Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «Liberdade e Democracia – Os valores de Abril no Futuro de Portugal»

O PCP não desistirá de lutar pela concretização de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural

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Aqui estamos a celebrar a Revolução de Abril nesta terra que a canção que se tornou símbolo de Abril e de um povo que ama a liberdade e a democracia elegeu como terra da fraternidade.

A Revolução de Abril reúne-nos aqui nesta praça que o povo desta terra quis que fosse de homenagem a esse acontecimento ímpar da secular História da pátria portuguesa, tal como continua a reunir e congregar com júbilo os portugueses por todo o País, porque o seu significado profundo, os seus valores e os seus ideais não só permanecem na memória e no coração do nosso povo, como são pela sua actualidade e capacidade mobilizadora um guia para a nossa acção colectiva na construção de um Portugal mais fraterno e solidário, mais livre, democrático e desenvolvido.

Comemorarmos a Revolução do 25 de Abril e, neste acto de elevação dessa gloriosa madrugada e do processo que se seguiu, celebramos a luta heróica de anos e anos de resistência e combate ao fascismo, o sacrifício e a coragem de gerações de portugueses.

Celebramos o feito valoroso dos capitães de Abril e o levantamento popular que imediatamente irrompeu, que transformou a acção militar libertadora num processo, abrindo caminho a uma verdadeira revolução democrática.

A Revolução de Abril é património do povo e é património do futuro. Património construído pela luta dos trabalhadores e do povo e ao qual nós comunistas nos orgulhamos de ter dado um contributo inigualável não apenas na longa e heróica resistência que a Abril conduziu, mas em todos os momentos decisivos da sua construção.

Um património de grandes transformações e grandes conquistas, muitas das quais são hoje assimiladas como naturais, como sejam o vasto conjunto de direitos, liberdades e garantias: o direito à vida, à integridade moral e física das pessoas que o fascismo punha em causa.

Esse odioso regime de quase meio século de opressão, atraso económico, social, cultural e civilizacional, analfabetismo, emigração em massa, isolamento internacional e guerra, que usava a violência como instrumento repressivo de protecção e sustentação da ditadura terrorista dos monopólios e latifúndios.

Muitas e importantes transformações de um enorme alcance na nossa vida colectiva, como foram as medidas tomadas a favor dos trabalhadores no plano dos direitos laborais e sociais, como a liberdade sindical, o direito à greve e a não ser despedido sem justa causa, o Serviço Nacional de Saúde, tão decisivo e fundamental neste tempo de epidemia, o qual precisamos de continuar a defender e agir para que se reforce, mas também nos domínios da educação, segurança social, do direito à igualdade das mulheres no trabalho, na família, na sociedade, e direitos da juventude.

Grandes e importantes conquistas e transformações que operaram mudanças também na estrutura económica com as nacionalizações de sectores estratégicos e valorizando o papel das pequenas e médias empresas e aqui, nestas terras do latifúndio, com a democratização do acesso à terra e com a criação de novas formas de organização e gestão do trabalho nos campos com a Reforma Agrária, combatendo a acção dos latifundiários, desbravando terras incultas e desenvolvendo a produção agrícola e pecuária, criando emprego, e lá no Norte do País conquistando o direito ao uso e à gestão dos baldios pelos povos.

Grandes transformações que permitiram ao povo a conquista do direito de decidir sobre os problemas das suas terras e do seu desenvolvimento com a institucionalização do Poder Local democrático.

Conquistas que acabaram por ser consagradas na Constituição aprovada há 45 anos, por uma Assembleia Constituinte eleita em 25 de Abril de 1975, nas primeiras eleições livres e com sufrágio universal realizadas em toda a nossa História.

Sabemos que o texto constitucional que hoje temos não corresponde ao que foi aprovado em 1976. Alguns aspectos fundamentais da Constituição da República aprovada foram sendo eliminados ou descaracterizados pela acção conjunta de PS, PSD e CDS numa ofensiva que não se limitou à revisão da Constituição, mas que se traduziu também numa prática política e governativa de décadas de subversão das conquistas do povo e de reposição e reconstrução dos velhos privilégios dos senhores do dinheiro, dos monopólios e da terra.

