Projecto de Lei N.º 372/XIV/1.ª

Cria um regime de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais e revoga a Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de Março

Exposição de Motivos

I

Enfrentamos um momento de grande complexidade e incerteza, considerando a evidência científica existente, mas tendo consciência de tudo o que ainda é desconhecido da comunidade científica sobre o coronavírus. Um momento que exige que tudo seja feito para combater a COVID 19, minimizando os seus impactos na saúde e na vida dos portugueses.

O surto epidémico e as medidas de contingência vieram provocar inúmeros constrangimentos de natureza social, física, mental e cultural a crianças, jovens, adultos e pessoas idosas e portadoras de deficiência ao suspender atividades das creches, jardins-de-infância, centros de atividades de tempos livres, centros de dia e centros de atividades ocupacionais, bem como ao regime e condições de trabalho que garanta a proteção devida aos trabalhadores contra a epidemia.

O surto epidémico da COVID-19 veio demonstrar a insegurança, a insuficiência e a inadequação de meios humanos e técnicos com que se depara o funcionamento das Estruturas Residenciais para as pessoas Idosas (Lar para Idosos) e que, para a correção das anomalias detetadas, são necessárias medidas excecionais, designadamente as que contemplem a proteção e tratamento médico dos utentes e dos trabalhadores infetados pelo novo coronavírus.

O quadro excecional que se vive levou à necessidade de, por razões de saúde, suspender atividades em diversas valências como creches e jardins de infância, bem como Centro de Actividades Ocupacionais e Centros de dia, colocando problemas às famílias e às instituições.

Sobre estas matérias o PCP apresentou quatro perguntas ao governo sobre aspetos centrais, nomeadamente a situação nas instituições da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais; as medidas de apoio às instituições que cuidam da pessoa com deficiência; as respostas a famílias que recorrem a equipamentos sociais e a situação dos trabalhadores deste sector.

É necessário dar resposta aos problemas e dificuldades de carácter conjuntural para um quadro excecional como o que vivemos, mas elas têm de se inserir numa resposta aos problemas estruturais que afetam a rede de equipamentos e serviços na área da Acção Social.

O PCP defende que a garantia dos direitos sociais, incluindo a existência de equipamentos e serviços de apoio aos idosos é uma responsabilidade primeira do Estado. Sucessivos governos têm transferido essa responsabilidade para as instituições particulares de solidariedade social, cujo papel reconhecemos como importante, mas como complemento das respostas públicas a que o Estado está obrigado constitucionalmente.

Por este motivo, o PCP não abdica da resposta pública que deve ser dada no que concerne à Rede de Equipamentos e Serviços no âmbito da Acção social do sistema público de segurança social, sem prejuízo do papel complementar, e nem por isso menos relevante, que atribuímos às IPSS nas diferentes valências.

No presente, importa garantir respostas imediatas que permitam mitigar as consequências do surto epidémico no funcionamento dos equipamentos e serviços desta Rede Social que salvaguardem o seu funcionamento, capacidade e qualidade de resposta às necessidades dos seus utentes, dos seus trabalhadores e das próprias instituições.

II

O Governo publicou a Portaria n.º 82-C/2020, que vem na sequência da já existente Portaria n.º 128/2009 e que, igualmente sobre a égide do exercício de atividades socialmente úteis, colocava os desempregados em entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos a desempenharem funções e a ocuparem de forma transitória postos de trabalho permanentes, durante um ano.

O PCP considera não ser aceitável que o reforço de emergência de equipamentos sociais, de forma temporária e excecional para assegurar a capacidade de resposta das instituições públicas e do sector solidário com atividade na área social, durante o surto epidémico, seja feito por via do recurso, por exemplo, a desempregados abrangidos pelos Contratos Emprego-Inserção (CEI) e Contratos Emprego-Inserção + (CEI+) com um regime extraordinário de majoração das bolsas mensais ou a trabalhadores que, por via da aplicação do lay-off, se encontram com os contratos suspensos ou com horários reduzidos (sendo que estes trabalhadores não podem ser considerados desempregados, dado que mantém todos os seus direitos contratuais).

Não é aceitável que se responda ao problema existente com recurso à precariedade. Em termos práticos, esta Portaria, a pretexto do surto epidémico, pretende colmatar as situações de sobrecarga resultante do surto epidémico com recurso “ao trabalho socialmente útil”, o que na prática significa prosseguir a precarização das relações laborais, com a instabilidade profissional e contratual dos trabalhadores.

