Projecto de Lei N.º 14/XV/1.ª

Aprova medidas urgentes para a produção de cereais

Exposição de Motivos

Os resultados do Recenseamento Agrícola 2019 evidenciam a situação do país no que respeita à sua dependência externa no domínio alimentar, justificando as preocupações e os constrangimentos para os quais o PCP tem vindo reiteradamente a alertar.

As dificuldades que atravessa o sector agrícola e agro-pecuário nacional, em particular os sectores da pequena e média produção, ficam bem patentes no registo da perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos últimos 10 anos e do aumento em 13 % da área média das explorações.

A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12 % de terras aráveis, com redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata, com aumento de 24 % da área reservada a culturas permanentes e de 14 % da área de pastagens.

No que respeita à mão-de-obra agrícola, esta retrai-se 15 % com a redução do trabalho familiar, a que se associa um aumento do trabalho assalariado, muitas vezes de elevada precariedade e em condições desumanas.

A falta de estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e agropecuárias, para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais, assume, no atual quadro de crise, cada vez maior relevância, deixando os cidadãos mais vulneráveis.

A falta de capacidade interna em suprir as necessidades de bens alimentares, deixa o país sem mecanismos eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos, diminuindo de forma acentuada os rendimentos das famílias, situação que se está já a registar.

O crescente aumento dos preços dos bens alimentares no consumidor e o aumento dos custos dos meios de produção na agricultura, contribuem para um maior desequilíbrio da balança comercial associada aos bens alimentares.

Os dados disponíveis para 2021 em matéria de balança comercial de bens alimentares mostra que o balanço entre as exportações e as importações de produtos do reino vegetal apresenta um défice de cerca de 6,3 milhões de toneladas (mais 260 mil toneladas que em 2020), dos quais mais de 3,6 milhões de toneladas correspondem a défice relativo a cereais, com destaque para o trigo e milho. Em termos económicos, este défice traduz-se em -2 056 milhões de euros (quase mais -370 milhões de euros do que em 2020), dos quais cerca de 824 milhões de euros correspondem ao défice em cereais, dos quais 282 milhões de euros correspondem a trigo e 413 milhões de euros a milho.

A este respeito não é alheio o aumento da cotação do trigo e do milho nos mercados internacionais, dos quais Portugal é dependente. Nesta matéria, os elementos disponibilizados pelo Banco Mundial mostram que o preço do milho aumentou no último ano 13% e o trigo apresentou um aumento de preço de 32% entre fevereiro e novembro de 2021, acentuando a sua subida no atual quadro internacional.

Os dados mais recentes em termos de grau de autoaprovisionamento relativos ao período 2020/2021 evidenciam a dependência alimentar do País, em especial no que respeita a cereais (num total global de 19,4%), sendo o trigo aquele que apresenta valores mais preocupantes - grau de autoaprovisionamento de 6,4 %. Esta situação deixa Portugal numa situação particularmente frágil, que se tem materializado no aumento do custo de bens alimentares essenciais, nomeadamente o pão, que no último ano aumentou em quase 5,41 pontos o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor.

No caso particular dos cereais, não se pode deixar de referir que com o desmantelamento da EPAC e com as dificuldades criadas à produção e armazenamento dos cereais, perderam-se sementes e conhecimento, instalando-se a descrença nesta produção, ocupando-se as terras com outras culturas e em especial monoculturas, com os perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agroquímicos e vulnerabilidade a pragas que os modos agrícolas superintensivos acarretam.

Implementar um conjunto de medidas concretas capazes de recuperar a produção nacional de cereais, com particular destaque para as variedades autóctones, é fundamental para contrariar o ciclo de dependência alimentar face ao exterior e contribuir para a recuperação da soberania neste domínio.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei estabelece medidas de emergência para os cereais, necessárias para incentivar a sua produção nacional, combater o desequilíbrio acentuado na balança alimentar nacional e incrementar o nível do seu aprovisionamento.

Artigo 2.º

Âmbito e objetivos

  1. As medidas de emergência para os cereais, com particular destaque para o trigo e milho, visam atingir os seguintes objetivos:
    1. Aumentar a capacidade instalada para a produção de cereais em território nacional;
    2. Assegurar o escoamento da produção nacional de cereais, a preços justos à produção;
    3. Melhorar e criar novos mecanismos de aprovisionamento de cereais reativando estruturas existentes para o efeito e assumindo as parcerias necessárias com o sector privado e cooperativo.

