Intervenção de Duroyam Hans Fertl, Consultor Político do Sinn Féin do GUE/NGL -Irlanda, Seminário «O Capitalismo não é verde. Uma visão alternativa sobre as alterações climáticas»

«Para os capitalistas, a crise climática é menos uma ameaça do que uma oportunidade para novos mercados e novos lucros»

«Para os capitalistas, a crise climática é menos uma ameaça do que uma oportunidade para novos mercados e novos lucros»

O desafio das mudanças climáticas não tem precedentes, transcendendo as fronteiras nacionais.

Não vou dizer nada que vocês já não saibam, mas a Terra está literalmente a arder.

Incêndios maciços estão a devorar o mundo.

Os gelos estão a derreter e a perda de biodiversidade está a atingir níveis recorde.

Os microplásticos estão na nossa cadeia alimentar, na água que bebemos e até mesmo na própria chuva.

A ecologia de todo o nosso planeta está ameaçada por mutilações irrecuperáveis.

Precisamos de acções urgentes e radicais, a rápida e abrangente reorganização da indústria da energia, dos transportes, dos padrões de consumo em massa e a transferência maciça de tecnologia limpa para os países em desenvolvimento.

Há apenas um problema: essas acções são impossíveis sob o capitalismo.

Tentativas de tornar o clima uma prioridade política global têm sido repetidamente desencaminhadas pelos interesses das grandes empresas.

Os acordos climáticos globais, de Kyoto a Paris, incluem lamentavelmente medidas inadequadas e promovem mecanismos de mercado amigáveis para as grandes empresas que pura e simplesmente não funcionam.

Os mercados de carbono não reduzem as emissões, mas criam «direitos» de poluir transaccionáveis, protegendo um incentivo perverso para lucrar com a poluição.

Quando não nos está a vender duvidosos mercados de emissões e «indulgências» carbónicas de compensação pelos nossos pecados climáticos, oferece-nos «consumo verde» carros eléctricos, chávenas de café plásticas reutilizáveis, lâmpadas de longa duração.

Essa também é a abordagem subjacente da maioria dos grupos ambientais tradicionais e dos principais partidos verdes.

O pior é que esse é o consenso aceite pela maioria dos activistas ambientais.

Mas deixar as coisas nas mãos dos mercados é uma receita que leva ao desastre.

A lógica interna do capitalismo é procurar constantemente novas oportunidades de lucro qualquer que seja o custo social ou ambiental.

Para os capitalistas, a crise climática é menos uma ameaça do que uma oportunidade para novos mercados e novos lucros.

E mesmo que a ameaça climática fosse resolvida, a sobre-exploração maciça do planeta continuaria e as ameaças ao ecossistema global aprofundar-se-iam.

Não, o capitalismo não pode ser verde. É como o proverbial escorpião que, depois de picar o sapo que o carregava para o outro lado do rio, condenando ambos à morte, só conseguiu dizer: «Não pude evitar. Está na minha natureza».

Falemos da Irlanda.

Apesar de se ter tornado no segundo país do mundo a declarar uma emergência climática no início deste ano, o governo irlandês continua a ter o terceiro pior desempenho climático da UE.

Enquanto 25% da electricidade provém do vento, a Irlanda continua a apoiar a indústria de combustíveis fósseis, ao impor um imposto de carbono regressivo que transfere os custos da poluição empresarial para os trabalhadores comuns.

O governo irlandês instou as pessoas a «liderar pelo exemplo» comprando carros eléctricos, mas para a grande maioria dos trabalhadores isso é uma fantasia.

Enquanto isso, o transporte público na Irlanda que quase não existe fora de Dublin enfrenta cortes sobre cortes. E agora, com o pacote ferroviário da UE, estamos enfrentando mais privatizações, retirando um sector vital das mãos do sector público.

Nem tudo é negativo, naturalmente. Em Maio, uma delegação de funcionários irlandeses visitou Copenhaga para estudar ciclovias.

Dublin tem quatro novos planos de acção climáticos separados e desconectados, cada um admnistrado por uma autarquia diferente.

Algumas das iniciativas desses planos são boas. A mais inovadora é a construção do maior sistema de aquecimento urbano da Irlanda, canalizando o excesso de calor industrial (da central energética) da península de Poolbeg para o aquecimento de casas.

Também há planos para instalar painéis solares em todas as novas habitações públicas, planos de adaptação e consciencialização.

Mas isso é uma gota no oceano. Outra ideia que ganha apoio na Irlanda e noutros lugares é a plantação de árvores para reduzir o carbono.

Mas a Irlanda já tem plantações florestais. Os campos estão cobertos por inúmeros hectares de pinheiro sitka de crescimento rápido uma espécie invasora e não nativa.

Essas plantações são zonas mortas estranhamente silenciosas, sem vida animal ou de pássaros. São desertos verdes, que existem apenas como uma cultura de renda.

Muitos agricultores querem investir em plantações mistas de espécies nativas de folha larga, mas os apoios disponíveis para as plantações de sitka ainda não estão disponíveis para opções mais sustentáveis.

O fracturamento hidráulico foi proibido no sul da Irlanda há dois anos, mas no norte, ainda sob o domínio britânico,

há planos para iniciar operações, bem perto da fronteira.

No início deste ano, o Sinn Fein ajudou a aprovar uma lei de emergência climática através do Parlamento nacional que teria tornado a Irlanda o quinto país do mundo a proibir a exploração de petróleo e gás ao interromper a emissão de novas licenças.

Mas como o projecto de lei poderia exigir o uso de dinheiro público, o Governo recorreu a um tecnicismo para congelar a legislação. Na mesma época, foi revelado que o consultor principal do Taoiseaach (primeiro-ministro irlandês) teve reuniões secretas com um lobista do sector de petróleo.