Acresce que esta Portaria potencia o aumento dos riscos laborais, dado que são áreas de trabalho muito específicas que necessitam de um período de integração e de acompanhamento dos novos profissionais, o que no momento atual não tem condições de ser concretizado.

Não é esta Portaria que resolve o problema crónico de falta de trabalhadores nas diversas valências de que são exemplo os lares de idosos (cujos rácios devem ser reforçados no presente e para o futuro), tanto mais quanto as medidas de isolamento dos idosos irão prolongar-se no tempo, tendo em conta a necessidade de prevenir e combater o surto epidémico que se prolongará enquanto não houver uma vacina.

Os trabalhadores que ao abrigo desta Portaria são chamados para as instituições têm o direito a um emprego com direitos e não serem destacados para realizar “trabalho socialmente útil”, sobre o qual não serão feitos os descontos para a Segurança Social, nem da parte do trabalhador, nem da parte da entidade patronal.

Ao mesmo tempo, a admissão de estudantes e de formandos destas áreas não reduz os riscos referidos, nem diminui a necessidade de formação e de acompanhamento, dado que estes, pelo facto de se encontrarem em formação, não devem nem podem desempenhar as atividades sem o necessário acompanhamento de um profissional da área.

Ao invés do que se procurou afirmar, não poderia ser através da Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março, que se resolveriam os problemas de falta de meios humanos na saúde, nomeadamente no âmbito do Sistema Nacional de Saúde. Para o reforço durante a situação epidémica já estão previstas, no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, formas mais céleres e expeditas de contratação, assim como a respetiva autorização, através de contratos a termo certo com duração de 4 meses que, ainda que seja uma vinculação precária, é menos prejudicial para o trabalhador que a precariedade que se quer impor com a Portaria n.º 82-C/2020. Para mais, nesta Portaria prevê-se que seja a Segurança Social a suportar os custos deste reforço quando, no SNS, deverá ser o Orçamento do Ministério da Saúde a suportá-lo.

Assim, o PCP propõe, com esta iniciativa a revogação da Portaria n.º 82-C/2020 e a adoção das seguintes medidas:

  1. A criação de uma bolsa de recrutamento que assuma e enquadre a contratação dos trabalhadores que reforçam os equipamentos sociais onde se verifiquem necessidades por suprir;
  2. a contratação de trabalhadores com contrato de trabalho a termo, por um período mínimo de 6 meses inicialmente;
  3. a passagem dos contratos a termo para contratos por tempo indeterminado, com o objetivo de dotar os mapas de pessoal do número de trabalhadores necessário e que se encontram em falta, sendo que, no caso das IPSS deverá ser assegurado o reforço dos rácios exigidos pela Segurança Social nas diversas valências;
  4. a garantia da necessária formação para o desempenho destas funções, considerando grupos sociais com características e especificas, bem como contextos laborais de risco.

Em 2020 estas contratações deverão ser asseguradas por financiamento extraordinário a partir do Orçamento do Estado, a ser gerido pela Segurança Social, sendo que a partir de janeiro de 2021 o reforço de trabalhadores e a conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado devem ser refletidos nos Acordos de Cooperação.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria um regime de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais e revoga a Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março.

Artigo 2.º

Âmbito

O apoio previsto na presente lei destina-se a reforçar o número de trabalhadores em equipamentos sociais onde se verifiquem carências, mesmo que decorrentes do surto epidémico de SARS-CoV-2, nomeadamente devido ao aumento das atividades de apoio social ou ao impedimento temporário dos seus trabalhadores por motivo de doença, isolamento profilático, assistência a familiares ou dependentes.

Artigo 3.º

Bolsa de recrutamento

  1. É criada, na dependência da Segurança Social e sob tutela do ministério responsável pela área da Segurança Social, uma bolsa de recrutamento para reforço de trabalhadores em equipamentos sociais.
  2. A candidatura à bolsa de recrutamento não depende de requisitos especiais.
  3. A bolsa de recrutamento é constituída a partir da seleção de candidatos de acordo com critérios a regulamentar pelo ministério responsável pela área da Segurança Social, considerando, designadamente, a formação e experiência profissional.
  4. Os candidatos selecionados para integrar a bolsa de recrutamento são contratados através de contrato de trabalho a termo resolutivo certo ou incerto, cuja duração não pode ser inferior a 6 meses.
  5. A bolsa de recrutamento será ainda utilizada para o recrutamento de trabalhadores necessário ao alargamento da rede de equipamentos sociais, bem como à criação de uma rede pública de equipamentos sociais geridos de forma direta pela Segurança Social.

