Intervenção de Anabela Carvalheira, Dirigente da FECTRANS, Mesa Redonda «Plataformas digitais – tecnologia, trabalho e exploração»

O Sindicato a unir os trabalhadores das plataformas

Intervenção mesa redonda Uberização do mercado de trabalho

Numa altura em que as plataformas digitais cada vez mais se desenvolvem em muitos sectores de actividade, provocando a cada dia uma alteração significativa no mercado de trabalho, na forma e organização tal como o conhecíamos até à relativamente pouco tempo, por força do aumento das desigualdades e da precariedade.

Este tipo de organização laboral não permite a criação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, uma vez que na maioria dos casos não existe “rosto” com quem estabelecer diálogo, reivindicar a melhoria das condições de vida e trabalho para os trabalhadores.

Gostaria de partilhar aqui a realidade que já existe hoje no nosso sector e que infelizmente só começámos a acompanhar em finais de 2020, a situação do transporte individual em veiculo descaracterizado, os TVDE.

Só começamos a acompanhar à pouco tempo, não por falta de tentativas sucessivas, mas particularmente pelo facto dos trabalhadores até aí por se sentirem trabalhadores por conta própria entenderem não necessitarem de apoio sindical por um lado, e por outro não termos interlocutor empresarial a quem pudéssemos apresentar as nossas propostas de regulação deste sector informal.

Na nossa opinião, o facto de fazerem sentir aos trabalhadores que estes não dependiam de um patrão, que eram autónomos na sua actividade criaram falsas expectativas, que foram conseguindo gerir até à atual situação pandémica.

Os sucessivos governos, não tiveram coragem de enfrentar o grande capital, e no caso português, legislaram no sentido de permitir uma concorrência feroz e desleal, com o sector do táxi, não limitando os contingentes das frotas pelos Municípios, nem obrigando a uniformização de cálculo de preços ou taxas para o transporte individual.

Pelo contrário apresentaram aos portugueses, que os trabalhadores das plataformas, veriam uma janela de oportunidades para em par time, conseguirem aumentar o seu rendimento disponível, como se não fossem os responsáveis pela clivagem que se estava a fomentar entre os que já operavam exactamente no mesmo serviço à décadas e os recém chegados sem qualquer limite.

Obviamente que enquanto Portugal tinha taxas de turismo elevadíssimas, enquanto os trabalhadores não foram obrigados a prestar o seu trabalho a partir de casa, quer os trabalhadores da Uber quer os dos táxis, conseguiram apesar de não se respeitarem entre si, ultrapassar algumas diferenças no contexto de um trabalho sem limites nem regras.

A pandemia evidenciou e acentuou, para todos as dificuldades que o mercado informal provoca.

Particularmente na questão da plataforma, os Trabalhadores percebem hoje por força das dificuldades com que estão confrontados, que ser parceiro como ainda gostam de ser chamados, é só isso mesmo, não lhes trás nenhuma mais valia, não têm proteção na doença, nos acidentes de trabalho, não têm garantido sequer um salário mínimo mensal, pois não têm passageiros, não ganham.

Mantêm os mesmos encargos, nomeadamente com o pagamento das viaturas, dos seguros que são altíssimos, por serem considerados de risco e muitos não têm qualquer hipótese de contribuir para a mais elementar necessidade a da alimentação das famílias.

Infelizmente, excluindo efetivamente alguns que construíram empresas e tem ao seu encargo trabalhadores, perceberam da pior maneira que efetivamente têm um patrão que os pode avaliar através de algoritmos, que nenhum deles conhece, e que sobe a capa da avaliação do passageiro, os permite despedir à distância de Clik, ou seja apenas desligando a plataforma, sem direito ao contraditório ou obrigação de procedimento disciplinar.

Tal situação, representa para todos nós dirigentes sindicais um retrocesso sem precedentes em contexto laboral, e que tanto custou a conquistar.

Não têm limites de horário de trabalho nem tempos de condução, não têm direitos sociais e laborais, urge assim continuar a acompanhar e denunciar, embora toda esta situação provoque também entre nós muitas incompreensões, que estou convicta o tempo vai ajudar a desvanecer.

O Strup conseguiu ainda assim constituir um grupo de trabalho com alguns trabalhadores do sector, construímos uma proposta de Contrato colectivo, pese embora tenhamos consciência que em alguns dos pontos são dificieis de conciliar por força da barreira tão ténue entre trabalhador assalariado ou por conta de outrem e o falso trabalhador independente, mas que no essencial respeita as orientações do Movimento Sindical Unitário.

Já apresentámos esse documento a todas as instituições reguladoras nomeadamente AMT, AML, IMT, bem como ao Ministério do Ambiente e Ação Climática e aos Grupos Parlamentares da A.R.

Conseguimos concretizar duas acções de rua muito bem participadas, mas quanto a respostas para ultrapassar esta situação por parte do Governo, temos de dizer com rigor e verdade até ao momento nenhuma.

Assim, parece-nos muito importante este debate com os representantes do Grupo Parlamentar do PCP no Parlamento Europeu, não só como base de trabalho e conhecimento, mas particularmente pela necessidade de uniformização e reconhecimento destes trabalhadores claramente por conta de outrem, ou seja das plataformas, à semelhança do que aconteceu esta semana no Reino Unido, pois apenas desta forma conseguiremos com o envolvimento de todos, Trabalhadores e Sindicato lutar por condições laborais que os protejam em todas as vertentes.

Por último referir que vamos agora iniciar trabalho com os Trabalhadores da Uber hits, temos nesta altura um sócio, mas estamos conscientes que vai ser um trabalho também difícil, ainda não conhecemos bem a realidade dos trabalhadores, os seus problemas concretos, mas estamos conscientes que o grau de precariedade é elevadíssimo, ao qual acresce o facto de existir um grande número de trabalhadores migrantes, acreditamos que inclusive um número muito significativo destes está em situação ilegal no nosso país, o que provavelmente trará dificuldades acrescidas, pois estamos a falar de realidades sociais muito diferentes, logo exigirá modos de abordagem igualmente desafiantes mas necessários, para os quais necessitamos de maior conhecimento e muita ajuda.

Não podemos desistir….a defesa dos direitos dos trabalhadores obriga-nos a trabalhar e agir.

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