Declaração de João Ferreira, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Direito à vacinação, imperativo de saúde – A estratégia que se impõe

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Para além de outras importantes e urgentes medidas, uma das formas mais eficazes de combate à pandemia de Covid-19 é concretizar, o mais rapidamente possível, o processo de vacinação, em cada país, em todo o mundo.

A vacinação é essencial para salvar vidas. É essencial, também, para retomar mais pronta e plenamente a actividade económica e social, sem os pesados constrangimentos actuais e os decorrentes prejuízos.

Em Portugal e na União Europeia (UE), a vacinação está a avançar mais lentamente do que inicialmente previsto. Mais lentamente, também, do que seria possível e necessário garantir, tendo em conta vacinas já desenvolvidas. Alcançar até ao fim do Verão com a vacinação a imunidade de grupo necessária exige, atendendo à situação conhecida, que se tomem medidas excepcionais.

As dificuldades evidentes no curso do processo de vacinação, resultantes de constrangimentos do lado da produção, não são conjunturais. Resultam da opção de fundo que foi tomada, por uma estratégia assente exclusivamente em parcerias público-privado (PPP), celebradas entre a Comissão Europeia e seis multinacionais farmacêuticas: BioNTech-Pfizer, Moderna, AstraZeneca, Johnson and Johnson, Sanofi-GSK e CureVac.

A UE financiou, com recursos públicos, a produção de vacinas. Financiou a fase de investigação e desenvolvimento; financiou seguros de risco; comprou antecipadamente vacinas. Porém, abdicou de quaisquer direitos de propriedade sobre a invenção que financiou. O ritmo de produção das vacinas é, assim, determinado pela capacidade produtiva das farmacêuticas e pela gestão que as mesmas fazem do processo, em função dos seus interesses comerciais, inclusive na resposta aos vários pedidos de aquisição. Os milionários lucros que as multinacionais farmacêuticas têm vindo a anunciar têm como contrapartida o avanço mais lento na vacinação.

Portugal é, neste momento, um dos países mais prejudicados pelos atrasos anunciados pelas farmacêuticas, uma vez que nas opções de compra que fez adquirem maior peso as vacinas da AstraZeneca, que são das que estão mais atrasadas, face aos compromissos que haviam sido assumidos. Esta mesma farmacêutica, ao mesmo tempo que atrasa o fornecimento de vacinas, acaba de anunciar um aumento de 159% dos seus lucros em 2020, face a 2019.

Portugal, como outros países, não pode ficar prisioneiro dos interesses das multinacionais farmacêuticas, nem de quem os defende. Se o grande obstáculo ao avanço da vacinação está na falta de vacinas devido à falha de compromisso das farmacêuticas relativamente às entregas com que se tinham comprometido contratualmente, então torna-se necessário adoptar medidas de defesa do interesse público.

As vacinas podem e devem ser produzidas em massa, nos laboratórios preparados para o fazer. Aproveitando a capacidade produtiva existente e potenciando-a, alargando-a, em todos os países. Tal requer que a saúde pública prevaleça sobre os direitos de propriedade intelectual. Por outras palavras, requer abrir as patentes, o que pode ser feito quer através de uma negociação, que as liberte a preços razoáveis, quer usando mecanismos legais existentes para o efeito.

Na semana passada, no debate que ocorreu no Parlamento Europeu, a presidente da Comissão Europeia reiterou a sua recusa em prosseguir este caminho. A Comissão Europeia tem, igualmente, recusado divulgar todos os elementos dos contratos que assinou com as multinacionais farmacêuticas. Esta situação é tanto mais inaceitável quanto esses contratos envolveram vultuosos investimentos públicos.

Entretanto, importa não esquecer que não existem apenas as três vacinas desenvolvidas pelos laboratórios farmacêuticos financiados e contratualizados pela UE. Neste momento, estão em graus diversos de desenvolvimento perto de duas centenas de vacinas, envolvendo um largo número de países.

Cerca de uma dúzia de vacinas foram já aprovadas por autoridades regulatórias nacionais diversas e estão a ser alvo de avaliação pela comunidade científica. Esta avaliação, nalguns casos, tem vindo a confirmar níveis de eficácia e de segurança assinaláveis. Algumas destas vacinas, produzidas por instituições públicas, fora da lógica das PPP seguida pela UE, têm fabrico autorizado em países diferentes daqueles em que foram desenvolvidas, mediante acordos que não envolvem astronómicos custos de patentes.

Neste contexto, exige-se que o Governo português não fique parado e tome iniciativa.

Por um lado, Portugal deve iniciar, desde já, um processo de estudo e concretização, de forma soberana, da aquisição de vacinas noutros países, além do quadro da UE, garantindo condições para uma mais rápida concretização do acesso universal dos portugueses à vacinação. Este processo deve prever, igualmente, a criação de condições para que, num futuro próximo, se garanta produção nacional neste domínio.

Sublinhe-se que vários países que integram a UE anunciaram, e alguns concretizaram, a intenção de diversificar opções de compra de vacinas, não ficando amarrados unicamente às vacinas disponibilizadas pela UE, assim garantindo um avanço mais rápido da vacinação das respectivas populações.

Por outro lado, exercendo a Presidência do Conselho da UE, Portugal deve contribuir para superar os actuais bloqueios no fornecimento de vacinas, resultantes de uma estratégia focada unicamente no financiamento público das multinacionais farmacêuticas. O Governo português deve tomar iniciativa, junto dos demais Estados-Membros, tendo em vista uma estratégia de cooperação com outros países, mais avançados na produção e distribuição de vacinas, para, a partir daí: diversificar opções de compra ao nível da UE, podendo assim disponibilizar mais rapidamente vacinas aos seus Estados-Membros; e criar condições para garantir um avanço mais rápido da vacinação a nível mundial.

O mecanismo COVAX, criado para acelerar o acesso às vacinas por parte dos países em desenvolvimento, neste momento, está a revelar ser insuficiente, até mesmo para chegar aos grupos prioritários. A prioridade dada aos interesses das multinacionais farmacêuticas, naturalmente, para isso contribui.

Importa não esquecer que a eficácia da vacinação depende da amplitude e rapidez da sua concretização. É necessário que as vacinas cheguem a todos os países e às respectivas populações, sem exclusões.

Conseguir, em menos de um ano, dispor de vacinas contra a Covid-19 constituiu um enorme feito da ciência. O financiamento público dos esforços de investigação e desenvolvimento, em milhares de milhões de euros, a contribuição de milhares de médicos, cientistas e enfermeiros, e doentes de todo o mundo, foram a chave deste feito. Razão pela qual as vacinas devem ser consideradas um bem público mundial, acessível a todos.

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