Infelizmente, embora sejam melhores em combustíveis fósseis, os Verdes irlandeses ainda aceitam a lógica do mercado, mas como se chamam «verdes» as pessoas procuram neles as respostas.

O desafio agora é mudar esse discurso. Uma fraqueza adicional do movimento ecológico ocidental é a sua falha em colocar, não apenas o capitalismo, mas a questão do imperialismo, no centro da sua análise.

O capitalismo sempre foi um sistema global, transferindo riqueza dos países em desenvolvimento para as nações no centro do capitalismo mundial, seja pela força, seja pelo comércio.

A indústria de armas e as guerras pelo petróleo e outros recursos são recordações diárias desse facto. O mesmo acontece com as vastas plantações de óleo de palma e o recente acordo comercial UE-Mercosul. O acordo do Mercosul incentivou os incêndios apocalípticos na Amazónia para desmatar mais terras para a produção de carne bovina e soja baratas para a UE.

Mas também se trata de expandir o mercado de carros alemães garantindo lucros de curto prazo para um sector manufactureiro que já está entrando em recessão.

O Mercosul também tem implicações no mercado irlandês. A carne barata do Brasil que inunda o mercado da UE vai prejudicar a produção de carne irlandesa que é produzida de forma mais sustentável.

Isso levará os criadores de carne irlandeses à falência, destruindo a sociedade rural no Brasil e na Irlanda, prejudicando o meio ambiente e o desenvolvimento da agricultura sustentável.

Porquê? Porque o escorpião só se importa com lucros.

A maior central eléctrica da Irlanda funciona quase inteiramente com carvão da Colômbia. A maior parte desse carvão provém da mina de Cerrejón, onde dirigentes sindicais e activistas ambientais e indígenas são frequentemente assassinados. A empresa energética nacional irlandesa também tem investimentos maciços em minas de carvão nas Filipinas, onde activistas locais também são assassinados.

As classes dominantes no Norte incluindo a UE -têm uma dívida histórica de responsabilidade pela exploração e destruição do mundo em desenvolvimento, uma dívida que cresce a cada dia.

Qualquer acção climática e transição para«empregos verdes» deve, portanto, garantir justiça climática, pagando essa dívida global na sua raiz, ou será apenas um novo «imperialismo verde».

Na UE, estamos presos numa teia capitalista, com um regime de comércio de emissões fracassado, um Tratado de Energia sufocante, e regras de ajudas estatais e de concorrência que restringem a acção directa dos governos nacionais.

Agora ouve-se falar mais em«negócio verde» e «crescimento verde».

Na melhor das hipóteses, isso é lavagem verde; na pior das hipóteses, são negócios como sempre.

O Brexit também vai piorar as coisas um novo imposto sobre poluidores pesados, para substituir o Regime Comunitário de licenças de emissão da UE na Grã-Bretanha após o Brexit, será quase metade do preço do mercado de carbono na UE.

A situação parece tão assustadora que muitos começam a questionar-se se podemos ter sucesso.

Um artigo recente da (revista) New Yorker argumentou: «O apocalipse climático está a chegar. Para nos prepararmos, precisamos de admitir que não o podemos evitar».

Ora aí está!

Por detrás de toda a lavagem verde, de todos os carros eléctricos, das lâmpadas, das chávenas de café reutilizáveis e outras porcarias, é isso que os «capitalistas verdes» e os «liberais progressistas» têm para oferecer. Eles conseguem imaginar o fim da nossa espécie, mas não conseguem imaginar o fim do capitalismo.

Aqueles que, tal como nós, o conseguem imaginar têm de fazer mais do que apenas imaginar.

É inspirador ver e ouvir sobre iniciativas locais, mostrando que existem formas alternativas de fazer as coisas.

Precisamos de trocar impressões e envidar esforços para impedir a mudança climática com a realidade no terreno para mostrar às pessoas que a mudança é possível e como isso afectará a sua vida quotidiana. Isso não é suficiente, é claro, mas mostra que é possível, que a tecnologia e o conhecimento existem desde que haja vontade política.

Mas temos de fazer mais.

Não vou citar números sobre gases de efeito estufa, metas e assim por diante. Mas quero referir um número: 14 meses. Em Novembro de 2020, está prevista para Glasgow a 26.ª sessão da Conferência dos Parceiros da UNFCCC ou «COP26».

Se a UE, os EUA e outros países ocidentais agirem significativamente sobre o clima e iniciarem os processos políticos necessários, o ponto político de não retorno recairá efectivamente na COP26.

Agir daqui a uma década será tarde demais. Por esse motivo, também devemos trabalhar para criar a maior mobilização popular possível em torno da COP26 no próximo ano.

Aqui na Europa, no berço histórico do capitalismo e do imperialismo, temos uma oportunidade e um dever de tornar essa luta vitoriosa.

O novo movimento climático já está tendo os seus debates internos sobre se é possível resolver a crise climática sem mudar o sistema, ou se um capitalismo mais verde é suficiente. Precisamos de nos unir e de ajudar a fortalecer a posição anti-capitalista nesse movimento.

Não podemos substituir o capitalismo amanhã, mas podemos construir alternativas reais nas nossas comunidades que aproximem as pessoas, dando-lhes uma perspectiva de como poderia ser uma sociedade socialista e sustentável. Ao mesmo tempo, podemos ajudar a trazer o maior número de pessoas para as ruas, forçando os governos a agir, mesmo contra a sua vontade.

Estamos enfrentando uma batalha não apenas pela civilização humana (como ela é) mas por milhares de milhões de outras espécies neste pequeno planeta azul e frágil.

E não temos outra opção senão vencer.