Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública «Defender a TAP, os seus trabalhadores e a soberania nacional»

Defender a TAP, os seus trabalhadores e a soberania nacional

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Permitam-me que, antes de me centrar no que aqui nos reúne, adiante duas palavras sobre a situação que o País vive com a evolução da epidemia e as medidas que se impõem.

Na audiência que há pouco tivemos com o Presidente da República tivemos ocasião de reafirmar aquilo que consideramos fundamental:

- é preciso responder decididamente às medidas de reforço do Serviço Nacional de Saúde (incluindo com a concretização das medidas que no Orçamento do Estado ficaram consagradas, muitas por proposta do PCP;

- garantir uma efectiva protecção sanitária nos locais de trabalho e no transporte de todos aqueles que têm de ir trabalhar todos os dias;

- num momento em que se renovam limitações à actividade, decorrentes de novos confinamentos e da interrupção das actividades lectivas, emerge com particular acuidade a mobilização de meios e recursos. Impõe-se o apoio, a protecção social e salvaguarda da remuneração a 100% para os trabalhadores, dos direitos daqueles em situação de teletrabalho, incluindo o de assistência à família. Impõe-se responder ao futuro de milhares de pequenas empresas, a par de uma decidida aposta no investimento público, capaz de contribuir para a dinamização económica;

- acelerar o processo de vacinação a toda a população, recorrendo se necessário à diversificação da sua aquisição.

Na sequência da pandemia e das medidas tomadas para mitigar a propagação do vírus, o sector da aviação comercial enfrenta uma crise global. A crise é tão profunda que os estados viram-se perante uma simples alternativa: ou apoiar o sector ou permitir a sua liquidação por muitos e bons anos.

Logo em Março, em declaração política na Assembleia da República, alertámos o País para esta necessidade. E cito: «A TAP precisa de meios para conseguir suportar vários meses sem as receitas decorrentes da sua operação e cumprindo o essencial dos compromissos a que está obrigada. Meios que poderão representar largas centenas de milhões de euros, mas que serão sempre inferiores aos custos da sua destruição. O Estado português deve assumir a responsabilidade no imediato pela gestão pública da empresa. Exigindo da União Europeia que cheguem à TAP os apoios já anunciados para o sector da aviação civil. Travando a entrega da empresa ao grande capital estrangeiro e transformando os recursos públicos – nacionais ou de fundos comunitários – que sejam necessários mobilizar para salvar a companhia, em capital social da empresa.»

E há uma ideia que é fundamental deixar claro. Os Estados teriam de salvar todas as empresas, as públicas e as privadas, isso era uma evidência desde o início. A discussão com a direita é outra: é que eles acham que os Estados devem oferecer e dar o dinheiro aos privados e nós defendemos que os apoios públicos devem ser convertidos em propriedade pública.

Estarão agora alguns de vocês a pensar, face à experiência concreta dos últimos meses: «e para que nos serve a propriedade pública, se as administrações nomeadas pelo Estado adoptam os piores tiques da administração privada?» Pois. É que não basta nacionalizar a TAP e os sectores estratégicos. É preciso colocar as empresas públicas ao serviço do desenvolvimento do País. É preciso aquilo a que nós chamamos a ruptura com a política de direita, e a adopção de uma política patriótica e de esquerda, com um governo capaz de a concretizar.

Porque é evidente que o que o Governo PS está a fazer é inaceitável, e na prática insere-se numa lógica economicista errada, que a não ser travada vai conduzir à reprivatização da TAP e à sua destruição.

É inaceitável que o Governo condicione o apoio à TAP a um processo de reestruturação, quando no resto da União Europeia e do mundo os governos estão a adoptar planos de contingência para salvar o sector. Em Novembro, 173 mil milhões de euros já tinham sido libertados para apoiar as companhias aéreas, que sofreram perdas de 118 mil milhões de euros em 2020 e vão continuar a perder dinheiro em 2021. Só nos Estados Unidos, três das principais companhias - a United, a American Airlines e a Delta - já receberam mais de 5 mil milhões de euros cada e a fundo perdido, sem contar com quase outro tanto em empréstimos bonificados.

É inaceitável o processo adoptado para chantagear os trabalhadores a submeterem-se a uma redução dos seus salários. O recurso a um decreto-lei de 1977 para ameaçar com a suspensão da contratação colectiva se os sindicatos não se submeterem à chantagem e não aceitarem «voluntariamente» a revisão de direitos, salários e rendimentos. Um processo em confronto com a Constituição e imoral, que prossegue a visão errada de que os salários dos trabalhadores são o grande problema da TAP.

É inaceitável que o conteúdo do processo de reestruturação que se vai desenvolvendo seja sobretudo para aproveitar a ocasião para implementar medidas que reduzam os custos da TAP através de um ainda maior recurso à prestação de serviços externos e à subcontratação, precarizando a vida de quem trabalha no sector e a qualidade da resposta operacional.

É inaceitável que o Governo recuse a participação dos trabalhadores no processo de reestruturação, afrontando a Constituição. A TAP, a SPdH, a Cateringpor, a Portugália, têm futuro com os seus trabalhadores e não contra os seus trabalhadores.

Mas se é inaceitável o que o Governo PS está a fazer, o comportamento das forças ainda mais à direita é ainda mais lamentável. Perante o fracasso da privatização que ilegalmente impuseram, agora passaram a defender que é melhor deixar encerrar a TAP ou vendê-la à Lufthansa. Eles que promoveram a entrega de dezenas de milhares de milhões de euros para salvar meia dúzia de banqueiros, agora defendem que Portugal não deve gastar um ínfima parte desse valor a salvar um sector estratégico para o País.