Artigo 3.º

Aumento da capacidade instalada para a produção de cereais

  1. Para cada região NUT II é elaborada uma carta de aptidão agrícola em que, com base no reconhecimento dos solos e das características edafoclimáticas no território abrangido e dos dados de produtividade conhecidos, são identificadas as áreas de boa aptidão agrícola para a produção de culturas cerealíferas.
  2. Para as áreas identificadas a que se associa boa aptidão agrícola para a produção de cereais, em especial o trigo e o milho, são estabelecidas medidas preventivas que assegurem a proteção e salvaguarda destes solos, integrando-os no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e condicionando a sua utilização para outros fins, ficando esta dependente de parecer favorável vinculativo da Entidade que tutela a RAN.
  3. É criado um regime específico de apoio e incentivo à instalação de culturas cerealíferas e à reconversão cultural, quando essa reconversão se destine a criar novas áreas de produção de cereais.
  4. Os apoios e incentivos que vierem a ser estabelecidos para a produção nacional de cereais, tal como referido no número anterior, beneficiam de um regime de majoração, nos casos em que a produção se refira a trigo e/ou milho.
  5. É criada uma linha de apoio dedicada à produção de cereais autóctones que permitam aos pequenos e médios agricultores optar por sistemas produtivos ambientalmente mais sustentáveis.

Artigo 4.º

Regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de cereais

  1. O Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional de Cereais inclui, designadamente, as seguintes medidas específicas de apoio:
    1. simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas da PAC e majoração das ajudas para a produção de cereais, em especial trigo e milho;
    2. ajudas à produção e acesso de agricultores e cooperativas agrícolas a linhas de crédito bonificadas e a longo prazo, de 15 anos, destinadas ao investimento na produção de cereais;
    3. apoio para formação profissional específica e de ajuda técnica à atividade agrícola de produção de cereais;
    4. apoio específico para a reconversão de culturas permanentes intensivas e superintensivas para a produção de cereais;
    5. apoio específico dedicado à produção de espécies de cereais autóctones e ao seu escoamento a preços justos à produção.
  2. Os pequenos e médios agricultores e produtores pecuários e os beneficiários do Estatuto da Agricultura Familiar, beneficiam de majorações de 25% em todos os apoios previstos ao abrigo da presente lei.

Artigo 5.º

Recolha e aprovisionamento de cereais

  1. É criada a Empresa Pública de Recolha e Aprovisionamento de Cereais, a partir das estruturas da SILOPOR, SA com o objetivo de criar, gerir e manter uma reserva destes bens alimentares, capaz de assegurar graus de autoaprovisionamento superiores a 50 %.
  2. Os trabalhadores, quer com vínculo permanente, quer com vínculo temporário à SILOPOR, SA, transitam para a nova empresa Pública de Recolha e Aprovisionamento de Cereais, em regime de vínculo efetivo e assegurando todos os direitos e antiguidade no posto de trabalho.
  3. Para concretizar os objetivos referidos no n.º 1 do presente artigo, são ainda criadas as estruturas necessárias, através da reativação de estruturas existentes e assumindo as parcerias necessárias para o efeito com o sector privado e cooperativo;
  4. A reserva nacional de cereais é constituída, sempre que possível, por produtos provenientes da pequena e média agricultura e da agricultura familiar.

Artigo 6.º

Reforço das estruturas do Ministério da Agricultura

O Governo estabelece, inserido nas estruturas do Ministério da Agricultura e da Alimentação, um serviço dedicado ao apoio técnico aos agricultores para promover a produção de cereais.

Artigo 7.º

Monitorização e Seguimento

  1. O Governo, através do Ministério da Agricultura e da Alimentação, faz a monitorização e seguimento dos efeitos da aplicação da presente Lei na produção nacional de cereais, nos graus de autoaprovisionamento destes produtos e nos rendimentos garantidos aos produtores.
  2. Para os efeitos do número anterior, o Governo através do Ministério da Agricultura, remete anualmente à Assembleia da República, até 31 de dezembro de cada ano, um relatório que integre a informação relativa à monitorização e seguimento referido no número anterior, bem como dos incentivos e apoios atribuídos em cada ano.

Artigo 8.º

Prazos

  1. O Governo, no prazo de 30 dias após a publicação da presente Lei, procede à sua regulamentação e às adaptações legislativas necessárias à sua implementação.
  2. Até 31 de Dezembro de 2022 o Governo assegura a elaboração e publicação dos aspetos referidos nos números 1 e 2 do artigo 3.º da presente Lei.
  3. Até 31 de junho de 2022 o Governo assegura a criação, constituição e regulamentação da Empresa Pública de Recolha e Aprovisionamento de Cereais, a partir da SILOPOR, SA.

Artigo 9.º

Medidas Transitórias

No prazo de um mês, a partir da entrada em vigor da presente Lei, o Governo anuncia os apoios específicos para garantir, no ano de 2022, a ampliação da área de produção de cereais, em pelo menos 10% relativamente a 2021.

Artigo 10.º

Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 188/2001, de 25 de junho, que regula o processo de liquidação da SILOPOR - Empresa de Silos Portuários, S. A..

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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