Intervenção de José Pedro Faya, Trabalhador de Plataforma, Mesa Redonda «Plataformas digitais – tecnologia, trabalho e exploração»

Testemunho do trabalho numa plataforma

Caros camaradas,

Agradeço a oportunidade de participar e de dar o meu testemunho.

Trabalho de bicicleta na cidade do Porto, que devido à sua topografia e às chuvas intensas já não é a cidade ideal para fazer este trabalho com o tipo de veículo que utilizo, e percorro uma média de 40 kms por dia trabalhando, 6 dias por semana em média.

A realidade deste trabalho é de grande instabilidade e imprevisibilidade, problema que afecta tanto a mim quanto aos que trabalham de moto. Alguns dias consigo ganhar uns 30 - 35 euros depois de um dia inteiro de trabalho. Outros dias, nesta terça-feira por exemplo, passei mais de 11 horas online, ou seja, 11 horas do meu dia que dediquei ao UberEats, e só ganhei 9,40€. O elevado número de estafetas trabalhando para as plataformas, que aumentou ainda mais nos últimos meses ( Uber e Glovo se recusam a divulgar o número de estafetas cadastrados) tem dificultado bastante o trabalho. Como as plataformas não têm nenhum encargo com os trabalhadores, na ânsia do lucro admitem um alto número de pessoas, quando os que já estão trabalhando para as plataformas já estão com dificuldade em conseguir viagens (entregas). Isso faz com que os estafetas tenham de passar o dia circulando em busca de áreas onde há demanda. O estafeta, portanto, trabalha muitas vezes sem receber, pois dedica horas do seu dia à plataforma, sem remuneração, circulando pela cidade, e entre cidades diferentes, em busca de pedidos, e para quem trabalha de moto isso tem custo pois pagam pelo combustível. As plataformas também incentivam esse deslocamento, criando promoções em diferentes cidades, levando os estafetas a saírem do Porto e irem para Maia, Leça da Palmeira, Gondomar, Trofa, Penafiel, Espinho, etc, gastando seu tempo, dinheiro com combustível, que será pago apenas quando surgir um pedido. No caso da UberEats, quando surge um pedido, o trabalhador só recebe pela distância percorrida do restaurante à casa do cliente não recebendo pela distância percorrida do local onde o estafeta estava quando iniciou a viagem até o restaurante. Essa distância normalmente é curta, mas às vezes podem ser de alguns quilómetros. Já me ocorreu de estar na Ribeira, no Porto, e ter de buscar um pedido à beira do metro de Santo Ovídio.

Além disso, é degradante depender de um ranking e de avaliações para fazermos nossa subsistência. É humilhante saber que seremos prejudicados financeiramente pelo simples clique de um cliente insatisfeito, insatisfação esta que é causada por situações que muitas vezes sequer são nossa culpa. Recentemente a Glovo mudou o sistema de avaliação, e com a justificativa de que o novo sistema seria melhor para o estafeta e facilitaria sua vida, na verdade piorou e tornou ainda mais misteriosa a forma como somos avaliados de acordo com os diferentes critérios.

Estas plataformas tentam nos transmitir ideias e noções que não correspondem à realidade para mascarar a nossa exploração. Acredita-se que os estafetas "fazem seus próprios horários" e que "somos nossos próprios patrões", o que não é verdade. É claro que é agradável podermos fazer uma pausa quando queremos, ou podermos escolher o nosso dia de folga. Mas essa liberdade é bastante limitada. O estafeta tem sempre que trabalhar as horas do almoço e do jantar. A liberdade no caso é de escolher entre sobreviver ou não sobreviver financeiramente. O trabalhador pode escolher trabalhar em outros horários, mas não vai conseguir fazer sua subsistência. Entre o almoço e a janta, principalmente na UberEats, conseguimos muito poucas viagens, mesmo se passarmos a tarde inteira online. Depois da hora do jantar também aparecem poucos pedidos, mas dependemos destes poucos para completarmos nossas metas diárias. Temos "liberdade", mas para se ter uma vida digna trabalha-se 10, 12 horas por dia. Muitos se deixam enganar por esta falsa ideia de autonomia, por isso não se organizam para lutar pelos seus direitos. Muitos tampouco sabem dos direitos que os trabalhadores têm em Portugal, em especial os que, como eu, são imigrantes. Ganham 700 ou 800 euros por mês (depois de pagar pelo combustível, pelas comissões e aluguer das motos), trabalhando 10, 12 horas por dia, seis dias por semana ou mais, e se vêem satisfeitos, mas não percebem que se quiserem tirar férias não vão conseguir, pois com os elevados custos de vida nestas cidades é quase impossível juntar dinheiro o suficiente para passar 10 ou 20 dias sem trabalhar, enquanto um trabalhador com um contrato recebe subsídios para tal fim, ou que se ficarem doentes e tiverem que ficar em casa, vão perder seus rendimentos. Eu, há alguns meses atrás, tive um acidente durante o trabalho e machuquei a costela, mas não tive direito ao seguro pois este só nos dá cobertura se o acidente ocorrer durante uma entrega, a partir do momento que entregamos o pedido ao cliente temos que contar com nossa própria sorte. Por este motivo, não pude fazer o tratamento adequado pois teria de ficar de repouso e perderia meus rendimentos. Para além disso, tenho no momento, devido à atividade física intensa, uma inflamação no fémur, e tenho dificuldades até para dormir, pois a dor no quadril não me permite deitar de lado. Outra vez não tenho condições de ficar de repouso e fazer o tratamento adequado.

É importante mencionar também outros problemas destas plataformas, como atrasos nos pagamentos dos estafetas, restaurantes que estão há meses sem receber das plataformas os seus rendimentos, os eventuais sobrecarregamentos dos restaurantes com alto número de pedidos, o que faz com que os estafetas terem de esperar as vezes 40 minutos, ou uma hora, para recolherem o pedido, causando desentendimentos e conflitos entre os funcionários dos restaurantes e os estafetas, além de aglomerações nos locais onde os pedidos são recolhidos, especialmente quando chove, e também usuários novos que fazem o cadastro, compram a mochila e os equipamentos para trabalhar, e são surpreendidos pelas plataformas com a informação que terão de esperar para completar o cadastro e começarem a trabalhar pois a plataforma não está activando contas de novos estafetas ou há longas filas de espera, que podem durar meses, depois da plataforma ter lucrado em cima destes com a venda dos equipamentos.

É um trabalho degradante, precário, incerto e inseguro. As condições de trabalho são ainda mais difíceis para alguém que estuda, ou que é pai ou mãe, sendo um grande obstáculo para quem precisa conciliar a vida profissional com a vida académica ou familiar.”

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