No fundo o que defendem é que não apoiemos a TAP, fiquemos sem companhia de aviação, e quando a actividade retomar passemos a comprar os serviços às companhias aéreas estrangeiras que os respectivos estados salvaram. Ou seja, não gastamos agora para salvar o que é nosso para ficarmos o resto da vida a ajudar a pagar o resgate das companhias dos outros. No fundo, a mesma lógica que aplicaram nos múltiplos processos de liquidação do aparelho produtivo nacional, e que criaram a situação de dependência económica com que o País está confrontado.

Nós temos a perfeita noção da importância que a TAP tem para o país. Sabemos bem a imensa riqueza que a TAP cria cada ano, apesar das sistemáticas campanhas erguidas contra ela. Sabemos que ao pagar centenas de milhões de euros de salários em Portugal a TAP está a dinamizar a actividade económica. Sabemos que, ao pagar mais de cem milhões de euros à Segurança Social cada ano, a TAP está a ajudar à sustentabilidade de um sistema que é essencial para quem trabalha ou trabalhou. Sabemos que o facto de contribuir, cada ano, com mais de mil milhões de euros para as exportações nacionais é um factor de desenvolvimento não desprezável. Sabemos que o facto de a TAP existir e ter a capacidade que tem nos liberta de uma parte das chantagens das multinacionais do sector, que têm que concorrer com a TAP em vez de poderem impor condições e preços ao País.

Quer isto dizer que estava tudo bem com a TAP e nada precisava de ser mudado? Claro que não. Estamos abertos a uma profunda discussão sobre a TAP, mas essa discussão tem que assentar primeiros as suas bases. E para o PCP, essas bases são as seguintes:

- Depois de dois processos de privatização que quase destruíram a empresa, o da venda à Swissair e o que agora termina, é tempo de deixar de colocar a privatização como o objectivo das políticas públicas para a TAP. A TAP só sobrevive enquanto empresa nacional e pública.

- A sobrevivência da TAP só é possível em luta contra os planos da União Europeia, que desde há muitos anos tem deixado claro o seu desejo de fazer das companhias dos países centrais grandes actores do mercado mundial à custa da liquidação das companhias nacionais dos restantes Estados-Membro.

- A TAP cria uma riqueza importante para o País, e o que é preciso é aprofundar a sua ligação ao aparelho produtivo nacional e ao conjunto das actividades económicas desenvolvidas em Portugal.

- Os trabalhadores da TAP e do conjunto das empresas do grupo TAP desempenham um papel essencial neste processo, não são um custo ou um problema. O problema está quando as empresas nacionais em vez de criarem empregos de qualidade preferem apostar na precariedade, na prestação de serviços e na subcontratação.

Foi nesse sentido que apresentámos recentemente um Projecto de Resolução na Assembleia da República visando a adopção de um plano de contingência para a TAP. Em vez do plano de reestruturação que o Governo submeteu à União Europeia, é preciso que seja adoptado um plano de contingência para enfrentar os efeitos do surto pandémico e impedir que esta crise se traduza na destruição de mais uma componente do aparelho produtivo nacional. Um plano de contingência deve assentar nos seguintes princípios:

- Manutenção da actual força de trabalho com os níveis de resposta operacional necessários num sector como o da aviação. O facto de o sector durante três anos ter uma produção inferior cria naturalmente a necessidade de reduzir a utilização da força de trabalho, acabando com o trabalho extraordinário e reduzindo horários de trabalho.

- Manutenção, no essencial, da frota e destinos voados em 2019, com eventuais alterações ditadas pela experiência concreta de 2019 e não por uma vontade pré-determinada de cortar oferta. Uma outra área onde importa ajustar a oferta é na redução do recurso à subcontratação de voos e tripulações, uma prática que degrada o emprego no sector e a relação dos passageiros com a companhia.

- Fim dos processos de flexibilização das relações laborais, como o despedimento de trabalhadores da TAP para serem depois contratados através de prestadores de serviços.

- Inclusão no perímetro do plano de todas as empresas do Grupo TAP (nomeadamente da SpdH) e das prestadoras de serviços à TAP.

Por fim, da mesma forma, uma política que garanta a sobrevivência do sector de aviação nacional exige a acção conjugada da TAP e da ANA. Na verdade, numa ANA sem voos, há uma companhia que continua a financiar a ANA. A TAP, pois os seus aviões estacionados não tem outra alternativa que recorrer aos aeroportos nacionais, e mesmo parados estão a pagar.

Este nosso projecto de resolução foi chumbado na semana passada pela conjugação dos votos do PS, PSD, CDS, IL e Chega. Mas esse chumbo não significa a derrota de uma visão alternativa para o futuro da TAP e do próprio sector da aviação civil, antes coloca a necessidade de se prosseguir a discussão, a intervenção e a luta em defesa de uma empresa que é estratégica para o País, que é fundamental para um Portugal com futuro.

Os trabalhadores do Grupo TAP, os trabalhadores de todo o sector da aviação civil sabem que podem continuar a contar com o PCP. Nós continuamos a contar convosco no projecto que temos para um País mais desenvolvido e mais justo.

É preciso trazer à ordem do dia a questão da TAP, dos seus trabalhadores e dointeresse nacional que ela comporta.

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