Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Pela justiça, contra a impunidade, contra a demagogia, pela democracia

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Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

A política de Justiça é uma trave mestra do Estado de Direito Democrático e qualquer dúvida sobre a sua solidez é sempre um perigo para a democracia.
Garantir um sistema de Justiça em que os cidadãos possam confiar; garantir a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público; garantir os meios necessários para a investigação e julgamento atempado de todas as formas de criminalidade; garantir a todos cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; garantir um sistema prisional respeitador dos direitos humanos e com capacidade de ressocialização; garantir os serviços públicos necessários para a segurança dos atos com relevância jurídica, são objetivos cuja realização interpela o poder político democrático.

O ciclo político que se iniciou no final de 2015 com a atual equipa ministerial, cuja orientação se manteve no essencial em 2019, começou bem, com a reabertura dos tribunais que haviam sido encerrados pelo Governo PSD/CDS, mas esse começo auspicioso não teve a necessária continuidade na resolução de outros problemas muito graves que continuam a afetar o funcionamento da Justiça.

Numa palavra: não houve ao longo destes anos o investimento que se impunha, e se impõe, para que o sistema judiciário possa corresponder eficazmente à realização dos imperativos constitucionais.

Os tribunais continuam com uma clamorosa falta de funcionários que afeta gravemente o seu funcionamento. O estatuto dos funcionários judiciais, prometido há muitos anos, continua inaceitavelmente bloqueado. Não é aceitável que depois de desbloqueados, e bem, os estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, não haja idêntica consideração no que se refere aos funcionários judiciais.

O acesso aos tribunais continua a ser uma miragem para os cidadãos que não têm condições financeiras para suportar as custas judiciais e os custos do patrocínio judiciário. É certo que, por proposta do PCP em sucessivos Orçamentos do Estado desde 2016, tem sido congelado o valor das custas judiciais, mas isso não resolve o problema de fundo. E o problema de fundo é que a maioria dos cidadãos nem tem dinheiro para recorrer aos tribunais nem tem direito a apoio judiciário da parte do Estado, vendo o seu direito à Justiça ser denegado por insuficiência de meios económicos.

Os serviços de registos e notariado continuam a vegetar. Não só não são resolvidos os problemas estatutários dos respetivos profissionais que se arrastam há longos anos, como não são resolvidos os problemas de instalações inadequadas e de funcionalidade dos serviços na sua relação com os cidadãos que levam a que seja preciso esperar meses para resolver coisas tão simples como a renovação do cartão de cidadão.

Em vez de tomar medidas para resolver problemas reais e prementes, o Governo apresenta projetos indefinidos a longo prazo.

No sistema prisional, há um plano para dez anos que parece não passar do ano zero, mas no presente, não há guardas prisionais e outros profissionais em número suficiente, o corpo da Guarda Prisional tem uma equiparação legal à PSP que não é cumprida, faltam no sistema as condições mínimas o cumprimento da sua função ressocializadora.

No plano do combate à corrupção, em vez de dotar a Polícia Judiciária e o Ministério Público como os meios humanos, materiais e financeiros indispensáveis a um eficaz combate à criminalidade económica e financeira, o Governo põe em discussão pública mais um documento para uma “estratégia nacional de combate à corrupção”.

Em matéria de combate à corrupção, o que o país precisa não é de planos estratégicos nem de concursos de ideias. O que importa é dar cumprimento à Resolução da Assembleia da República n.º 91/2010 sobre as medidas destinadas ao reforço da prevenção e do combate à corrupção.

O PCP sempre deu provas do seu empenhamento, designadamente nesta Assembleia, na aprovação e medidas políticas e legislativas que permitam uma defesa eficaz do Estado democrático contra a corrupção.

Fizémo-lo aqui há mais de 30 anos, ao suscitar o debate sobre a gritante falta de meios de combate à corrupção denunciados pelo Procurador-Geral da República Cunha Rodrigues no tempo dos Governos de Cavaco Silva e contribuímos para a aprovação de medidas legislativas que fazem com que a situação esteja hoje bem melhor do que estava nessa altura.

Hoje há figuras públicas ligadas ao mundo da política, do sistema financeiro, do meio empresarial, da banca, do futebol ou da justiça, condenados ou arguidos por crimes de corrupção. Estes factos são inseparáveis dos passos que foram dados em sede legislativa e não devem ser desvalorizados.

O PCP não alinha no discurso daqueles que enchem a boca de frases gongóricas contra a corrupção e reivindicam para si o estatuto de serem as únicas pessoas sérias neste mundo, mas que convivem bem com as PPP, com os off-shores onde se escondem os capitais branqueados, com a promiscuidade entre a política e os negócios, com a evasão fiscal dos poderosos ou com a drenagem de recursos públicos a favor de lucros privados.

A história tem dados exemplos eloquentes de que é atrás do discurso anti-corrupção que se escondem os maiores corruptos e aqueles que, em nome do combate à corrupção mais não querem do que liquidar princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático.

Insistimos, por isso: o que o país precisa não é de mais planos e estratégias no papel. É de mais meios para o Ministério Público, para a Polícia Judiciária e para as Inspeções gerais. De mais peritos nas áreas financeira, contabilística e informática. De tribunais dotados para conferir mais celeridade aos processos, combatendo justos sentimentos de ineficácia da Justiça devido à sua excessiva morosidade.

É nesse combate que estamos. Pela justiça, contra a impunidade, contra a demagogia, pela democracia.

Disse.

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