Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República

Sobre o estatuto de vítima para crianças inseridas em contexto de violência doméstica

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A petição que hoje aqui discutimos – a qual saudamos, tal como saudamos os seus signatários – coloca-nos o problema das crianças vítimas de situações de violência doméstica e ao seu direito a uma infância segura.

A erradicação da violência doméstica e a defesa das crianças face à violência são certamente objectivos em torno dos quais há um longo caminho a percorrer. Há com certeza melhorias a introduzir na legislação relativa à violência doméstica (aliás, há bem pouco tempo o PCP fez aprovar uma alteração nesse sentido…). No entanto, aquilo que a realidade nos grita está para lá da legislação e das lacunas da lei e está muito mais relacionado com a prevenção de contextos, de invisibilidade dos casos e, depois, com a operacionalização da resposta .

Regressando ao texto da petição, parece-nos que as preocupações que nela são assinaladas estão em parte significativa acauteladas pela legislação em vigor, sem prejuízo de ajustes e aperfeiçoamentos que possam ser feitos. De facto, as crianças que estão envolvidas em situações de violência doméstica estão, em primeiro lugar, abrangidas pela Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Risco e, em segundo lugar, inserem-se no conceito de vítima vertido no regime aplicável à violência doméstica. O conceito de ‘vítima especialmente vulnerável’ que o Código de Processo Penal prevê já possibilita mesmo que esse estatuto de vítima de violência doméstica seja conferido às crianças, tal como a Procuradoria Geral da República já reconheceu.

A questão mais complexa neste âmbito é a das declarações para memória futura e sobre ela o PCP tem sido sensíel aos alertas relativos ao potencial atropelo ao disposto no artigo 134º do Código de Processo Penal que permite a recusa de depoimento a descendentes, ascendentes, irmãos, adotados, etc, impondo às vítimas, a coberto da sua própria proteção, algo que elas próprias possam não querer fazer.

Dito isto, há com certeza melhorias a introduzir na legislação e um problema social com a dimensão da violência doméstica no nosso país tem de ter uma ação decidida por parte de todos.

O que não pode acontecer é, umas vezes por indignação e impaciência perante um problema que persiste e até se agrava, outras vezes por mera conveniência política, que se reduza a discussão a sucessivas alterações legislativas na expectativa de que assim o problema se resolva. Infelizmente essa abordagem não tem sido eficaz. Faz muita falta sim questionar o que acontece quando se detetam situações destas, como se detetam quando faltam profissionais em todos os serviços essenciais, desde a escola, à saúde, passando pelas forças e serviços de segurança.

Qual é a realidade das comissões de proteção de crianças e jovens em risco? Quais os meios ao seu dispor? Existem equipas multidisciplinares com capacidade de intervir e trabalhar o problema nos centros de saúde ou nas escolas? Há acompanhamento psicológico às vítimas sejam elas adultos ou crianças?

É que entre o que se escreve na lei e a vida continua a haver um enorme desfasamento. É nesse vazio de capacidade de intervenção que achamos dever haver mais foco sob pena de se continuar sem condições de investimento público para garantir a aplicação da lei que já temos.

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