É longa a lista dos ataques que promoveram contra os direitos, salários e reformas dos trabalhadores. É longa a lista dos ataques às funções sociais do Estado e aos direitos das populações à saúde, à educação, à mobilidade, no acesso a serviços de qualidade que liquidaram ou deixaram degradar e que atingem particularmente as populações dos concelhos do interior. É longa a lista de medidas que conduziram à regressão dos sectores produtivos e ao crescimento dos fenómenos de regressão demográfica e social de uma parte significativa do País.

A deliberada acção de restauro do poder do grande capital promovida pelos partidos da política de direita e de recuperação capitalista, traduziu-se igualmente num regresso à crescente submissão do poder político ao poder económico e ao surgimento de fenómenos de promiscuidade e corrupção existentes e próprios do fascismo, onde a absoluta fusão entre o poder político fascista e os grandes interesses económicos e financeiros era uma realidade silenciada por uma censura férrea.

Muitos dos problemas de corrupção que justamente indignam o nosso povo, e que agora se expressam também à volta do caso judicial conhecido como “Operação Marquês”, têm no processo da restauração capitalista e monopolista privatizadora as suas verdadeiras causas.

Inerente à natureza do capitalismo e à sua lógica de acumulação, a corrupção é potenciada por uma política de instrumentalização do Estado a favor dos grupos económicos e pela teia de interesses e cumplicidades que ela cria, bem patente nessa placa giratória que faz rodar em permanente concubinato conselhos de administração de empresas e membros de governos como temos assistido durante anos, mas também pela ausência de verdadeiras medidas para combater este negativo fenómeno.

Alguns dos que promoveram e defendem tais políticas e tais práticas, aparecem hoje com um discurso hipócrita de falsa indignação, a anunciar que o regime está doente. Responsabilizam o regime para limparem as suas responsabilidades políticas, mas essencialmente para continuar a dar força a um projecto de liquidação do regime democrático e de subversão da Constituição que nunca abandonaram.

Em geral são os mesmos ou pertencem aos mesmos partidos que fogem a reconhecer e combater as verdadeiras causas da corrupção. Os que, em geral, se têm oposto ao conjunto de propostas avançadas pelo PCP para o seu combate.

Combate que o PCP tem travado nos mais diversos momentos com propostas concretas na Assembleia da República: enriquecimento injustificado que renovámos novamente, combate aos off-shore, à fuga de capitais e à criminalidade económica e financeira; reforço da cooperação judiciária internacional; reforço dos meios de fiscalização e inspecção do Estado e das entidades competentes; reforço dos mecanismos que impedem os membros do governo de transitar para os conselhos de administração dos grupos económicos, controlo apertado do registo de interesses e de situações de incompatibilidades; reforço dos meios de investigação criminal; proposta, agora retomada, relativamente à proibição do recurso pelo Estado à arbitragem em matéria administrativa e fiscal, pondo fim ao regime de privilégio que é concedido aos grandes devedores de impostos ou às concessionárias dos contratos de PPP.

Sim, é verdade que muitas das principais conquistas de Abril foram destruídas e os novos e velhos senhores do capital voltaram a amassar fortunas por vários caminhos, com a tomada nas suas mãos das alavancas fundamentais da nossa economia que passaram a estar ao serviço dos seus exclusivos interesses, enquanto o País viu acumularem-se profundos défices estruturais, uma elevada dívida pública, preocupantes desigualdades sociais, profundos desequilíbrios territoriais e graves problemas ambientais.

Problemas que estão hoje agravados pela epidemia e pelo aproveitamento que o grande capital dela faz, ampliando a exploração, a pobreza de largas camadas populares, para servir os seus interesses imediatos de acumulação e maximização do lucro.

