente, bem informados) manifestaram sobre a questão. Claramente, o efeito PNPOT parece ter sido limitado no que se refere à melhoria do estado geral do ordenamento do território nacional.
Há, contudo, um fator de peso que pode “justificar” este fraco efeito PNPOT.

O período de vida do PNPOT (2007 – 2018) - corresponde ao “período de vida” da grande crise financeira-económica internacional iniciada em 2008 e cujos efeitos ainda se manifestam na economia e sociedade portuguesas.

Esta crise internacional teve também profundos efeitos territoriais. Ao nível europeu, reforçando um padrão de desenvolvimento regional do tipo centro-periferia, isto é, entre países credores e países devedores. Ao nível nacional, dando uma força às dinâmicas do despovoamento para o que terá contribuído o agravamento dos níveis de desemprego, da emigração, da pobreza e da exclusão social, da destruição do aparelho produtivo, da degradação da rede de serviços públicos.

As mais recentes estimativas demográficas do INE, para 2017, fazem anunciar resultados absolutamente dramáticos no domínio do despovoamento de vastas zonas do território nacional.

Aqui, no Alentejo, a quebra demográfica andará, nesta década, na ordem dos 10%, e atingirá um máximo de 15% no Alto Alentejo.

O despovoamento não foi criado pela crise. Mas é provável que a crise tenha acrescentado uma intensidade tal a este problema que obrigue a colocar no próximo ciclo de planeamento territorial a questão (urgente) de como garantir a sustentabilidade socioeconómica de vastas áreas do território nacional.

8.
Há duas forças pesadas que condicionarão estruturalmente a implementação do novo PNPOT e a evolução do estado do ordenamento do território nacional: por um lado a redução da política regional europeia (é um dado) e por outro a permanência da economia da dívida condicionando fortemente as políticas nacionais, nomeadamente, o investimento público e a organização do Estado.

Neste quadro há um conjunto de questões que podem ser apontadas à nova proposta de PNPOT:

- A opção por um texto (quer no capítulo da estratégia, quer no capítulo das medidas) demasiadamente genérico, nalguns pontos, mesmo, muito vago, abre a porta à sobredeterminação das políticas concretas de ordenamento do território por vias das opções das políticas de desenvolvimento setorial. Isto é, são os setores que vão ordenar o território e não as opções de ordenamento territorial a colocar condicionamentos (de coesão territorial, designadamente) às opções dos setores;

- O extenso plano de ação do PNPOT, marcado pelos vocabulários do Programa Nacional de Reformas e do Europa 2030, denuncia que, também neste novo PNPOT, o plano de ação foi encarado como um repositório de linhas genéricas de ações setoriais, já existentes ou planeadas, de forma a garantir equilíbrios intersectoriais reforçando também por esta via a tensão entre opções de ordenamento territorial e opções das políticas setoriais;

- Por último, a inexistência, contrariamente ao que a Lei de Bases determina, de um Plano de Investimentos Públicos (ou de um quadro de grandes opções de investimento público), nomeadamente, dos investimentos com impacto territorial significativo, constitui uma séria limitação relativamente à concretização das opções estratégicas que o PNPOT pretende alcançar. E a este respeito não se diga que o PNI 2030 é o Plano de Investimentos do PNPOT. Basta ler os textos do PNI para se perceber que estamos novamente numa lógica setorial e não numa lógica de base territorial.

9.
Costuma dizer-se que o diabo está nos detalhes e o texto do PNPOT confirma esta ideia popular.

No volume da Estratégia e Modelo Territorial (30 de abril 2018), no capítulo do Sistema Económico (página 96, segundo parágrafo) podemos encontrar a seguinte referência:

“o modelo territorial (do PNPOT) não pode ignorar que o desenvolvimento do país tem sido (territorialmente) assimétrico. (…) é preciso repensar o desenvolvimento tendo como objetivo uma maior produtividade geral. Deste modo, as políticas não devem ser conduzidas para reduzir as diferenças entre regiões, mas para alargar a base territorial da competitividade, o que significa estimular a inovação tendo como desafio aumentar a produtividade em todas as regiões”.

Novamente, a competitividade territorial!

É preciso que tenhamos muito claro o seguinte: apesar de banalizado (não há território que não queira ser competitivo e se parecido com o Silicon Valley, tanto melhor) o conceito da competitividade territorial não é um conceito social e territorialmente inócuo. Não é uma simples coincidência histórica o surgimento em força da competitividade territorial e a emergência do neoliberalismo económica e social. De facto, a competitividade territorial corresponde ao capítulo que a agenda do neoliberalismo dedicado ao desenvolvimento das regiões e das cidades. Deixámos, de facto, de ouvir falar de desenvolvimento regional equilibrado, para passarmos a ouvir falar repetidamente da competitividade territorial (seja ela urbana ou regional).

É, pois, necessário sublinhar que não se chega à situação do atual estado dos desequilíbrios territoriais na Europa e em Portugal, apesar das políticas de competitividade regional, mas, sim, através das políticas de competitividade económica e territorial (de âmbito europeu, nacional e local) disseminadas pela Europa fora e que inúmeros atores políticos (6) e as próprias políticas de direita acolheram de bom grado.

Num contexto de redução da política regional europeia e de permanência da ditadura da dívida, apostar na competitividade territorial é apostar numa via para o agravamento das disparidades regionais.

Sim, camaradas, também no domínio das políticas do território, avançar é preciso, com políticas alternativas, patrióticas e de esquerda!

Notas:

(1) Diferente é a abordagem do Movimento do Interior que olha para o Interior como se a maleita do Interior fosse inerente às dificuldades de afirmação socioeconómica do Interior e, desta forma, exigindo políticas específicas para o Interior. O que é, contudo, importante, é a construção de políticas de desenvolvimento integrado e equilibrado do território, de todo o território (do interior, do litoral, das cidades e das aldeias,…). É esta a perspetiva desta sessão de trabalho sobre o lema de “Políticas para o Território – desenvolvimento equilibrado, visão estratégica”.

(2) Não querendo destacar nesta sessão a escala municipal sublinho, contudo, em nota de rodapé, a seguinte ideia: se há um conjunto de características do projeto autárquico do PCP que deve merecer o estatuto de características distintivas do nosso projeto face ao projeto autárquico das restantes forças políticas, nesse conjunto de características, numa posição cimeira, deve estar, sem qualquer reserva, uma forte componente de ordenamento do território e, consequentemente, uma forte função de planeamento territorial. É de facto, pelo ordenamento e planeamento territorial que se constrói uma visão integrada e equilibrada do desenvolvimento territorial sendo também pelo planeamento que se definem as estratégias mobilizadoras dos trabalhadores e dos agentes locais para o desenvolvimento urbano e local.

(3) Fazem parte da família dos PEOT os planos de ordenamento da orla costeira, os planos de ordenamento das áreas protegidas, os planos de ordenamento das albufeiras.

(4) De facto, o estado do ordenamento do território é resultado de políticas, processos e de dinâmicas ocorridas nas diferentes escalas e na conjugação das diferentes escalas.

(5) Os resultados deste Inquérito encontram-se apresentados no volume de Diagnóstico PNPOT, no capítulo 5 reservado aos Problemas do Ordenamento do Território (página 183)

(6) Deve sublinhar-se a resistência a este tipo de ventos ideológicos que a Direção Regional do Partido do Alentejo tem demonstrado ao manter o discurso da defesa para o Alentejo de uma política de desenvolvimento regional integrado e equilibrado. E estes são os temas em conflito: desenvolvimento regional integrado e equilibrado (no contexto de uma política nacional de desenvolvimento regional) versus competitividade regional.

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