Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Reunião Plenária

Sobre a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,

O Governo propõe hoje a esta Assembleia alterações à Lei de Segurança Interna, à Lei de Organização da Investigação Criminal e às Leis Orgânicas da PSP e da GNR, tendo como único objetivo a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Submeter esta questão ao exercício da competência legislativa reservada da Assembleia da República é um imperativo constitucional que o Governo tardou a reconhecer, mas que é incontornável. Extinguir um Serviço de Segurança cuja existência se encontra expressamente prevista na Lei de Segurança Interna não poderia ser feito unicamente através de decretos-leis de alteração do estatuto orgânico das forças e serviços de segurança envolvidos. Implica uma alteração estrutural da Lei de Segurança Interna e tem implicações que extravasam em muito uma mera reorganização de serviços da Administração Pública.

O Governo propõe a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, repartindo as suas atuais atribuições por cinco entidades distintas: o Serviço de Estrangeiros e Asilo a criar, o Instituto de Registos e Notariado, a Polícia judiciária, a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana.

O PCP não concorda com esta proposta e não a acompanhará.

Não está em causa a justeza da razão invocada pelo Governo de separar, no âmbito das atuais atribuições do SEF, as funções policiais das funções administrativas. Essa separação é adequada, é justa e o PCP sempre a defendeu. Não é justo nem adequado que tudo o que se relaciona com o estatuto legal dos estrangeiros em Portugal seja tratado por um serviço policial, como se os estrangeiros fossem potenciais delinquentes. Se um cidadão nacional renova o seu cartão de cidadão no Instituto dos Registos e Notariado não há qualquer razão para que um cidadão não nacional tenha de recorrer a um serviço policial para requerer ou renovar a sua autorização de residência.

O problema não está, portanto, na criação de um novo Serviço de Estrangeiros e Asilo. Nada contra quanto a isso. A questão é a de saber se uma medida dessa natureza deve implicar necessariamente a extinção do SEF enquanto serviço de segurança.

É isso que somos chamados a debater. Se se deve alterar a Lei de Segurança Interna tendo como único objetivo extinguir o SEF e se existem razões válidas para extinguir o SEF nas circunstâncias, no tempo e no modo em que o Governo o pretende fazer.

A Lei de Segurança Interna que hoje temos merecia bem uma discussão e uma reformulação profunda. O que fazia sentido era discutir a multiplicação e sobreposição existente de estruturas de coordenação que torna impossível qualquer coordenação digna desse nome. O que fazia sentido era discutir se deve existir o cargo de Secretário Geral do Sistema de Segurança Interna com as competências exorbitantes que lhe estão atribuídas. O que fazia sentido era discutir a lógica de haver duas forças de segurança em sobreposição, uma de natureza civil e outra de natureza militar, quando as funções de ambas são idênticas.

Havia muito a discutir sobre a Lei de Segurança Interna, mas a discussão de hoje limita-se à extinção do SEF e sobre isso, importa dizer o seguinte:

O momento escolhido pelo Governo para propor esta opção, não podia ser pior.

O Governo pode dizer que já estava no seu programa a separação das funções policiais das funções administrativas no que se refere aos estrangeiros, mas não só não está no programa do Governo a extinção do SEF, como este processo, no momento em que surge, não pode deixar de ser visto como uma fuga para a frente perante as dificuldades que o Governo enfrentou na sequência de um crime horrível cometido nas instalações e por elementos do SEF.

Negar esta realidade é tentar tapar o sol com a peneira. Ninguém acredita que o Governo avançasse para a extinção do SEF se esse crime não tivesse sido cometido e se não tivessem sido cometidos erros dramáticos na gestão política desse processo.

Mas ao avançar para a extinção, o Governo faz recair as consequências do crime sobre toda uma instituição e sobre todos os elementos que a integram, e essa generalização não é justa. Perante um crime horrível, exige-se uma rigorosa investigação, a condenação dos responsáveis, e a adoção de medidas organizativas que garantam que nada de semelhante voltará a acontecer. Extinguir uma força policial em consequência de um crime cometido por elementos seus é tratar essa força como se fosse uma associação criminosa e isso não é justo.

O Senhor Ministro dirá que não é disso que se trata e que o Governo tem a maior consideração pelos elementos do SEF que, com profissionalismo e dedicação, têm prestado relevantes serviços ao país. Só que a decisão do Governo é a de extinguir o SEF e as coisas são o que são e não o que se diz sobre elas.

A questão, porém, não é só a do momento em que esta extinção é decidida. É também a de saber se há razões suficientes para supor que da distribuição das funções policiais do SEF por três forças de segurança distintas haverá ganhos para a segurança interna. Essas razões não estão demonstradas.

O SEF desenvolve a sua atividade há 35 anos. Tem uma experiência própria decorrente da sua ação no terreno, com atribuições específicas e distintas das que pertencem a outras forças e serviços de segurança. Tem um papel específico e relevante em matéria de cooperação internacional. Tem uma identidade e uma experiência própria de intervenção em áreas tão complexas como o combate às redes de imigração ilegal ou de tráfico de seres humanos. Tem uma formação específica, distinta da que é ministrada às forças e serviços de segurança por onde os seus efetivos vão ter de se repartir.

As dificuldades com que o SEF se tem debatido ao longo dos anos decorrem, em larga medida, de uma escassez de recursos humanos, cujo reconhecimento unanime atesta a importância da sua missão. Todos nós, nesta Assembleia, afirmamos há muitos anos que é necessário dotar o SEF com mais recursos humanos e materiais. Hoje estamos a discutir se o devemos extinguir.

Propõe o Governo que os profissionais do SEF com funções policiais sejam repartidos por três forças de segurança. Acontece, como ninguém ignora, que a natureza dessas forças reflete enormes diferenças quanto à sua natureza e quanto ao estatuto dos seus profissionais.

O problema, contudo, está muito longe de ser de natureza estatutária ou socioprofissional. O problema é o de saber se, conhecidas as dificuldades que afetam as forças e serviços de segurança para garantir a multiplicidade de funções de que são incumbidas, haverá condições para que os elementos do SEF integrados nestas forças possam garantir o grau de especialização que atualmente os diferencia.

As dúvidas sobre os ganhos da opção que o Governo propõe em matéria de segurança interna são muitas, são razoáveis e são legítimas. Avançar sem as medir pode ter consequências negativas que, a ocorrer, serão mais difíceis de reparar.

Esta opção de extinguir o SEF como medida avulsa, numa ação típica de fuga para a frente, sem equacionar globalmente a estrutura nacional de segurança interna e sem medir previamente todas as dificuldades decorrentes desse processo, arrisca-se, pois, a criar situações de instabilidade ao nível das diversas forças e serviços envolvidos e a causar prejuízos sérios ao país em matéria de segurança interna.

Crie, pois, o Governo um serviço de estrangeiros e asilo. Retire do SEF as funções não policiais que não devem ser da sua competência. A isso o PCP não se opõe. Mas extinguir o SEF enquanto serviço de segurança contará com a oposição do PCP.

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