Os dados estão aí e são indesmentíveis. Enquanto a pobreza e o universo dos mais de 2 milhões de pobres se alarga neste último ano de Covid-19. Enquanto milhares de trabalhadores foram confrontados no último ano com o desemprego e milhares vêm regredir as remunerações do seu trabalho numa parte do ano com o lay-off e outros milhares de micro e pequenos empresários viram as suas actividades encerradas e seus rendimentos diminuídos. As Contas Nacionais do País já divulgadas, relativas a 2020, dizem-nos que os accionistas e famílias do conjunto das empresas receberam 7,4 mil milhões de euros de dividendos, mais 332 milhões do que em 2019. E indo ao particular do que já se conhece, vamos ver as contas já divulgadas dos 13 grupos económicos do chamado PSI-20 a operar no País e verificamos que os seus lucros rondam os 2 260 milhões de euros e que os seus accionistas arrecadaram a sua quase totalidade, 1 938 milhões, cerca de 85% dos lucros, e depois são estes mesmos que aparecem, através das suas grandes confederações, a reivindicar a prioridade de acesso aos milhões da tal bazuca. Estamos a falar da NOS, da SONAE, da BRISA, da GALP Energia, da EDP, CTT, Jerónimo Martins, Corticeira Amorim, entre outras. A economia anda para trás, mas os dividendos dos accionistas dos grupos económicos não param de subir!

Os tempos que vivemos, neste momento de comemoração do 47.º aniversário da Revolução de Abril não são tempos fáceis para quem trabalha e para o nosso povo.

E é por isso que, num momento que se anunciam milhões e milhões, mais do que nunca se impõe integrar a sua aplicação numa estratégia nacional, orientada para o desenvolvimento geral do País, para a redução das assimetrias e para a promoção da coesão territorial, mas também para responder aos muitos problemas sociais agravados neste tempo de epidemia, fazendo chegar rapidamente os apoios previstos no Orçamento do Estado para 2021.

Portugal é dos países da União Europeia que menos meios colocaram na resposta aos impactos da epidemia e com o Governo a pôr à frente da resposta aos problemas das pessoas os critérios do défice assumido como a grande prioridade, opondo uma inexplicável resistência ao reforço dos apoios como vimos nestes últimos dias com o seu recurso para o Tribunal Constitucional uma decisão nesse sentido da Assembleia da República.

Perante uma situação nacional marcada pela degradação económica e social, onde pesa de forma cada vez mais preocupante o desemprego e a pobreza, mas também a realidade dos baixos salários, da precariedade, o que se impunha era uma outra mais audaciosa política em defesa dos interesses populares e não uma política de cedência aos interesses do grande capital.

Não fosse a acção e intervenção do PCP com a sua iniciativa e proposta a situação seria ainda mais grave que aquela que se apresenta. Foi com a intervenção e proposta do PCP que foi possível assegurar, designadamente, o pagamento dos salários a 100% a mais de 280 mil trabalhadores em lay-off desde o princípio do ano, renovar o subsídio de desemprego por mais seis meses a mais de 40 mil trabalhadores, em 2021, contratar milhares de trabalhadores nos serviços públicos ou, apesar de insuficiente, reconhecer os direitos aos pais que acumulam teletrabalho com o apoio a filhos menores.

Muitas outras propostas e iniciativas visando responder a problemas prementes não se concretizaram porque foram inviabilizadas a partir da convergência entre PS e PSD, nomeadamente no combate à epidemia, designadamente com a sua recusa da proposta do PCP de diversificação da compra de vacinas, a grande opção para rapidamente controlar a epidemia em Portugal, e por fim ao pára-arranca do confinamento e dos infindáveis estados de emergência.

Vacinação, rastreio, testagem e apoios sociais são os elementos centrais da resposta que é preciso concretizar para ultrapassar o problema sanitário que continuamos a enfrentar e os graves problemas económicos e sociais que decorrem do confinamento.