Artigo 4.º

Atribuição de funções

  1. A atribuição de funções aos trabalhadores que integrem a bolsa de recrutamento é da responsabilidade da Segurança Social e depende da avaliação das necessidades existentes nos diversos equipamentos sociais e das prioridades a observar no seu preenchimento.
  2. Para os efeitos previstos no número anterior, são considerados os equipamentos sociais de apoio à infância, aos idosos e às pessoas com deficiência que sejam da responsabilidade de entidades públicas, instituições particulares de solidariedade social ou entidades privadas sem fins lucrativos.
  3. A atribuição de funções aos trabalhadores que integram a bolsa de recrutamento nos equipamentos sociais referidos no número anterior é concretizada no respeito pelas normas legais e convencionais em vigor para o setor, incluindo a contratação coletiva em vigor, nomeadamente no que diz respeito à retribuição base e outras prestações retributivas, aos horários e tempos de trabalho, à categoria profissional e ao respetivo conteúdo funcional.

Artigo 5.º

Contratação de trabalhadores

  1. Decorrido o prazo de duração do contrato de trabalho previsto no n.º 4 do artigo 3.º, os contratos a termo são convertidos em contratos por tempo indeterminado desde que o trabalhador manifeste vontade nesse sentido.
  2. Mantendo-se a necessidade do equipamento social em que o trabalhador desempenhava as suas funções, a conversão referida no número anterior é concretizada mantendo-se essa atribuição de funções, desde que o trabalhador manifeste vontade nesse sentido.
  3. Nas situações em que a necessidade do equipamento deixe de existir ou não haja acordo do trabalhador para a manutenção da atribuição de funções, o trabalhador regressa à bolsa de recrutamento com o vínculo resultante da aplicação do disposto no n.º 1.
  4. Os trabalhadores que regressem à bolsa de recrutamento nas condições previstas no número anterior têm preferência em futuros processos de atribuição de funções.
  5. A declaração de que a necessidade deixou de existir impede a contratação pela entidade responsável pelo equipamento social de trabalhador diferente daquele que integrava a bolsa de recrutamento para o desempenho das mesmas funções no prazo de um ano.
  6. A violação do disposto no número anterior implica o pagamento à Segurança Social do valor correspondente ao montante anual da retribuição do trabalhador da bolsa de recrutamento em causa.

Artigo 6.º

Formação

O IEFP, I.P., em conjunto com as entidades referidas no n.º 2 do artigo 4.º, promove as medidas necessárias à formação dos candidatos à bolsa de recrutamento, considerando, designadamente, as funções a desenvolver com utentes com características específicas ou o seu exercício em contexto laboral de risco.

Artigo 7.º

Financiamento e acordos de cooperação

  1. As medidas de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais previstas na presente lei são financiadas através do Orçamento de Estado, sendo os respetivos montantes transferidos para a Segurança Social.
  2. A conversão dos contratos de trabalho, nos termos previstos no artigo 5.º e quando esteja em causa o exercício de funções em equipamentos sociais abrangidos por Acordos de Cooperação com a Segurança Social, é considerada no âmbito do respetivo Acordo de Cooperação a entrar em vigor em janeiro de 2021, devendo refletir o valor correspondente aos montantes despendidos com a remuneração dos trabalhadores em causa pela Bolsa de Recrutamento.

Artigo 8.º

Norma Revogatória

É revogada a Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Artigo 10.º

Produção de efeitos

A presente lei aplica-se aos trabalhadores admitidos nas condições previstas pela Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de março, sendo os respetivos contratos de emprego e inserção convertidos em contratos de trabalho a termo certo, em termos a regulamentar pelo Governo.

Os trabalhadores abrangidos pela conversão prevista no número anterior têm direito à compensação das diferenças salariais verificadas desde o início da prestação de trabalho até ao final da execução do contrato de trabalho a termo.

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