Essa tem sido a alternativa que o PCP tem defendido e continuamos a bater-nos para que ela se concretize.

As vacinas são a grande solução para o problema da epidemia no presente e, a prazo, um bem público de interesse universal que tem de ser posto à disposição da Humanidade para debelar o problema de saúde pública que fustiga os povos de todo o mundo.

Contudo, o que vemos é uma política a reboque dos interesses das multinacionais farmacêuticas, secundarizando a vida e a saúde das pessoas.

A recuperação dos impactos da epidemia na saúde, na educação, no tecido económico, na cultura, nas entidades públicas e privadas, requer uma resposta audaz que urge e uma definição de prioridades e critérios que terá de privilegiar o interesse dos trabalhadores, do povo e do País.

Resposta que não virá, como nunca veio, nem das imposições, nem dos critérios e orientações da União Europeia, incluindo do chamado Plano de Recuperação e Resiliência que o Governo apresenta como grande solução.

A resposta necessária requer a mobilização de todos os recursos disponíveis – do Orçamento do Estado aos fundos comunitários ou a outras formas de financiamento – subordinada a uma estratégia de desenvolvimento soberano, que rejeite novos espartilhos decorrentes do Euro contrários ao desenvolvimento do País.

Requer uma política que assegure a valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos salários e das reformas, o combate à precariedade, a concretização do objectivo do pleno emprego como elementos centrais da dinamização do mercado interno – para o qual vivem a esmagadora maioria das Micro, Pequenas e Médias Empresas – e do desenvolvimento nacional.

Uma política que dinamize a produção nacional e responda a atrasos no plano das infraestruturas e equipamentos; valorize os serviços públicos; assegure o controlo público das empresas e sectores estratégicos; o direito à cultura e à prática desportiva e que aponte a democratização da sua fruição como elemento central para o bem-estar do povo.

O País não está condenado à política que ao longo de décadas arrastou Portugal para a dependência e que condiciona o seu desenvolvimento.

Nestes tempos de comemoração e com o Abril aí à porta o Abril da Revolução, mais uma vez se reafirma que o PCP não desistirá de lutar por uma política conforme à Constituição, visando concretizar o caminho que ela preconiza – a construção em Portugal de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural.

São muitos e importantes os combates de Abril e por Abril que estamos a travar e temos que continuar a travar.

Aos que contemplam hoje a sua obra de destruição e fazem planos contra Abril, nós dizemos: o projecto de Abril inscreve-se ainda na Lei Fundamental. Os seus valores continuam a ter validade e actualidade.

Do desenvolvimento económico tendo como objectivo a melhoria da qualidade de vida das populações e o pleno emprego, emanam os valores da justa e equilibrada distribuição da riqueza, da economia ao serviço das pessoas e da justiça social.

Da reforma agrária e dos baldios emana o valor da terra a quem a trabalha e o ancestral valor comunitário da terra.

Das nacionalizações emana o valor, a necessidade e possibilidade de pôr fim ao poder dos monopólios.

Dos direitos laborais emana o valor do trabalho e dos trabalhadores.

Do Estado para responder às necessidades do País em oposição ao Estado que temos como instrumento de uns poucos, emana o valor do Estado ao serviço do povo.

Da independência e soberania nacionais emana o valor do povo português decidir do seu futuro e da sua pátria.

Estes valores que Abril mostrou serem seus, como seus são os que emanam das suas grandes conquistas e realizações, não só continuam a reflectir os interesses da larga maioria dos trabalhadores e do povo, como exprimindo esses interesses têm a capacidade para guiar o nosso caminho na luta de hoje e na construção do futuro do País e da construção de uma vida melhor para o nosso povo.

Caminho que se abrirá com a vontade, a força e a luta dos trabalhadores e do povo e com o reforço desta grande força de Abril que é o PCP!

Nós temos a firme convicção que o generoso projecto de Abril e os seus valores e conquistas acabarão por se revelar como uma necessidade objectiva na concretização de um Portugal fraterno e de progresso.